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Desigualdades aprofundadas e lições aprendidas: ENSP comenta declaração de fim da pandemia pela OMS

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Publicado em:15/05/2023
A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou na última sexta-feira (5/5) que a covid-19 não é mais uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. Trata-se de um marco importante no enfrentamento à doença, cujo mais alto nível de alerta global havia sido declarado em janeiro de 2020. No entanto, inserida num contexto de múltiplas crises, a pandemia de covid-19 aprofundou as desigualdades no contexto da Sindemia Global, demarcada pelas interrelações entre as epidemias de obesidade e de desnutrição no marco das mudanças climáticas. “Tal cenário foi agravado não apenas no Brasil, mas em outros países que, assim como o nosso, ainda enfrentam as marcas da histórica desigualdade construída ao longo dos seus respectivos processos de desenvolvimento. Desigualdade que, por si só, se configura como uma das mais importantes forças motrizes dos processos de determinação socioambiental da saúde, no Brasil, na América Latina e em outras partes do planeta”, afirmou o diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), Marco Menezes.

A dificuldade que alguns países ainda enfrentam no acesso às vacinas evidencia que a resposta à pandemia ocorreu de forma muito desigual, conforme analisa o ex-diretor da ENSP, ex-chefe do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica (NAF) e, agora, pesquisador voluntário sênior da Escola, Jorge Bermudez. Ele também tem sido chamado a colaborar como assessor da Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde (VPPIS/Fiocruz) e Consultor Internacional do Programa Especial Plataforma Regional de Produção da OPAS/OMS, atividades em apoio às iniciativas do Ministério da Saúde na reconstrução do SUS e fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. “É verdade que a pandemia mostrou as evidências das desigualdades presentes no mundo. Desde o início, houve a chamada global para solidariedade, proposta pela Costa Rica e endossada pela OMS, com uma série de medidas como ACT-accelerator, Covid-19 Technology Access Tool (C-TAP) e COVAX, iniciativa destinada a assegurar a provisão de vacinas para países sem condições de comprar, mas esse mecanismo foi subfinanciado, sendo o multilateralismo substituído por inciativas bilaterais dos países mais ricos e que levaram ao denominado ‘apartheid das vacinas’, em que alguns países mais pobres não receberam vacinas nem para os profissionais de saúde da linha de frente da pandemia”. 

Bermudez destacou ainda que, no Brasil, apesar das dificuldades impostas pelo cenário político, os esforços da Fiocruz e do Instituto Butantan viabilizaram a produção nacional das vacinas com transferência tecnológica da AstraZeneca e da Sinovac Biotech da China. De acordo com o pesquisador, é preciso discutir as lições aprendidas com a pandemia de covid-19 e preparar-se para futuras emergências. “Estão em discussão na OMS a preparação de um Acordo ou Tratado para futuras pandemias (Intergovernmental Negotiating Body) e ao mesmo tempo a revisão do Regulamento Sanitário Internacional. Entretanto, essas discussões revelam extrema polêmica entre os diferentes atores e as dificuldades em adequadamente abordar e assegurar o acesso a tecnologias como direito humano e lidar com a propriedade intelectual como uma barreira ao acesso”, advertiu Bermudez.

Países que ainda não alcançaram uma taxa de vacinação suficiente para proteger sua população seguem com prevalência elevada ou até mesmo aumento de casos de covid-19. Já o Brasil, em maio de 2023, tem uma média de 300 mortes por semana. “Estas disparidades nos mostram que, apesar dos inegáveis avanços no enfrentamento da pandemia, ainda persistem grandes desafios relacionados à redução da disseminação da covid-19 em todo o mundo. Enfrentar esses desafios requer uma resposta global coordenada e um compromisso solidário entre os povos – governos e sociedade, academia e serviços, público e privado – no sentido de fortalecer capacidades locais que possibilitem a estruturação de uma grande rede sanitária global, capaz de por fim a esta emergência e estar preparada para as próximas”, reforçou Marco Menezes. 


