Robert Whitaker analisa evidências sobre medicamentos psiquiátricos e destaca efeitos a curto e longo prazo
Por Barbara Souza
Mais do que escassez de evidências. Robert Whitaker ampliou o debate sobre a fragilidade científica da medicalização do sofrimento psíquico e discutiu o que são as evidências usadas na psiquiatria contemporânea e como elas costumam ser construídas. Autor de livros como Mad in America e Anatomy of an Epidemic, o jornalista estadunidense foi o primeiro palestrante do 9º Seminário Internacional “A Epidemia das Drogas Psiquiátricas”, que começou nesta quinta-feira (30/10), no auditório da ENSP/Fiocruz. Ele apresentou uma revisão das evidências sobre antidepressivos e outros medicamentos psiquiátricos, analisando seus efeitos a curto e longo prazo.
Realizado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP), em parceria com o Centro de Estudos Estratégicos (CEE/Fiocruz), o evento termina na tarde desta sexta-feira (31/10) e está sendo transmitido e traduzido ao vivo pelo canal da Escola no YouTube. O tema desta edição é “O que são evidências na psiquiatria e como construir práticas e cuidados desmedicalizantes”. Veja a programação aqui.
Ao apresentar diversos estudos produzidos na área ao longo das últimas décadas, principalmente nos Estados Unidos, Whitaker teceu críticas contundentes. O convidado questionou pesquisas de abordagens variadas que parecem ter a intenção de comprovar que medicamentos como antidepressivos funcionam e devem ser amplamente receitados. Ele apontou falhas metodológicas, interpretações enviesadas nas investigações e as consequências à saúde.
Em sua explanação, o palestrante também destacou que os antidepressivos e antipsicóticos pioram, a longo prazo, os quadros de depressão e de outros transtornos. Além disso, Whitaker afirmou que as pesquisas analisadas chegam a propor uma explicação biológica para justificar isso, a fim de negar os prejuízos causados pelo uso contínuo das substâncias. Outros destaques de sua apresentação foram a piora geral dos casos de transtorno bipolar e o aumento de condições decorrentes de transtornos psiquiátricos à medida que a prescrição de antidepressivos também cresceu.
Em ensaios de curto prazo, como exposto por Whitaker, os medicamentos psiquiátricos aprovados pela FDA — a agência governamental reguladora dos Estados Unidos — demonstraram proporcionar um benefício estatisticamente significativo em comparação com o placebo. No entanto, a redução dos sintomas do distúrbio não se confirma clinicamente. O convidado ressaltou que há limitações nessas pesquisas, como o fato de a maioria ser financiada pela indústria farmacêutica e de uma faixa de 60% a 90% dos pacientes reais que participaram não atender aos critérios de inclusão e exclusão nos estudos, por exemplo.
Os efeitos adversos dos antidepressivos também foram evidenciados na palestra. “Eles agravam o curso da depressão a longo prazo. Uma doença episódica se torna crônica em tempos de antidepressivos”, afirmou Whitaker, que completou explicando sobre a disforia tardia, uma espécie de resistência ao tratamento com remédios, especialmente os serotoninérgicos. Na apresentação, o convidado comentou sobre remissões espontâneas dos casos, afirmando que existe uma tendência à recuperação natural de episódios de depressão.
Mesa de abertura
Coordenador do seminário, o pesquisador Paulo Amarante, do Laps/ENSP, iniciou a atividade lamentando a “guerra” da crise de segurança pública no Rio de Janeiro, que causou impactos ao evento. Ele criticou a “estratégia equivocada” das autoridades fluminenses diante da “situação dramática e desastrosa da política antidrogas”. Em seguida, a vice-presidente adjunta de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz), Patrícia Canto, também comentou o caso e refletiu sobre como a violência urbana impacta a saúde mental das pessoas.
“Neste seminário que propõe discutir a hipermedicalização e a patologização da vida, eu me pergunto como viver numa sociedade tão adoecida e não cair na armadilha de usar medicamentos sem indicação. E como a saúde pública pode conseguir dar conta?”, questionou. A representante da Presidência da Fiocruz parafraseou Sergio Arouca ao dizer que saúde é ausência de medo. “E a gente vive com medo. Isso adoece as pessoas.”
“É preciso também romper com a ideia sobre o papel do medicamento, desenvolvendo e incorporando tecnologias leves. Nem todo sofrimento é transtorno mental. Na verdade, a minoria é. Mesmo esses têm que ter plano terapêutico com início, meio e fim”, afirmou.Kimati destacou que a psiquiatria contemporânea pode ser compreendida a partir de duas dimensões principais. A primeira diz respeito à medicalização como fenômeno cultural, marcada pela expansão dos manuais diagnósticos e pela popularização dos antidepressivos dopaminérgicos a partir dos anos 2000. Segundo ele, esse processo levou muitas pessoas a se identificarem com diagnósticos de saúde mental e a encontrarem neles uma forma de pertencimento.
“As pessoas passaram a se identificar com diagnósticos de saúde mental e a achar seu lugar no mundo a partir disso. Houve um deslocamento das categorias psiquiátricas, que antes eram de exclusão, para, hoje, de inclusão”, afirmou. A segunda dimensão refere-se à ordem assistencial, relacionada à forma como essa “epidemia” de diagnósticos e tratamentos incide de maneira heterogênea na sociedade brasileira. Kimati observou que as mulheres tendem a fazer uso de psicotrópicos por períodos mais longos e apresentam maior propensão ao desenvolvimento de dependência — um recorte que reflete as mesmas vulnerabilidades sociais e de gênero presentes no país.
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