'O não lugar do feminino': pesquisadora aborda relações de gênero em evento pelos 10 anos do DIHS/ENSP
Por Bruna Abinara
O lugar ocupado pelas mulheres na sociedade foi o tema central do primeiro evento organizado em comemoração pelos 10 anos do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (DIHS/ENSP/Fiocruz). Realizada nesta terça-feira (18/3), a palestra "O não lugar do feminino" foi coordenada pela pesquisadora Patrícia Way e teve a professora Nair Teles como conferencista. O evento foi transmitido pelo canal da ENSP no Youtube; confira!
A chefe do DIHS/ENSP, Maria Helena Barros, esteve presente na abertura da atividade para uma breve reflexão. "O ano será muito importante, porque iniciamos uma jornada de comemorações da alegria de fazer parte do departamento, mas também da luta pelos direitos humanos na interface com a saúde", declarou. Em seguida, Patrícia Way contextualizou que questões do campo dos direitos humanos começaram a ser abordadas na Escola em 1997. Desde então, o grupo de pesquisadores evoluiu até a instituição do DIHS/ENSP em 2015. "O departamento se ancora no conjunto de indivíduos que passaram por ele no passado, que estão conosco no presente, e que ocuparão esse espaço no futuro", ressaltou.
"Qual o lugar ocupado pela mulher?" Com esse questionamento, a pesquisadora do DIHS/ENSP Nair Teles deu início a sua apresentação, que problematizou as diferenças de gênero nas relações familiares e laborais das mulheres moçambicanas. A professora da Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique, explicou que o não lugar do feminino é um conceito percebido a partir de suas pesquisas sobre as vulnerabilidades sociais, culturais e econômicas de mulheres pobres e trabalhadoras do sexo da cidade de Maputo.
Segundo Nair, o não lugar é uma construção feita a partir de três processos: a coisificação do gênero feminino, o que ela denomina o de ser em coisa ficar, um lugar de uso a partir de uma visão objetificante e o uso instrumental da mulher. "O de ser em coisa ficar é resultado da estrutura sociofamiliar que atribui o não lugar à mulher, que precisa ser esposa, ter filho, cuidar da casa e trabalhar. Ela é o eixo central da família, embora esse espaço seja negado a ela", elaborou. A pesquisadora ainda ressaltou que a subjugação se apresenta em escalas, nas quais as classes sociais inferiores são mais afetadas.
"O não lugar do feminino também é um lugar, é o lugar que cabe às mulheres na sociedade", afirmou. A palestrante destacou que a dominação e a exploração sobre as mulheres são realizadas conscientemente através das relações sociais de gênero e resultam na forma como o corpo delas passa a ser visto como um objeto. Além disso, Nair alerta para uma "ordem silenciosa" que legitima o processo de coisificação da mulher no cotidiano dela, desde o seu nascimento. "Neste sentido, o oprimido sente, pensa e age a partir do local onde ele está, dentro e através da perspectiva do dominante que é imposta. Essa violência simbólica é possível pela incorporação, em diferentes graus de consciência, da relação de dominação", reforçou.
Assim, a professora defende que embora as mulheres percebam essa violência simbólica, romper a relação de dominação é muito difícil, já que o ganho de autonomia gera uma perda de aceitação sociofamiliar. Nair explica que espaços de resistência feminina vão sendo criados apesar dos desafios. "Dentro do não lugar, as mulheres ainda são. Elas têm visões delas próprias, desejos, sonhos e encontram os seus momentos", concluiu.