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'Cadernos de Saúde Pública' reflete sobre a ciência de escrever um artigo científico e traz artigos acerca da Covid-19

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Publicado em:12/04/2021
A edição de abril do Cadernos de Saúde Pública reflete sobre a arte e a ciência de escrever um artigo científico de revisão. Tendo em vista a complexidade crescente dos métodos de revisão, que conselho pode ser dado a pesquisadores novatos? Dentre os artigos que compõem o fascículo do mês, os temas são política e trabalho em saúde em tempos de Covid-19; desigualdade em escolaridade no tabagismo e consumo abusivo de álcool; vulnerabilidades das indústrias de medicamentos no contexto da Covid-19; características demográficas das epidemias de dengue; deficiência física e promoção da saúde; avaliação da intervenção em farmácias que promovem produtos que competem com aleitamento.

Os pesquisadores Edison Iglesias de Oliveira Vidal e Fernanda Bono Fukushima afirmam que artigos de revisão foram e permanecem recursos de grande valor nos diferentes campos da ciência. No entanto, o panorama dos artigos de revisão da literatura passou por grandes mudanças ao longo dos últimos 50 anos. 
 
No editorial da publicação relembram que, enquanto os artigos de revisão em Medicina e Saúde Pública na era anterior ao advento da medicina baseada em evidências eram quase que exclusivamente de natureza não sistemática, os anos 1990 e o novo milênio testemunharam a ascensão do campo da síntese de pesquisas como uma disciplina científica própria. Por exemplo, em 1999 cerca de 300 referências relativas a revisões sistemáticas foram indexadas no PubMed, enquanto que 20 anos depois, em 2019, mais de 27 mil referências de revisões sistemáticas foram adicionadas àquela base. Não apenas o número de revisões cresceu exponencialmente, a complexidade e diversidade dos métodos de revisão também passaram por um progresso tão importante que é frequentemente impossível a um único pesquisador acompanhar o passo dessa evolução e dominar todos os avanços desse campo efervescente.

Mas por que boas revisões de literatura são tão importantes? John W. Strutt (Lord Rayleigh), vencedor do Prêmio Nobel de Física de 1905, em seu discurso presidencial para a Associação Britânica para o Avanço da Ciência em 1884, argumentou que o empreendimento científico é um processo que consiste ao mesmo tempo na produção de conhecimentos novos e de sua integração com o antigo. Defendeu ainda que se a ciência consistisse apenas no acúmulo de fatos, que ela seria esmagada por seu próprio peso. Nesse âmbito, as revisões da literatura desempenham um papel essencial através da integração judiciosa dos conhecimentos novos e velhos. Adicionalmente, as revisões são valiosas por fornecer contexto histórico, apontar lacunas no conhecimento existente e caminhos futuros a serem percorridos. Cada vez mais, um fator importante para a ascensão do campo da síntese de pesquisas decorre diretamente do fato de que revisões de alta qualidade têm sido demandadas e consumidas não apenas por pesquisadores e profissionais de saúde, mas também pelos responsáveis pelo desenvolvimento de políticas de saúde e pelo público de forma geral. 
Tendo em vista a complexidade crescente dos métodos de revisão, que conselho pode ser dado a pesquisadores novatos considerando escrever um artigo de revisão? Para os autores, uma compreensão clara dos objetivos da revisão frequentemente sinalizará os métodos mais apropriados para alcançá-los. Por exemplo, se os pesquisadores possuem uma pergunta com enfoque sobre a eficácia/efetividade de determinada prática ou tratamento sobre um conjunto de desfechos, ou pretendem que sua síntese influencie diretrizes clínicas ou políticas de saúde, então uma revisão sistemática seria o método de escolha.

“É importante ressaltar que existem ao menos 10 tipos de revisões sistemáticas, abrangendo desde avaliações econômicas até as metassínteses qualitativas. Caso pretendam compreender a extensão e natureza da literatura sobre um dado assunto para determinar o valor e escopo de futuras revisões sistemáticas ou lacunas na literatura, então uma revisão de escopo provavelmente representaria a melhor abordagem para atender suas necessidades. Por outro lado, caso os pesquisadores almejem fornecer uma perspectiva abrangente sobre determinado tema, desde sua história a avanços recentes, padrões atuais, controvérsias e caminhos futuros, então uma revisão narrativa seria provavelmente o melhor caminho a trilhar.”

O segundo conselho que os autores dão envolve tornar-se bastante íntimo dos princípios e métodos fundamentais do tipo de revisão escolhido e compor uma equipe para a revisão cujas expertises e dedicação seriam suficientes para endereçar seus principais desafios. Por exemplo, familiarizar-se com os métodos de revisões sistemáticas de intervenções demanda uma boa compreensão dos conteúdos dos manuais da Colaboração Cochrane e do GRADE, das diretrizes PRISMA (http://prisma-statement.org/, acessado em 07/Mar/2021) e do instrumento AMSTAR 2. Para revisões de escopo, os autores devem estar familiarizados com o trabalho seminal de Arksey & O'Malley e desenvolvimentos recentes. Embora há pouco tempo tenha sido desenvolvida uma escala para avaliar a qualidade de revisões narrativas, tal instrumento ainda se encontra distante do ideal. Portanto, para autores interessados em redigir uma revisão narrativa, aconselhamos um exame detalhado da estrutura das revisões narrativas publicadas na série Estado da Arte do British Medical Journal, as quais fornecem um panorama amplo sobre um tema principal na área da saúde e ao mesmo tempo procuram se basear tanto quanto possível no resultado de revisões sistemáticas prévias. Idealmente, a equipe da revisão deve incluir ao menos um especialista no tema da revisão e outro em seus métodos específicos.

O último conselho deles diz respeito ao que não fazer em um artigo de revisão. Primeiramente, deve-se evitar a todo custo padrões cansativos de apresentação de dados onde são produzidas listas extensas de afirmações de que “fulano et al.” encontram X, “ciclana et al.” demonstraram Y, enquanto “outrem et al.” acharam Z. Esse tipo de apresentação dos resultados não conduz a qualquer síntese palpável e facilmente se torna uma fonte de desânimo para o leitor. Em segundo lugar, é importante evitar conclusões que não levem em consideração a complexidade do assunto em questão, como quando são realizadas afirmativas causais desconsiderando o grau de (in)certeza ou a qualidade das evidências. Em terceiro lugar, para revisões sistemáticas, onde a avaliação do risco de viés é obrigatória, é importante evitar o uso de instrumentos como as escalas de Newcastle-Ottawa e de Downs & Black, que geram escores numéricos como parâmetro final para avaliação do risco de viés nos estudos incluídos. 

Finalmente, recomendam, enfaticamente, que não se tente disfarçar os capítulos introdutórios de teses ou dissertações como artigos de revisão. Embora seja esperado que tais capítulos introdutórios apresentem uma revisão da literatura, eles possuem objetivos, público alvo e grau de rigor diferentes daqueles esperados para um bom artigo de revisão. Em conclusão, dizem os autores, que bons artigos de revisão habitam o coração do empreendimento científico. O ofício de escrever tais artigos envolve buscar alcançar o equilíbrio entre o rigor necessário para selecionar e avaliar criticamente estudos originais, e a arte de contar uma história ao fornecer contexto, explorar o conhecido e o desconhecido, e sinalizar o caminho à frente.

Acesse os artigos do Cadernos de Saúde Pública de abril de 2021.


Fonte: Cadernos de Saúde Pública

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