Busca do site
menu

4º Encontro de Saberes do Neepes/ENSP debate interculturalidade com foco nos povos indígenas

ícone facebook
Publicado em:13/08/2025
*Por Tatiane Vargas

Com o tema “Diálogos interculturais e interdisciplinares entre academia e povos indígenas: experiências de sabedoria no cuidado e na defesa da vida em territórios no Brasil e no Chile”, o 4º Encontro de Saberes do Neepes/ENSP marcou um momento inédito de protagonismo indígena. Realizado na quarta-feira, 13 de agosto, o evento reuniu intelectuais, ativistas e lideranças indígenas do Brasil e do Chile para aprofundar o diálogo entre a ciência ocidental e os saberes ancestrais dos povos originários. Organizado pelo Núcleo Ecologias e Encontros de Saberes para uma Promoção Emancipatória da Saúde (Neepes), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), o encontro reforçou a importância da interculturalidade e da construção coletiva do conhecimento. A parceria com a Escuela de Salud Pública Dr. Salvador Allende, da Universidade do Chile, possibilitou a ampliação desse intercâmbio, especialmente com lideranças indígenas da região. A abertura contou com uma apresentação emocionante do Coral Fiocruz, com um repertório inspirado na temática indígena.


O debate foi coordenado por Marcelo Firpo, pesquisador da ENSP e coordenador do Neepes, e contou com a participação da indígena e ativista do Deserto do Atacama, no Chile, Sonia Ramos; do indígena e ecologista de Pesqueira-PE, Iran Xukuru; da cuidadora Huilliche da Ilha de Chiloé, no Chile, Flor Cheuquepil; e do médico de saúde intercultural da Ilha de Chiloé Chiloé, Jaime Ibacache; e do doutor em antropologia, João Paulo Barreto, do povo Tukano, da região do Rio Tiquié, no Alto Rio Negro.


Um espaço fértil de escuta e construção coletiva

O 4º Encontro de Saberes reafirmou a importância da integração entre diferentes formas de conhecimento, especialmente no contexto da saúde coletiva e ambiental. Ao abrir espaço para a palavra dos povos originários, o evento contribui para a construção de uma ciência mais plural, sensível e enraizada nos territórios.

Diálogo é também escuta e transformação

O diretor da ENSP, Marco Menezes, participou da mesa de abertura e ressaltou que o Encontro de Saberes vai além do debate acadêmico: é um compromisso da instituição com a inclusão, a diversidade e a valorização dos saberes tradicionais. “Vivemos desafios imensos — crise climática, desigualdades, ameaça à soberania. Precisamos que a ciência caminhe junto aos movimentos sociais, aos povos originários e à natureza. A descolonização do saber é um passo essencial para repensarmos nosso modelo de desenvolvimento", afirmou. Menezes também destacou a importância do evento no contexto do Congresso Interno da Fiocruz, que discute os rumos da instituição nos próximos anos.


Saúde emancipatória: justiça ambiental, social e cognitiva

Coordenador do evento, o pesquisador Marcelo Firpo destacou que o Encontro representa um esforço coletivo em prol de uma saúde emancipada das lógicas coloniais. Segundo ele, o Neepes atua com base em três eixos interdisciplinares: justiça social, justiça ambiental e justiça cognitiva.

“É preciso reconhecer que a ciência moderna não é a única forma legítima de conhecimento. Há saberes milenares, dos povos indígenas, africanos, asiáticos, que mantêm uma relação profunda com a natureza. Não basta dialogar: é preciso promover encontros reais de saberes, com respeito, confiança e cocriação”, disse Firpo.


A natureza nos fala. Precisamos voltar a ouvi-la

A ativista indígena do deserto do Atacama, Sonia Chocobar Ramos, destacou os impactos da mineração e do desenvolvimento predatório sobre os territórios de seu povo. Segundo ela, esses processos causam não apenas danos ambientais, mas também uma ruptura cultural profunda.

“Vivemos uma fragmentação do nosso povo, mas também um processo de retomada. Buscamos a reconexão com a nossa memória ancestral, com o território e com o que ele comunica. Iniciamos nossas próprias pesquisas, guiadas por nossos saberes - e, felizmente, encontramos alguns cientistas de coração, com quem construímos pontes”, afirmou.

Sonia ressaltou que os povos indígenas são sensíveis às mudanças da natureza e que esse conhecimento precisa ser valorizado na construção de um futuro comum. “Não se trata de comparar violências, mas de reconhecer a potência dos nossos saberes. O futuro precisa ser construído com todos - porque não existe desenvolvimento real sem reconhecer o que é, de fato, a América”, concluiu.

Saúde é regeneração. É voltar a ser envolvimento.

Com uma fala poética e potente, o ecologista e liderança indígena Iran Xukuru compartilhou a experiência do povo Xukuru, das Serras de Ororubá (PE), em torno do que chamou de “cosmopoética do regresso” — um caminho de retorno à conexão ancestral com a Terra.

“Tudo o que é vivo se regenera. Nós somos seres regenerantes ambulantes. A saúde que buscamos é encantada, nasce do canto dos pássaros, do manejo regenerativo da caatinga, do diálogo com as árvores e com as águas. É uma ciência da vida que não cabe na lógica da utilidade. Como diz Ailton Krenak: ‘a vida não é útil’”, declarou.

Iran destacou que essa ciência regenerativa nasce da escuta — das pessoas, da floresta e dos seres invisíveis —, e criticou uma visão de saúde centrada apenas em corpos doentes. “Curar é plantar árvore, é restaurar ecossistemas, é devolver o canto ao passarinho. Estamos curando a Terra. E quem cuida da Terra cuida da saúde. A nossa floresta encantada é uma universidade viva — ou melhor, uma pluriversidade”, concluiu.

A atividade contou também com a participação de Flor Cheuquepil, cuidadora Huilliche da Ilha de Chiloé, do médico Jaime Ibacache, especialista em saúde intercultural na mesma região, e do doutor em antropologia, João Paulo Barreto, do povo Tukano, da região do Rio Tiquié, no Alto Rio Negro.

Ibacache abordou a interseccionalidade e a interculturalidade como estratégia de fortalecimento da Saúde Coletiva. Já Flor Cheuquepil contou sobre a vida na Ilha de Chiloé, território que abriga diferentes comunidades indígenas, e como a exploração está adoecendo o local, por meio da pesca predatória e mineração, por exemplo. João Paulo Tukano, ganhador da melhor tese de Antropologia e Arqueologia de 2022, eleita pela Capes, falou sobre a sua comunidade, que faz fronteira com Brasil e Colômbia. 

Assista à mesa na íntegra no canal da ENSP no YouTube.



Seções Relacionadas:
ENSP Internacional Pesquisa Vídeos

Nenhum comentário para: 4º Encontro de Saberes do Neepes/ENSP debate interculturalidade com foco nos povos indígenas