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Pesquisa promove educação em saúde e atualização profissional contra contaminação por mercúrio na Amazônia

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Publicado em:18/10/2023

Por Barbara Souza

Os prejuízos à saúde e ao ambiente provocados pelo garimpo ilegal do ouro na Amazônia são conhecidos e estamparam manchetes de jornais do Brasil e do mundo este ano. Apesar da gravidade das consequências da contaminação por mercúrio, utilizado na atividade mineradora clandestina, não há ações de vigilância da população exposta. A fim de minorar o problema desta lacuna, a pesquisa ‘Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saúde-ambiente’ vai ofertar o ‘Curso de Atualização Profissional em Vigilância e Monitoramento de Populações Expostas ao Mercúrio no Brasil’.

 Contemplado pelo Edital de Pesquisa 2021, lançado pela ENSP/Fiocruz no âmbito do Programa de Fomento ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico Aplicado à Saúde Pública, o projeto tem como objetivo aperfeiçoar os profissionais que compõem as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas Yanomami e Rio Tapajós. O projeto é coordenado pelo pesquisador da ENSP Paulo Basta, do grupo “Ambiente, Diversidade e Saúde”. A vice-coordenadora é a pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Ana Claudia Vasconcellos.

Em entrevista ao Informe, ela explicou a importância da iniciativa para melhorar as condições de vida e de saúde dos povos indígenas Munduruku e Yanomami. Além disso, Ana Claudia contou que também está no escopo da pesquisa a realização de oficinas de trabalho para construção de material e de cursos de formação de professores indígenas. O foco das atividades são os problemas relacionados à atividade garimpeira de ouro. “A nossa ideia é levar o debate sobre os malefícios do garimpo de ouro para dentro das salas de aula a partir da produção de livros didáticos e da formação de professores indígenas nesta temática e, assim, contribuir para a luta dos povos indígenas em defesa de seus territórios ancestrais”, disse.

Confira a entrevista na íntegra:

O objetivo da pesquisa é aprimorar as condições de vida e de saúde dos povos indígenas Munduruku e Yanomami a partir do aperfeiçoamento do trabalho das Equipes Multiprofissionais de Saúde Indígena que atuam nos DSEI. O foco será a vigilância da contaminação por mercúrio? Como isso se dará na prática?

Ana Claudia Vasconcellos: A vigilância de indivíduos expostos ao mercúrio ainda não é uma ação desenvolvida pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) da Amazônia, apesar do avanço da atividade garimpeira nesta região nos últimos anos e da gravidade dos danos à saúde que o mercúrio pode causar.

Considerando essa lacuna no serviço de saúde, um dos objetivos do nosso projeto é ofertar o “Curso de Atualização Profissional em Vigilância e Monitoramento de Populações Expostas ao Mercúrio no Brasil” para profissionais que compõem as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) dos DSEIs Yanomami e Rio Tapajós. Dessa forma, habilitá-los para incluir na rotina do serviço ações de vigilância da contaminação humana ao mercúrio como: identificação de indivíduos expostos ou potencialmente expostos, solicitação de exames laboratoriais para diagnóstico; identificação de sinais e sintomas da contaminação em adultos e crianças e orientação da população para prevenção e/ou minimização da contaminação.

Entre os objetivos da pesquisa, também consta que se pretende democratizar o conhecimento científico para fortalecer a luta dos indígenas no Brasil. De que forma esperam realizar essa democratização? Que outras iniciativas devem ser realizadas além do aperfeiçoamento das EMSI?

Ana Claudia Vasconcellos: Nós buscamos democratizar o conhecimento técnico-científico produzido por instituições acadêmicas nacionais e internacionais por intermédio de oficinas de trabalho para construção de material e de cursos de formação de professores indígenas, com foco nos problemas relacionados à atividade garimpeira de ouro. A nossa ideia é levar o debate sobre os malefícios do garimpo de ouro para dentro das salas de aula a partir da produção de livros didáticos e da formação de professores indígenas nesta temática e, assim, contribuir para a luta dos povos indígenas em defesa de seus territórios ancestrais.

