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Ciência & Saúde Coletiva: primeira edição de 2021 da revista enfoca idosos dependentes de cuidadores

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Publicado em:29/01/2021
A novidade demográfica mais importante no mundo neste momento é o aumento expressivo da longevidade. Para debater o tema, a primeira edição da revista Ciência & Saúde Coletiva de 2021 dedica-se a uma das categorias mais esquecidas de brasileiros: as pessoas idosas que perderam sua autonomia e precisam de cuidados de terceiros. Os artigos se debruçam sobre a díade idoso/cuidadora, porque mais de 90% dos que assistem aos que estão nessa etapa da vida, no Brasil e no mundo, são mulheres. 

O editorial da revista aponta que, no Brasil, a contagem da população de dezembro em 2019 mostra que já há no país mais de 24.100 milhões de pessoas acima de 60 anos. E o aumento inédito dos que estão acima de 80 anos se tornou um fato irreversível, sendo esse o grupo mais vulnerável socialmente e do ponto de vista da saúde.

Segundo a pesquisadora emérita da ENSP/Fiocruz, Maria Cecília de Souza Minayo, responsável pelo editorial do periódico, ainda que a maioria dos idosos brasileiros seja saudável, um percentual não desprezível chega à velhice necessitando da ajuda de terceiros, seja por razões sociais ou por flagrantes deficiências físicas, osteomusculares ou por adoecimento mental. É com foco nesse grupo, reconhecido como “frágil” ou “dependente”, que se apresentam os resultados de uma pesquisa qualitativa realizada em oito capitais do país que ouviu 175 pessoas, sendo 64 idosos, 27 cuidadores formais e 84 cuidadores familiares. O estudo abordou análise da situação, representações, percepções, desejos e propostas dos mais diferentes atores. O foco foi sempre nas experiências e vivências dos cuidadores formais e informais e da pessoa idosa quando essa tinha condições de se expressar. 

No artigo Cuidar de quem cuida de idosos dependentes: por uma política necessária e urgente, de Maria Cecília de Souza Minayo, apresenta-se e discute-se a situação das cuidadoras e dos cuidadores familiares de idosos dependentes. Ressaltam-se sua dedicação, seus problemas e os encaminhamentos para valorizá-los. Sabe-se que a tarefa de cuidar é eminentemente feminina, invisível, não remunerada, que afeta a sociedade como um todo. Descrevem-se as políticas vigentes em alguns países europeus, no Canadá e nos Estados Unidos a favor das cuidadoras e cuidadores. A maioria dos modelos de suporte existentes apresenta lacunas. Leis e regulações criadas têm sido pouco compreensivas, inorgânicas e a família continua a ser a responsável pelos parentes longevos que perderam autonomia. Em vários desses países, além de outras medidas, a tendência é integrar os cuidados familiares como primeiro patamar da atenção básica em saúde, universalizando o apoio aos cuidadores. Não se pode esquecer que a tendência de manter o idoso dependente em casa é uma aquiescência a seu próprio desejo, embora também oculte a delegação de responsabilidade do Estado às famílias por meio das políticas de deshospitalização e desinstitucionalização. No Brasil, o tema ainda não entrou no radar das políticas públicas, embora seja urgente pelo acelerado aumento da população idosa, em particular, que tem 80 anos e mais.

Vivências subjetivas de familiares que cuidam de idosos dependentes é o artigo de Denise Machado Duran Gutierrez, Girliani Silva de Sousa, Ana Elisa Bastos Figueiredo, Maria de Nazaré de Souza Ribeiro, Cleisiane Xavier Diniz, e Guiomar Alegria Souza Silva Nobre, que tem como objetivo compreender os sentidos subjetivos atribuídos pelos cuidadores familiares de idosos dependentes do cuidado ofertado no domicílio, por meio de uma investigação qualitativa multicêntrica que reúne entrevistas em profundidade com 84 cuidadores familiares em oito localidades no Brasil. Utilizou-se o referencial teórico metodológico hermenêutico-dialético. Na leitura das entrevistas emergiram as seguintes categorias que serviram de base para as análises: 1. Movimentos de inibição de emoções e sentimentos; 2. Presença de processos de simbiose e de dependência emocional na relação entre idoso e familiar; 3. Contentamento em cuidar do idoso dependente; e 4. Renúncia a projetos de vida atuais e futuros. Os resultados apontam vivências marcadas por processos de simbiose, dependência emocional e estresse psíquico. A dependência gera sofrimento e sentimentos de desespero, impotência, impaciência, mas também de solidariedade e empatia. A renúncia ao trabalho profissional, a desvalorização social da atividade de cuidador familiar, o isolamento social, o cuidado “descuidado” de si e os conflitos familiares influenciam a subjetividade dos cuidadores. A formulação de políticas públicas precisa considerar as vivências socioafetivas dos cuidadores familiares de idosos dependentes, para nelas incluir o cuidado de quem cuida.