Em pronunciamento em cadeia de rádio e TV no último domingo (7/5), a ministra da Saúde, Nísia Trindade, fez um apelo pela  vacinação ao lembrar que as hospitalizações e mortes por covid-19 ocorrem principalmente com pessoas que não tomaram as doses de vacina recomendadas. A ministra disse ainda que, por isso, o Ministério da Saúde, ao lado de estados e municípios, realiza desde fevereiro um movimento nacional pela vacinação de reforço: “esta é a forma mais eficaz e segura de proteger nossa população. Precisamos estar unidos pela saúde, em defesa da vida”. Nísia ressaltou também que, apesar do anúncio da OMS, a população vai continuar convivendo com a covid-19, “que continua evoluindo e sofrendo muitas mutações”. Outro ponto importante do discurso foi o reconhecimento de profissionais de saúde, laboratórios que produziram as vacinas e prefeitos e governadores que atuaram para preservar vidas nesta pandemia. “Apesar do negacionismo, dos ataques à ciência e da política de descaso, muitas vidas foram salvas devido ao SUS e ao esforço sem limite das trabalhadoras e trabalhadores da saúde. A eles, agradeço em meu nome e em nome do Presidente Lula, que tem se dedicado desde o primeiro dia de nosso governo à política do cuidado e ao fortalecimento do SUS”, disse Nísia.

“A covid-19 trouxe um grande aumento do sofrimento psicossocial, afetando criticamente alguns grupos como os profissionais da saúde, as populações vulnerabilizadas, as pessoas enlutadas, além de crianças e jovens que se tornaram órfãos, além de terem enfrentado o fechamento das escolas na maioria das vezes sem as medidas compensatórias”, analisa o vice-presidente do Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN), Paulo Garrido, que também é conselheiro nacional de saúde e coordenador-executivo da associação Vida e Justiça, defensora das vítimas da Covid-19 e seus familiares. Sob o ponto de vista dos trabalhadores e trabalhadoras, Paulo Garrido afirmou que é necessário discutir o uso de tecnologias no modelo de atenção à saúde. “O trabalho precisa estar no centro do debate sobre formas de cuidado, o uso de atendimento virtual, a precarização, a relação entre o paciente e o profissiona, etc. É importante também destacar as relações de poder dos meios de produção em saúde e as questões de gênero, raça e etnia. Além disso, questões relativas ao público e ao privado, às influências do capital nacional e estrangeiro na saúde, à carreira, salário, condições e ambientes de trabalho são fundamentais”. 

“Valorizar o SUS é valorizar a força de trabalho da saúde”, resumiu Paulo Garrido. O diretor da ENSP, Marco Menezes, faz coro: “a pandemia de covid-19 é apenas um exemplo dos muitos desafios de saúde pública que enfrentamos hoje em dia. O SUS deve ser  fortalecido na assistência aos pacientes, aos familiares e aos acometidos pela covid longa. Além disso, é fundamental a atenção às demandas dos seus trabalhadoras e trabalhadores e enfrentar o debate sobre as carreiras do SUS”.
O dirigente da Asfoc-SN faz um convite para quatro conferências livres nacionais de saúde vinculadas às questões da pandemia de covid-19: “no dia 19/5 será a dos trabalhadores, trabalhadoras, usuários, usuárias e estudantes da Fiocruz. No mesmo dia vai acontecer a conferência organizada pelo Fórum Nacional de Trabalhadores da Saúde (Fentas). Já no dia 22/5 será realizada a conferência dos familiares das vítimas da covid-19 e, no dia 27/5, a que debaterá temas ligados ao envelhecimento e saúde”, listou Paulo Garrido. 

