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Aula inaugural debate a Atenção Primária à Saúde no Brasil

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Publicado em:20/08/2021
A pesquisadora do Departamento de Ciências Sociais da ENSP e coordenadora da Rede APS, Lígia Giovanella, apresentou a aula inaugural do Curso de Qualificação em Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente na Atenção Primária à Saúde e na Atenção Ambulatorial Especializada, organizado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), em parceria com o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict). 

Durante a aula, que teve como tema “Atenção Primária à Saúde no SUS: avanços, ameaças, retrocessos”, foram discutidas as abordagens em APS; os marcos históricos da Atenção Primária no SUS; o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica; a cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF); o desmonte do modelo assistencial da ESF no Sistema Único de Saúde; a APS no enfrentamento da Covid-19, além dos desafios em tempos de pandemia.

De qual APS estamos falando?

A pesquisadora iniciou a aula com esse questionamento. Segundo ela, na experiência internacional são observadas diferentes concepções de APS que estão sempre em tensão e subentendidas no debate nacional sobre a universalidade do SUS. “Uma imprecisão conceitual que permite abarcar iniciativas com propósitos muito distintos. O autor Jairnilson Paim observa que dadas essas dubiedades, a APS pode ser considerada quase uma receita para todas as estações. Não há uniformidade de abordagens para APS”, explicou ela.

As concepções da Atenção Primária à Saúde também foram exemplificadas pela professora. A APS - abrangente ou integral – é uma estratégia para organizar os sistemas de atenção à saúde e para a sociedade promover a saúde. Refere-se a uma concepção de modelo assistencial e de organização do sistema de saúde desenvolvida na Conferência de Alma Ata (1978) – que inclui entre seus princípios: o acesso universal com base nas necessidades de saúde e uso de tecnologias apropriadas e efetivas; o imperativo de enfrentar determinantes de saúde mais amplos de caráter socioeconômico; e ação e coordenação intersetorial para a promoção da saúde (participação social). 

Já a APS seletiva é um programa seletivo com cesta restrita de intervenções custo-efetivas, limitado à atenção materno infantil e doenças infecciosas, focalizado em populações em pobreza extrema geralmente de resolutividade restrita. Ligia citou ainda, a Atenção Ambulatorial de primeiro nível, que são os serviços de primeiro contato do paciente com o sistema de saúde, direcionados a cobrir as afecções mais comuns e resolver a maioria dos problemas de saúde de uma população, incluindo amplo espectro de serviços clínicos e por vezes ações de saúde pública. 

“Ela não é seletiva, ou seja, não se restringe ao primeiro nível, na União Europeia está articulada a um sistema universal solidário. É centrada em médicos generalistas ou com especialidade em medicina de família e comunidade. Ser o serviço de primeiro contato e porta de entrada preferencial que garante atenção oportuna e resolutiva são também atributos imprescindíveis da APS integral no SUS”, destacou. 

Giovanella reforçou que a APS integral enfatiza processos emancipatórios na luta pelo direito à saúde, para a criação de sistemas públicos universais de saúde como estratégia para organizar os sistemas de atenção à saúde e para a sociedade promover a saúde. “Após Alma-Ata, o que imperou nos países em desenvolvimento foi a implementação de uma APS seletiva, contudo, a discussão da saúde se ampliou. Movimentos sociais em âmbito internacional passaram a enfatizar a compreensão da saúde como direito humano, a necessidade de abordar os determinantes sociais e políticos mais amplos da saúde e a necessidade de estabelecer políticas de desenvolvimento inclusivas, apoiadas por compromissos financeiros e de legislação, para reduzir desigualdades e alcançar equidade em saúde”.

Sobre a contribuição de sistemas de saúde públicos universais para o direito à saúde, Lígia destacou que há robusta evidência de que sistemas públicos universais, gratuitos e de financiamento fiscal, são superiores em qualidade, eficiência e equidade, quando possuem como pilares estruturantes a organização de uma APS integral, a prestação e o financiamento predominantemente públicos, e uma efetiva regulação do Estado para a garantia do acesso universal e igualitário. “Uma lição básica desta pandemia é que os sistemas de saúde de mercado, voltados para a doença, cuidado individual, lucros e negócios, não são capazes de enfrentar problemas coletivos que exigem atuar de acordo com o interesse comum”, advertiu ela. 

APS integral como o núcleo estruturante da rede de atenção à saúde

Dando prosseguimento a aula, a professora explicou que o modelo assistencial de orientação comunitária da APS no SUS é a Estratégia Saúde da Família, com suas equipes multiprofissionais e enfoque comunitário e territorial, que tem apresentado ao longo do tempo, impactos positivos comprovados na saúde da população, com ampliação do acesso aos serviços de saúde em todas as regiões do país e efeitos na equidade. “A cobertura da ESF reduziu as desigualdades sociais na mortalidade entre os idosos. Nossos achados destacam a necessidade de garantir acesso universal no Brasil por meio da expansão e fortalecimento da ESF para a promoção da equidade em saúde”, destacou Giovanella.

Durante a aula Lígia abordou também a Política Nacional de Atenção Primária à Saúde no SUS, seus caminhos e desafios; o Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, destacando que os resultados PMAQ-AB orientaram políticas; a Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE 2019) e a Cobertura da ESF, na qual os resultados mostraram que a ESF é a modalidade predominante da APS no SUS (131 milhões de brasileiros).

A professora falou ainda sobre a Política Nacional de Atenção Básica em contexto de restrição de direitos agravado pela pandemia e sobre os desafios do desmonte do modelo assistencial de orientação comunitária da APS no SUS. “A Atenção Primária no SUS vem sofrendo ameaças e retrocessos”, alertou.

A atenção primária à saúde na rede SUS de enfrentamento da Covid-19

Segundo a pesquisadora, epidemias exigem aliar cuidado individual a uma abordagem comunitária. “O modelo assistencial de orientação comunitária da APS do SUS - a Estratégia Saúde da Família - pode e deve atuar na abordagem comunitária necessária ao enfrentamento de qualquer epidemia”, ressaltou. A Vigilância em Saúde, o cuidado de usuários com Covid-19, a continuidade dos cuidados ofertados pela APS, a ação comunitária e o apoio social, a vacinação, e os cuidados no pós Covid, têm papel decisivo na rede assistencial de cuidados e controle da epidemia.

Por fim, Lígia destacou alguns desafios da APS e do SUS e os aprendizados na pandemia. Numa perspectiva de ampliar o olhar para o SUS, a pesquisadora enfatizou que é hora de defender com força, a proposta institucional, política e social de sistemas de saúde únicos, públicos e universais, orientados por uma visão da epidemiologia crítica da determinação social da saúde e da vida, onde prevalece a concepção de direitos sociais, animais, ambientais e universais – modelo de desenvolvimento harmônico com a natureza. 

Sobre os desafios do SUS, Giovanella ponderou que no contexto da pandemia o SUS mostrou seu valor. “Sua potência está sendo amplamente reconhecida, mas as fragilidades não foram superadas”. Encerrando a aula a pesquisadora defendeu que saúde é democracia e democracia é saúde, além de apresentar materiais elaborados pela “Frente pela Vida”, como o Plano Nacional de Enfrentamento à Pandemia de Covid-19. “O momento exige a defesa do SUS público universal de qualidade, a defesa da democracia e dos direitos sociais universais”, finalizou ela. 

*Crédito foto Lígia Giovanella: Abrasco

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