Na equipe da pesquisa, há diversos indígenas, tanto Mundurukus quanto Yanomamis. Há ainda associações indígenas entre os parceiros. Qual a importância da participação dessas pessoas no processo do ‘fazer científico’ para o sucesso dos objetivos da pesquisa?

Ana Claudia Vasconcellos: Em primeiro lugar, é importante dizer que este projeto de pesquisa é desdobramento de dois projetos anteriores que foram desenvolvidos nos territórios Yanomami (em 2014) e Munduruku (em 2019) que tinham como objetivo principal realizar um diagnóstico da contaminação humana por mercúrio nessas localidades.

Ambos os projetos foram desenvolvidos para atender às demandas das associações Hutukara Associação Yanomami (presidida por Davi Kopenawa) e Associação Indígena Pariri, que representa o povo Munduruku que vive na região do médio rio Tapajós (presidida por Alessandra Korap). Essas associações enviaram cartas direcionadas à Fiocruz e solicitaram o desenvolvimento de pesquisas em seus territórios para investigar os efeitos do mercúrio usado no garimpo de ouro na saúde dos indígenas.

Assim, podemos afirmar que nosso trabalho de pesquisa nasce por intermédio de associações indígenas que buscavam embasamento científico para os problemas que testemunhavam com o crescimento do garimpo de ouro em terras indígenas. Infelizmente, as pesquisas realizadas nos territórios Yanomami e Munduruku revelaram níveis de contaminação por mercúrio acima dos limites recomendados por agências de saúde internacional em adultos e crianças indígenas.

Esse resultado alarmante motivou nossa equipe de pesquisa a realizar novos projetos nesses territórios que incluíssem atividades de educação em saúde envolvendo as comunidades indígenas. A ideia principal é que os indígenas afetados pelo garimpo tenham uma compreensão clara sobre os problemas de saúde e ambientais provocados por essa atividade e que esse entendimento seja convertido em ferramenta de luta em defesa do território e de seus direitos constitucionais.

Que etapas do trabalho já foram realizadas até o momento e quais são os próximos passos previstos no âmbito desta pesquisa?

Ana Claudia Vasconcellos: Nós já realizamos uma Oficina de Trabalho com professores indígenas Yanomami para produção de material didático para escolas da região e duas ofertas do curso de atualização para profissionais de saúde do DSEI Rio Tapajós. Além disso, ofertamos o curso de formação de professores indígenas sobre o impacto do garimpo de ouro na Amazônia para professores indígenas Munduruku.

Nos próximos meses planejamos realizar uma oferta do curso de atualização para profissionais do DSEI Yanomami e concluir a produção do material didático para escolas Yanomami.

Como descreveria a importância deste estudo dentro do campo da saúde indígena? Espera que gere que tipo de desdobramentos?

Ana Claudia Vasconcellos: Acreditamos que nosso projeto de pesquisa tem grande importância no campo da Saúde Indígena, em primeiro lugar, devido ao ineditismo dos produtos propostos. Por exemplo, não é do nosso conhecimento (até o momento desta entrevista) que exista no Brasil outro curso de formação voltado aos profissionais da Atenção Primária em Saúde que apresente uma proposta de qualificação sequer parecida com o curso de atualização profissional que nós oferecemos aos profissionais da Saúde Indígena, apesar do crescimento exponencial de áreas de garimpo na Amazônia nos últimos anos. Além deste curso, outra abordagem inédita do nosso projeto é envolver professores indígenas na produção de material didático bilíngue que aborda especificamente os problemas relacionados à invasão do território por garimpeiros ilegais, com destaque para os problemas de saúde causados por esta atividade.

Como desdobramento deste projeto, nós almejamos ampliar a oferta do curso de atualização profissional para outros DSEIs da Amazônia que assistem povos indígenas ameaçados pelo garimpo e produzir material didático para mais escolas indígenas.





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