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Antidepressivos na gravidez: pesquisadores discutem evidências

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Publicado em:31/10/2025
9º Seminário Internacional – 'A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, realizado no auditório da ENSP, nesta quinta-feira (30/10).


Durante a mesa 'O que são evidências no uso dos antidepressivos na gravidez', realizada na tarde do primeiro dia (30/10) do 9º Seminário Internacional – 'A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: Reflexões Críticas sobre Evidências e Práticas de Cuidado Desmedicalizantes', pesquisadores brasileiros e internacionais refletiram sobre as bases científicas, os riscos e as controvérsias em torno do uso de antidepressivos por gestantes. A discussão contou com as participações de Marcos Ferraz, professor e pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e Adam Urato, professor da Universidade de Boston (EUA), sob a coordenação do pesquisador da ENSP/Fiocruz Paulo Amarante. O debate revelou o quanto o tema da medicalização da vida exige uma abordagem interdisciplinar e crítica. 


Abrindo a mesa, Marcos Ferraz propôs uma análise crítica sobre o conceito de “evidência” na medicina contemporânea e sua aplicação no campo da psiquiatria. O pesquisador destacou que, embora a chamada medicina baseada em evidências tenha contribuído para qualificar práticas e decisões clínicas, ela também pode ser usada de forma reducionista, desconsiderando dimensões humanas, contextuais e sociais do cuidado. 

“A medicina baseada em evidências não é neutra. Ela se apoia em métodos estatísticos e em desenhos de pesquisa que privilegiam certos tipos de conhecimento e marginalizam outros”, afirmou. Ferraz destacou que o campo da saúde mental é especialmente afetado por essa limitação, uma vez que muitos estudos sobre antidepressivos utilizam indicadores quantitativos que não captam a complexidade da experiência subjetiva do sofrimento psíquico. 

“A lógica da evidência tende a simplificar o que é singular. No caso da gestação, isso é ainda mais grave, porque estamos falando de dois corpos, duas vidas, e de um contexto de extrema vulnerabilidade emocional”, ressaltou o pesquisador. 

Segundo ele, o debate sobre o uso de antidepressivos na gravidez deve considerar não apenas os efeitos biológicos das drogas, mas também os impactos sociais, simbólicos e culturais que envolvem a medicalização da vida. Ferraz observou que há uma tendência crescente de prescrever psicofármacos em situações de sofrimento que poderiam ser acolhidas por outras formas de cuidado.  “O risco é transformar a gestação — um processo fisiológico, relacional e de intensas mudanças — em um problema médico que exige intervenção química”, alertou. 

Na sequência, o professor Adam Urato, obstetra e pesquisador da Universidade de Boston, apresentou um panorama abrangente das evidências científicas disponíveis sobre o uso de antidepressivos durante a gestação, com foco nos riscos para o feto e para a saúde materna.  

Urato tem se dedicado há mais de duas décadas a estudar os efeitos dessas substâncias, especialmente os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), e tem sido uma das vozes mais ativas na defesa de abordagens não farmacológicas para o cuidado de gestantes com sintomas de depressão e ansiedade. 

O pesquisador norte-americano destacou que há um crescente número de estudos que associam o uso de antidepressivos durante a gravidez a desfechos adversos, como parto prematuro, baixo peso ao nascer, malformações e sintomas de abstinência neonatal.  “Os dados são consistentes: quanto mais se estuda o tema, mais evidências aparecem mostrando riscos reais, tanto para o bebê quanto para a mãe”, afirmou Urato. 

Ele ressaltou que, embora os antidepressivos sejam amplamente prescritos em todo o mundo, não há evidências robustas de que seu uso durante a gestação traga benefícios significativos. 

“Não existe demonstração clara de que esses medicamentos melhorem o desfecho da gravidez ou reduzam a mortalidade materna ou infantil. Ao contrário, há sinais de que podem piorar alguns indicadores”, observou. 

A mesa 'O que são evidências no uso dos antidepressivos na gravidez', contou com a participação de Marcos Ferraz, Adam Urato, e Paulo Amarante.

Urato também questionou a influência da indústria farmacêutica na produção e divulgação das evidências científicas sobre o tema. Segundo ele, muitos estudos são financiados pelos próprios fabricantes, o que tende a gerar vieses na apresentação dos resultados. 

“Precisamos olhar com cuidado quem financia e quem publica os estudos. Em muitos casos, há conflitos de interesse que distorcem as conclusões e geram uma falsa sensação de segurança”, alertou. 

Além dos riscos fisiológicos, o pesquisador chamou atenção para o impacto psicológico e social das prescrições. “Quando uma gestante é informada de que seu bebê pode sofrer se ela interromper o medicamento, cria-se um dilema ético e emocional enorme. Essa pressão não é neutra: ela se baseia em uma narrativa de medo que nem sempre está sustentada por dados sólidos”, disse. 

Encerrando sua exposição, Urato defendeu a ampliação de estratégias não farmacológicas de cuidado às gestantes, como o apoio psicossocial, a psicoterapia, as práticas de relaxamento e o fortalecimento das redes de apoio familiar e comunitário. “O que as gestantes mais precisam é de escuta, suporte emocional e vínculos de cuidado, não de pílulas”, enfatizou. 

Para Paulo Amarante, coordenador da mesa e pesquisador da ENSP/Fiocruz, o debate revelou o quanto o tema da medicalização da vida exige uma abordagem interdisciplinar e crítica. “O seminário tem justamente esse papel: reunir diferentes perspectivas para pensar práticas de cuidado que resgatem a autonomia, a ética e o sentido humano da saúde mental”, concluiu. 

A mesa 'O que são evidências no uso dos antidepressivos na gravidez' integrou a programação do 9º Seminário Internacional – 'A Epidemia das Drogas Psiquiátricas', promovido pela ENSP/Fiocruz. 

Assista à mesa na íntegra.




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