“Nos EUA, mulheres morrem de causas relacionadas ao parto mais do que em outros países de alta renda”
Por Danielle Monteiro
A afirmação é da epidemiologista perinatal e nutricional Suzan Carmichael durante palestra que ministrou nesta segunda-feira (24) na ENSP. Professora de pediatria, obstetrícia e ginecologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, dos Estados Unidos, a Dra Carmichael discorreu sobre os conceitos, as causas e os desafios da morbidade materna grave, assim como o trabalho desenvolvido pela instituição acadêmica voltado à temática. Promovida pela equipe da pesquisa Nascer no Brasil, da ENSP, a atividade foi um pré-evento do Dia Mundial da Saúde, que esse ano tem como tema ‘Começos saudáveis, futuros esperançosos'.
Em sua apresentação, a epidemiologista destacou que as mortes maternas nos Estados Unidos não apresentam redução, sendo que a maioria delas são consideradas evitáveis, por meio de melhores cuidados. Somada à gravidade desse quadro, existem, ainda, as disparidades étnico-raciais: segundo a palestrante, pessoas negras e indígenas têm mortalidade materna duas a quatro vezes superior ao restante da população. Apesar dessas iniquidades, a morbidade materna grave apresenta alta evitabilidade, conforme destacou a palestrante.
A Dra Carmichael explicou que o conceito de ‘morbidade
materna grave’ pode ser definido como ‘os resultados inesperados do trabalho
de parto e do parto que culminam em consequências significativas de curto a
longo prazo para a saúde da mulher, podendo ser agudas, de início recente,
inesperadas e que não indicam conexão direta com a mortalidade’. Em linhas
gerias, trata-se de um evento de quase morte causado por complicações graves
ocorridas com a mulher durante a gravidez, parto ou puerpério. “Esse é um dos
motivos pelos quais estamos estudando esse tema: avaliar como podemos fazer
essas conexões e conceitualizá-lo. Para prevenirmos essas mortes, precisamos
prevenir também essa morbidade”, explicou.
A palestrante contou que o trabalho desenvolvido pela equipe
da Universidade de Stanford tem como base dados administrativos do Centros de
Controle e Prevenção de Doenças (CDC). A agência do Departamento de Saúde e
Serviços Humanos dos Estados Unidos utiliza 21 diferentes indicadores que
operacionalizam e quantificam a morbidade materna grave, sendo a hemorragia
uma das causas mais comuns de mortalidade. Segundo a epidemiologista, as
pesquisas desenvolvidas pela instituição acadêmica são ancoradas em
determinantes sociais da morbidade materna grave: “Utilizamos arquivos de coortes
de nascimento vinculado. Obtemos a certidão de óbito materno-fetal e linkamos com
informações sobre a alta hospitalar no parto. Também utilizamos informações sociodemográficas,
sobre etnicidade, disparidades, equidade, educação, índice de massa corpórea,
entre outras. A partir dessas informações de alta hospitalar, temos até 25
códigos e diagnósticos e, com isso, podemos identificar a morbidade e linkar
com as suas causas. Juntamos essas informações para fazer o estudo, baseado na
população, para a morbidade materna grave e também colhemos informações sobre a
qualidade de atendimento dos hospitais”, explicou.
Como desafios para o desenvolvimento de estudos sobre
morbidade materna grave, a Dra Carmichael elencou a falta de consenso sobre o conceito
desse evento, a baixa qualidade de dados, o tempo utilizado como base para
alguns dados e a associação de condições à morbidade materna grave que não
deveriam ser linkadas a esse evento.
Para enfrentar a falta de consenso sobre a morbidade materna grave, a palestrante defendeu a necessidade de maior transparência, por meio do uso de definições, códigos, propósitos e ‘timing’. Ela também alertou que é preciso ampliar o uso de índices validados existentes, assim como incluir especialistas em codificação no desenvolvimento e refinamento de índices e inserir a transfusão de sangue como um indicador. Segundo a palestrante, são necessários, ainda, o aprimoramento de sistemas de dados, a conexão da morbidade materna grave com condições precursoras próximas e o incentivo ao esforço para a harmonização de definições sobre morbidade materna grave entre os diversos países.
A Dra Carmichael também chamou a atenção para a necessidade
de pesquisas sobre morbidade materna grave que levem em consideração os seus
diversos determinantes sociais, assim como as raízes dessas disparidades.
Por fim, a epidemiologista defendeu que é preciso incluir as vozes das comunidades nos estudos sobre morbidade materna grave e apresentou as pesquisas lideradas pela Universidade de Stanford baseadas em entrevistas junto a comunidades. Ela explicou que o desenvolvimento desse modelo de estudos visa consolidar os objetivos e intenções das pesquisas, além de construir uma abordagem e equipe inclusivas, aprimorar o trabalho e as experiências em rede e buscar financiamento para a continuidade dos estudos. Para colocar em prática essa orientação, ela contou que a instituição acadêmica desenvolveu um componente de envolvimento e parceria da comunidade, que visa construir parcerias comunitárias, integrar as perspectivas de stakeholders e disseminar os resultados das pesquisas. Segundo a epidemiologista, a principal queixa das mulheres da comunidade entrevistadas diz respeito à qualidade do cuidado que receberam.
Presente ao encontro, a coordenadora da pesquisa Nascer no Brasil, Maria Leal do Carmo, adiantou que aposta em uma futura cooperação entre a ENSP e a Universidade de Stanford sobre o tema.