No artigo Envelhecimento com dependência: o que mostra o cinema, Stela Nazareth Meneghel e Maria Cecília de Souza Minayo pensaram a arte, particularmente o cinema, como recurso complementar para a discussão de temas de saúde. O texto faz parte da reflexão produzida no âmbito de uma pesquisa multicêntrica sobre idosos com dependência realizada em oito cidades brasileiras. Analisam-se dois filmes que abordam as contingências de uma velhice com dependência e a relação entre pessoas que cuidam e que são cuidadas. “Poesia” mostra os impasses de uma idosa sobrecarregada econômica e emocionalmente que começa a apresentar sintomas da doença de Alzheimer. O segundo filme “O que terá acontecido com Baby Jane?” expõe a delicada e complexa relação entre a díade cuidador e pessoa cuidada. O artigo se propõe a ampliar a compreensão de processos sociais como o envelhecimento por meio do cinema, estimulando o uso de filmes em cenários de educação permanente envolvendo pesquisadores, estudantes e trabalhadores de saúde.

Doenças crônicas não transmissíveis e suas implicações na vida de idosos dependentes é o artigo de Ana Elisa Bastos Figueiredo, Roger Flores Ceccon e José Henrique Cunha Figueiredo, cujo objetivo foi investigar as implicações das doenças crônicas não transmissíveis em idosos dependentes. Trata-se de um estudo multicêntrico com abordagem qualitativa em que foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 59 idosos dependentes que tinham diagnóstico de doença crônica. Para a análise das informações, utilizou-se a técnica da Análise Temática. A maioria dos idosos era do sexo feminino, da raça branca, com baixa escolaridade e vivia com a filha. Todos faziam tratamento medicamentoso e as doenças cardiocirculatórias foram as mais prevalentes. As implicações das doenças crônicas se manifestam no uso de medicamentos, que também se constituem como fator de risco; na condição da dependência e na vivência com doenças crônicas, que denotam em maior uso dos serviços de saúde; no alto impacto econômico das doenças crônicas para as famílias e para o Estado; e na precariedade da renda familiar, que condicionam os idosos a contarem com poucos dispositivos de apoio social e comunitário.

O artigo Estratégia de saúde da família e idoso com demência: o cuidado pelos profissionais de saúde, de Hellen Guedes do Nascimento e Ana Elisa Bastos Figueiredo, advém de um estudo qualitativo descritivo-analítico desenvolvido em um setor de atenção primária à saúde organizada pela Estratégia de Saúde da Família (ESF). Realizadas entrevistas semiestruturadas com cinco profissionais de saúde: dois médicos, uma enfermeira e dois agentes comunitários de saúde (ACS). Tópicos norteadores da entrevista: dados sobre o entrevistado; atendimento ao idoso; atenção aos familiares; percepção acerca de vivência de situações-limite no acompanhamento do idoso; e dificuldades encontradas na ESF para a assistência do idoso. Representações acerca dos profissionais da ESF estão diretamente relacionadas ao cargo exercido. Os ACS são descritos como o termômetro e os olhos da unidade. Os médicos se percebem com uma demanda grande e como detentores do saber biomédico e prescritores de medicação. A enfermagem como o profissional mediador entre ACS e médico. As demandas espontâneas dos idosos e familiares continuam sustentadas no tripé: médico, equipamentos e medicamentos. As dificuldades do familiar em compreender a demência, a percepção do cuidado como um peso e as limitações socioeconômicas foram aspectos descritos como intensificadores do processo demencial. A criação de vínculo entre os profissionais, familiares e idosos foi percebida como um dispositivo emocional de cuidado em saúde fundamental para o acompanhamento dos casos de demência.

Políticas de apoio aos idosos em situação de dependência: Europa e Brasil é o artigo de Maria Cecília de Souza Minayo, Jurilza Maria Barros Mendonça, Girliani Silva de Sousa, Telma Freitas da Silva Pereira, e Raimunda Matilde do Nascimento Mangas, onde discutem-se políticas sobre cuidados de longa duração para pessoas idosas dependentes. O objetivo é analisar o conteúdo e as estratégias que guiaram a formulação das chamadas “políticas de dependência” em alguns estados europeus, buscando orientações para a realização de ações relativas à mesma questão no caso brasileiro. As bases de conhecimento são documentos oficiais e artigos científicos que descrevem e analisam a institucionalização das propostas. O estudo mostra que os países europeus aqui analisados incluíram as políticas sobre a dependência nos marcos de seu sistema de seguridade social; alguns oferecem proteção total, outros, apenas parcial ao idoso e ao cuidador familiar. Em nenhum deles, a pessoa idosa dependente deixa de receber os cuidados de que precisa. No Brasil, há algumas experiências locais que atendem aos requisitos de atenção integral. São narradas uma de Belo Horizonte e outra de São Paulo. Embora sejam importantes, tais iniciativas não constituem uma política, são casos exitosos que podem evoluir para o aumento da consciência social ou se esvaírem como experiências não institucionalizadas. A questão tratada neste artigo é de grande relevância, pelo fato inexorável do crescimento acelerado da população longeva, a que mais depende do cuidado de terceiros.

Para ler todos os artigos da revista Ciência & Saúde Coletiva, publicada pela Abrasco, clique aqui.
 


Fonte: Revista Ciência & Saúde Coletiva
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