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PRONARA: Pesquisadora do Cesteh fala sobre os desafios do Programa

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Publicado em:21/07/2025
Por Marcelo Gautte e Thamiris Carvalho 

Foi publicado no Diário Oficial da União, no dia 1º de julho de 2025, o decreto que institui o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (PRONARA). A assinatura marca a concretização de uma luta defendida há mais de dez anos por movimentos sociais, entidades e pesquisadores da saúde pública e do meio ambiente.

Criado em 2014, o PRONARA permaneceu por mais de dez anos sem ser oficializado e agora finalmente foi lançado, integrando a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), com diretrizes que incluem o incentivo a práticas agropecuárias sustentáveis e a promoção de sistemas alimentares saudáveis. 

O grande objetivo é diminuir o uso de agrotóxicos que são muito perigosos à saúde e ao ambiente, aumentar significativamente o uso de bioinsumos, qualificar profissionais do setor agropecuário, promover ações educativas e garantir que as pessoas tenham acesso às informações sobre os riscos da utilização e exposição aos agrotóxicos.

Mesmo com esse grande avanço, o anúncio veio acompanhado de uma contradição: no mesmo dia em que o decreto foi assinado, 115 novos agrotóxicos tiveram seus registros autorizados no país. O avanço nessa regulamentação é explicado pelo PL do Veneno, aprovado em 2023, que substituiu a Lei dos Agrotóxicos.

Para entender mais sobre o programa e sobre essas contradições, o Cesteh entrevistou a pesquisadora do Laboratório de Toxicologia do Centro, Ana Cristina Simões Rosa, que pontuou questões importantes, como a saúde do trabalhador e os maiores obstáculos que o programa pode enfrentar. Leia abaixo:

Quais são os principais efeitos do uso intensivo de agrotóxicos na saúde dos trabalhadores do campo, e como o PRONARA pretende atuar para reduzir esses impactos?

Ana Cristina:  Os agrotóxicos são substâncias criadas para matar seres vivos, sejam plantas, insetos ou microrganismos, e que nos seres humanos têm efeitos nocivos diversos, a depender de sua classe química e órgãos ou sistemas alvos. Eles oferecem perigo não apenas aos trabalhadores rurais, mas também aos das áreas urbanas, como os agentes de combate às endemias. Em última análise, toda população está exposta a essas substâncias nocivas, visto que pode haver a presença de agrotóxicos em alimentos, na água, no ar. Infelizmente, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos no mundo, há muitos anos, e utiliza volumes da ordem de 800 mil toneladas/ano de ingredientes ativos, apenas em 2023, de acordo com dados do Ibama. 

Assim, o Pronara (Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos - Decreto nº?12.538, de 30 de junho de 2025) vem trazer uma série de diretrizes, objetivos e definições de responsabilidades de diferentes ministérios, visando a implementação de ações que contribuam para a redução do uso de agrotóxicos no Brasil.

Ainda é necessária a regulamentação deste decreto para que fique mais claro de que forma será implementado, mas há grande movimento da sociedade civil e instituições atuantes em defesa da saúde e da vida que estão mobilizadas para esta cobrança.

Quais são os maiores obstáculos que o PRONARA pode enfrentar para ser efetivamente implementado, considerando o atual modelo de produção agrícola dominante no Brasil?

No meu entendimento, os maiores obstáculos para que o PRONARA seja implementado são da ordem de pressões do modelo hegemônico de produção de commodities no Brasil, que representa 25% do PIB do país e, que, em nome do desenvolvimento econômico, destrói a saúde dos biomas inteiros, a vida na terra, nas águas, contamina o ar, e deteriora a saúde dos seres humanos, corrói a vida e oferece a destruição e a doença.

Assim, o subfinanciamento para a implementação das ações estruturantes do PRONARA, a dificuldade nas articulações entre as esferas federal, estadual e municipal, e o impedimento ou limitação da participação e controle social, podem ser desafios importantes para a real implementação desse importante programa.

Como garantir que o PRONARA não se torne apenas uma medida simbólica? Que instrumentos de controle social e monitoramento podem contribuir para sua efetividade?

Para garantia de que o PRONARA seja de fato implementado, e não apenas um ato político simbólico para expressar uma compensação, espera-se que ações concretas sejam realizadas pelos ministérios responsáveis, com prazos, indicadores, garantia de orçamento, fortalecimento do programa dentro das instituições e participação do controle social efetivos. Quanto maior for a garantia da participação e controle social em todo processo de implementação e a articulação das 3 esferas de governo para evitar a influência do poder econômico, maior a chance de perenidade do PRONARA.

A nota técnica elaborada pelo GT de Agrotóxicos e Saúde da Fiocruz, em conjunto com a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, apresenta análise crítica e propositiva sobre o decreto, para efetividade da implementação do PRONARA.

Para monitoramento, é necessária a garantia e clareza dos mecanismos possíveis e disponíveis para controle, fiscalização e monitoramento dos agrotóxicos, da esfera federal à municipal. Além disso, a ampliação dos programas existentes para o monitoramento dos agrotóxicos nos seres humanos, em água e alimentos, também deve ser garantida em todos os estados brasileiros, através do SUS.

Quais políticas públicas precisam caminhar junto ao PRONARA para que haja, de fato, uma transição do modelo atual para práticas mais sustentáveis e saudáveis?

O fortalecimento da agroecologia, ampliação de linhas de crédito viáveis para os pequenos produtores agroecológicos, garantia de escoamento da produção para o setor público, como alimentação escolar e hospitalar, e apoio para a comercialização local e interestadual.

Além disso, é importante o investimento em educação, tanto dos extensionistas rurais, quanto dos produtores, sobre a viabilidade da produção de base agroecológica e sustentável, além de toda população sobre os benefícios de uma alimentação sem a contaminação por agrotóxicos. É importante a ampliação da comunicação com a população sobre o uso massivo de agrotóxicos e consequências para a saúde humana.

A retirada de incentivos fiscais para os agrotóxicos também deve ser enfrentada para que o uso dessas substâncias nocivas seja diminuído.

No mesmo dia em que o PRONARA foi instituído, foram autorizados 115 novos agrotóxicos. Como essa contradição impacta a credibilidade e a aplicabilidade do programa na prática?

É importante frisar que desde a aprovação do Pacote do Veneno Lei 14.785/2023, que substituiu a Lei dos Agrotóxicos (Lei nº 7.802/1989), houve o aumento do desmonte na regulação dos agrotóxicos, facilitando o registro de produtos e atribuição ao MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária) da responsabilidade por novos registros de agrotóxicos, sendo a Anvisa e Ibama apenas consultados.

Com isso, a perspectiva de que mais e mais produtos sejam aprovados é grande e o PRONARA, sendo bem implementado, poderá exercer um papel fundamental para frear ouso massivo e abre a possibilidade de ampliação do monitoramento e fiscalização, do que e o quanto se usa nos territórios. Ele pode funcionar bem como um instrumento de denúncia diante do que o MAPA delibera em nome do aumento da produção de commodities no Brasil.


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