Fiocruz se torna Amicus Curiae na ADPF das Favelas; julgamento da arguição começa nesta quarta (13/11)
Vai começar nesta quarta-feira (13/11), o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 635), conhecida como ADPF das Favelas. A arguição trata da letalidade policial no Rio de Janeiro. Na ocasião, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) vai iniciar a leitura do relatório do caso e as sustentações orais das partes envolvidas no processo. No dia 25 de outubro de 2024, a Fiocruz foi habilitada na qualidade de Amicus Curiae na ADPF. Confira abaixo o posicionamento do Programa Institucional de Articulação Intersetorial Violência e Saúde (PIVS) da Fiocruz, coordenado pelo Departamento de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP). Os membros do grupo declaram que continuarão acompanhando, cada vez mais de perto, os desdobramentos.
A ação, impetrada pelo PSB em 2019, com participação de diversos movimentos sociais, busca implementar um plano de redução da letalidade policial e controle das violac?o?es de direitos humanos na política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro. Desde então, diversas medidas nesse sentido vêm sendo tomadas, através da tramitação do processo, que tem como relator o ministro Edson Fachin.
Foto: Douglas Lopes
Confira abaixo o posicionamento do PIVS:
"Em sua petição inicial, a ADPF teve por objetivo reconhecer e corrigir violações aos preceitos fundamentais da Constituição cometidas pelo estado do Rio de Janeiro em sua política de segurança pública, especialmente relacionadas à letalidade da atuação policial, direcionada principalmente contra a população pobre e negra das comunidades. Entre outras medidas, destaca-se o desenvolvimento de um necessário plano de redução da letalidade policial e o controle da violação de direitos humanos.
Historicamente, a Fiocruz vem dialogando com inúmeros movimentos sociais sobre violência, violência armada e violência policial, temas que se colocam como pontos centrais de atenção para um Estado que se deseja Democrático de Direito. Além de desenvolver inúmeras produções acadêmicas e intervenções sobre essa temática, a Fundação criou, em 2017, o Programa Institucional de Articulação Intersetorial Violência e Saúde (PIVS), a fim de expandir e articular reflexões e ações sobre o tema em todas as suas unidades, buscando aprofundar a compreensão da relação entre violência e saúde, sob a perspectiva da determinação social da saúde. O apoio à ADPF foi construído no âmbito da ação do PIVS, que vem acompanhando os impactos da violência armada na saúde da população carioca.
A gravidade da situação foi reconhecida internacionalmente, como evidenciado pela condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Favela Nova Brasília v. Brasil, em 16 de fevereiro de 2017. Neste julgamento, a Corte apontou falhas do Estado na investigação e punição dos responsáveis por execuções extrajudiciais cometidas pela Polícia Civil do Rio de Janeiro. Essa histórica decisão ressalta a urgência e a importância de medidas efetivas para lidar com a violência policial e garantir o respeito aos direitos humanos.
Destacamos que a questão da violência armada é bem mais ampla e complexa do que a violência policial, sendo uma questão transversal que afeta toda a sociedade e que abarca o necessário controle da criminalidade, roubo de cargas, fiscalização e controle de armas de fogo e garantia de atuação segura para as forças policiais. Isso para falar apenas das questões diretamente relacionadas ao problema, mas que também envolve a promoção de uma série de direitos como educação pública de qualidade, direito à moradia, à geração de renda sustentável e ao lazer, assim como o enfrentamento da desigualdade social.
No entanto, especialmente em relação à violência por parte das forças do Estado - e como aponta a ADPF em questão - acreditamos que o Poder Público, especialmente em relação às forças de segurança pública, que representam o Estado no cotidiano da população, deve sempre adotar políticas que não coloquem em risco a vida dos cidadãos e nem de seus policiais e que contribuam para ampliar a legitimidade desta instituição junto à população. Assim, com o apoio à ADPF 635 reiteramos a necessidade de um esforço conjunto para a construção de uma segurança pública cidadã, na qual as forças policiais sejam parte de um processo de garantia de direitos que assegure a segurança de toda a população.
Embora o estado do Rio de Janeiro tenha um número exorbitante de territórios dominados por grupos criminosos armados, o uso da força de forma indiscriminada pelas forças do Estado não vem diminuindo. Tais domínios criminosos, por si só, deveriam ser um indício de que outras estratégias, pautadas em ações de inteligência, devem ser adotadas como caminho preferencial.
Dessa forma, a proposição de um plano voltado à redução da letalidade policial e ao controle das violações de direitos humanos, democraticamente construído, pautado na preservação da vida e da dignidade, sobretudo dos moradores de favelas, em sua maioria pessoas negras, é algo que acreditamos ser de fundamental importância, contribuindo para o enfrentamento ao racismo institucional e para o amadurecimento para a segurança pública do estado do Rio de Janeiro.
Nesse sentido, subscrevemos as medidas solicitadas pela ADPF, que visam combater a violência policial e garantir o respeito aos direitos fundamentais no estado do Rio de Janeiro. Para tanto destacamos algumas medidas pleiteadas pela ação:
Presença de ambulâncias e de equipes de saúde nas operações policiais, a instalação de equipamentos de GPS e sistemas de gravação em viaturas e fardas policiais, a fixação e publicização de protocolos públicos de uso proporcional e progressivo da força, elaboração, armazenamento e disponibilização de relatórios das operações de segurança para devido controle pelos órgãos e pela sociedade, o aperfeiçoamento do treinamento dos policiais fluminenses e a melhoria das suas condições de trabalho e saúde, o afastamento temporário de agentes envolvidos em mortes durante operações policiais, a proteção à inviolabilidade de domicílio, com determinação para que mandados de busca e apreensão domiciliar indiquem precisamente o local, motivo e objetivo da diligência, proibindo mandados coletivos ou genéricos, a vedação ao uso de helicópteros como plataformas de tiro ou instrumentos de terror, a excepcionalidade da realização de operações policiais em áreas próximas a escolas, creches, hospitais e postos de saúde, o aprimoramento das investigações de possíveis crimes cometidos por policiais - para combater a impunidade, a preservação de todos os vestígios de crimes em operações policiais e a documentação fotográfica das provas periciais, a fim de evitar remoção indevida de cadáveres ou descarte de provas, a instauração de procedimentos investigatórios autônomos pelo Ministério Público nos casos de violações por agentes de segurança e também a prioridade de apuração e responsabilização de crimes praticados contra crianças e adolescentes pelas forças de segurança.
Dessa forma, reiteramos que o controle de excessos cometidos pelo Estado é um ponto fundamental para a construção de uma segurança pública cidadã e para um Estado efetivamente democrático e inclusivo, que não vitime com tamanha banalidade e continuidade seus policiais e sua população."
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