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'A saúde coletiva não é uma invenção da ciência'

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Publicado em:18/03/2013

'A saúde coletiva não é uma invenção da ciência'“Há uma inseparabilidade entre a produção do conhecimento e a ação. Na vida real, os modos de produzir as redes de vida geram compromisso ético-político com alguns tipos de saberes, a exemplo do que ocorreu nos anos de 1970, quando tivemos a experiência coletiva de participar de movimentos que se desdobraram na reforma sanitária. A saúde coletiva não é uma invenção da ciência.” A opinião é do professor da Universidade Federal do RJ Emerson Merhy. Ele ministrou a aula inaugural da segunda turma do curso de Mestrado Profissional em Atenção Primária em Saúde da ENSP, com ênfase na Estratégia de Saúde da Família (ESF), no dia 15 de março.

Segundo Merhy, sua geração não se importava de onde vinha o conhecimento, epistemologicamente falando. No entanto, hoje existe uma divisão demarcada de escolas acadêmicas. “O que queríamos, naquela época, era mostrar que a ditadura política fazia mal para a vida do Brasil; portanto, qualquer saber que municiava por esse caminho valeria como referência. Essa questão muda o lugar do saber porque permite aproveitar as diferenças, produz enriquecimento e não fracionamento de conhecimento”, acrescentou.

Merhy elogiou a modalidade de mestrado profissional. Para ele, esse tipo de mestrado é dirigido aos profissionais que vivem o cotidiano do trabalho, o que permite a construção de cenários do campo da saúde e do mundo do trabalho. Nesse caso, disse ele, a quantidade de conhecimento é mais intensa que o forjamento do conhecimento em espaços acadêmicos de saber. “É no campo das experiências de produção do viver que o conhecimento é pedido para ser produzido. Os usuários sabem mais que os profissionais de saúde. O cotidiano do mundo do trabalho é uma escola, leva à produção de conhecimento para dar conta da prática cotidiana do trabalho. O que atualiza é o ato e não a formação de princípios”, completou.

Outro conceito trazido por Merhy foi que “o mundo do trabalho é um lugar de convivência intensa molar e molecular, é atravessado por um jogo de molaridade (território das redes instituídas, como na língua portuguesa, em que há vivacidade permanente da linguagem, ou nas relações de parentesco) e molecularidade (estilo de produção da existencialidade, opera no coletivo, aciona em ato produzido pelas multidões)”. Assim, disse ele, é na molaridade que habitamos, que nos transformamos em iguais. No entanto, não somos iguais nem a nós mesmos dependendo do nosso locus. “O mundo do trabalho é mais do que a gente pensava, pois o trabalho é uma micropolítica. Ele habita na molaridade, mas vaza e também atua na molecularidade.”

'Educação permanente não é uma política'

Merhy também comentou que o segundo reconhecimento importante é o autogoverno. “Quando o trabalhador está implicado com isso, abre-se uma janela perceptiva como no ato vivo do trabalho e é realizado o autogoverno”. Segundo ele, hoje se fala muito em educação permanente, mas ela não é uma política. Ela inscreve-se no mundo do trabalho, em que é permanente a operação sistemática do conhecimento sobre o outro. “No caso da área da saúde, essa questão nos implica o tempo todo.” Para o professor, o conhecimento só vai adquirir sentido no lugar do mundo do trabalho. “Se o mestrado profissional se colocar nesse cenário, será um ganho incrível para que não fique no lugar da academia, e sim na vida real. Vocês já são produtores de conhecimento”, falou para a plateia de alunos do mestrado profissional, que lotou o auditório internacional da ENSP.

'A saúde coletiva não é uma invenção da ciência'

Durante o debate, foi levantada a questão sobre a atual situação do Sistema Único de Saúde (SUS). Merhy disse que o SUS é a molecularidade. Ele acredita que, para o sistema dar certo, não adianta ter lei. É preciso que ocorra na vida das pessoas para sua potência se realizar. Esses planos de saúde com baixas mensalidades atraem milhões de pessoas, que irão adquiri-los porque não conseguem ver potência em outros lugares. 


Ele apontou outro fenômeno atual: o da conformação do estado brasileiro. “Vivemos numa realidade mais complicada que a prevista por Michel Foucault (filósofo francês que escreveu, entre outras questões, sobre a relação entre poder e governamentalidade e as práticas de subjetivação). Há mais de 20 anos, o autor escreveu que a conformação do estado iria passar pela sua diminuição. Na realidade, porém, iríamos viver o estado pleno.” De acordo com ele, hoje passamos pela judicialização da vida social, que mudou o lugar da política. “Quando estávamos insatisfeitos, queríamos conquistar direitos, fazíamos movimentos sociais. Hoje, existe uma nova governamentalidade, que destrói o conceito de direito, que nos balizou para a construção do SUS”, criticou.


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