Aprendizados e legado

Apesar de todos os problemas e perdas irreparáveis, a pandemia de covid-19 relevou potencialidades. As experiências adquiridas, sobretudo nos momentos em que foi necessário distanciamento social, deixaram um rastro de aprendizados, como na área de Ensino. Após quatro meses da declaração da emergência sanitária, a Fiocruz aprovou orientações para a adoção da Educação Remota Emergencial no âmbito de seus Programas de Pós-graduação stricto sensu e cursos lato sensu para dar continuidade às ações educacionais e, ao mesmo tempo, garantir a segurança de alunos e trabalhadores. Atualmente, a Fiocruz disponibiliza, por meio do Campus Virtual Fiocruz, uma enorme gama de cursos online e gratuitos. Atualmente, há 2950 cursos cadastrados na plataforma, sendo 1500 oferecidos à distância. São quase 500 mil alunos inscritos. Após cerca de dois anos, a Fiocruz retomou plenamente as atividades presenciais coletivas. Este ano, a instituição lançou uma pesquisa para conhecer a percepção de alunos, egressos e docentes a respeito do ensino remoto ofertado pela instituição durante a pandemia.


Ainda em relação ao ensino, o diretor Marco Menezes acredita que ao cumprir sua missão de formar quadros qualificados para os sistemas de Saúde e Ciência e Tecnologia, a ENSP reforça o compromisso de aprimorar, cotidianamente, os processos formativos, considerando nessa formação os novos desafios que se apresentam em um contexto pós-pandêmico. “É uma realidade marcada pela sobreposição de diversas crises e influenciados pelos processos de determinação socioambiental que resultam de modelos insustentáveis de desenvolvimento. Nosso compromisso com a Ciência, com a Saúde e com o enfrentamento das desigualdades segue mais vivo do que nunca e, ao mesmo tempo, nos dá a força necessária para participar desse momento histórico de superação e reconstrução”, explica.

Apesar de todos os problemas e perdas irreparáveis, a pandemia de covid-19 relevou potencialidades. As experiências adquiridas, sobretudo nos momentos em que foi necessário distanciamento social, deixaram um rastro de aprendizados, como na área de Ensino. Após quatro meses da declaração da emergência sanitária, a Fiocruz aprovou orientações para a adoção da Educação Remota Emergencial no âmbito de seus Programas de Pós-graduação stricto sensu e lato sensu para dar continuidade às ações educacionais e, ao mesmo tempo, garantir a segurança de alunos e trabalhadores. Este ano, a instituição, por intermédio da Vice-direção de Ensino da ENSP, lançou uma pesquisa para avaliar o ensino remoto no lato e no stricto sensu, cujo principal objetivo é analisar a percepção de alunos, egressos e docentes a respeito da proposta ofertada pela instituição durante a pandemia.

Outra área que precisou se adequar e ganhou um novo peso no contexto da pandemia foi a comunicação. Impulsionados pela necessidade de informar com precisão e celeridade, numa lógica de emergência sanitária global, os veículos jornalísticos da Fiocruz e outros meios de divulgação tiveram que se tranformar. Editor-chefe e coordenador do Programa Radis, Rogerio Lannes destaca que, no período da pandemia, a ENSP e a Fiocruz procuraram seguir o consenso da política de comunicação das instituições, que é trabalhar divulgando informações confiáveis, às quais a ciência e a pesquisa chegaram. "Foram veiculadas informações que tivessem evidência. No acompanhamento da pandemia, a divulgação era do que se podia conhecer e descobrir enquanto a crise sanitária acontecia. Ao mesmo tempo, tivemos que trabalhar com uma grande preocupação em desconstruir as fake news e a desinformação que, infelizmente, ocorreram de uma forma avassaladora durante a pandemia". 

Lannes também ressaltou a importância da atenção às populações que foram mais afetadas, as invisibilizados, como população de rua, indígenas e quilombolas, além dos moradores de favelas e outras periferias urbanas. "Fez muita diferença na comunicação pública em saúde feita pela Fiocruz mostrar a determinação social, ambiental e política, ou seja, toda a desigualdade que levou essas populações a serem mais atingidas. Ao ouvi-las, tentamos mostrar como elas se organizaram solidariamente para lidar com a pandemia. Na comunicação, as comunidades descobriram maneiras próprias de fazer a interlocução com a população dos territórios. Os comunicadores populares foram importantes para a mobilizar a população e permitir que se organizasse para fazer uma prevenção diferente do 'fique em casa' que era indicado para todos como se não houvesse desigualdade no país".

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