Com dados, estudo de caso e análises, Ceensp aborda limites e potencialidades dos consórcios públicos de saúde
Por Barbara Souza
Quais são os limites e as potencialidades dos consórcios públicos de saúde? Nesta quarta-feira (19/6), o Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconcellos (Ceensp), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), promoveu um debate sobre a questão. Os palestrantes apresentaram estudo de caso, dados recentes e análises, o que propiciou uma discussão sobre os consórcios como instrumento de apoio à regionalização do SUS. Foram abordadas ainda características organizacionais dos consórcios, seus escopos de atuação, distribuição regional, atividades principais, mudanças observadas após a promulgação da Lei dos Consórcios, em 2005, e outros aspectos relevantes ao tema. Esta edição do Ceensp foi coordenada pela Vice-Diretora de Pesquisa e Inovação (VDPI/ENSP), Luciana Dias de Lima.
+ Assista ao Ceensp na íntegra no canal da ENSP no Youtube
Primeiro palestrante, o professor José Ângelo Machado, do Departamento de Ciência Política da UFMG, apresentou resultados preliminares de uma pesquisa em curso. Pautadas na abordagem da Ação Coletiva Institucional, que lida com mecanismos de integração regional, as investigações identificaram relações entre a quantidade e heterogeneidade de entes participantes de um consórcio com “o aumento dos custos de transação para definição de escopo mais amplo” de serviços. O pesquisador explicou que número e a heterogeneidade entre associados parecem restringir o escopo, “evitando serviços de Urgência e Emergência”. José Ângelo fez um adendo ao afirmar que, no caso do SAMU, a tendência se inverte. Já na oferta de serviços eletivos, programáveis, as mesmas variáveis não afetam. Outro resultado destacado pelo professor da UFMG foi a pouca influência do caráter multifinalitário e da presença do estado no escopo para oferta de serviços de Urgência e Emergência. Por fim, ele ressaltou que a combinação entre o financiamento federal e a indução estadual parecem afetar a tendência de distribuição do SAMU entre os consórcios pesquisados.
Trecho da apresentação de José Ângelo Machado
Após concluir a apresentação dos dados preliminares de sua pesquisa, José Ângelo convidou os participantes e o público do Ceensp à reflexão. Ele questionou se o formato de mecanismo associativo voluntário, como o consórcio, seria suficiente para oferecer uma cobertura integral da atenção à saúde. “Seria possível ampliar o escopo na direção da integralidade? Quais seriam os mecanismos para fazer isso? A presença ou participação dos estados pode alterar esse quadro? Por enquanto, os dados preliminares não nos parecem apontar nessa direção, salvo com o caso do SAMU. Se os direitos e garantias nacionais de acesso à saúde são inegociáveis, até que ponto associações voluntárias seriam a melhor opção, mesmo que elas tragam ganhos superiores à atuação isolada dos seus associados?”, questionou o professor.
Em seguida, a professora e pesquisadora Patty Fidelis de Almeida, do Instituto de Saúde Coletiva da UFF e do Instituto Multidisciplinar em Saúde (UFBA), no campus de Vitória da Conquista, falou sobre avanços e desafios para a regionalização do SUS com base em estudos de caso. Ao abordar o tema da construção de Redes de Atenção à Saúde em perspectiva regional, Patty iniciou com um breve contexto destacando um “mosaico de problemas” e, em seguida, apresentou o estudo sob a Policlínica Regional de Vitória da Conquista/Itapetinga (BA). Em 2021, quando a pesquisa foi desenvolvida, o serviço abrangia 31 municípios, sendo 21 rurais adjacentes, de três regiões de saúde com uma população total de 800 mil habitantes. Inspirado num modelo cearense e com base num consenso sobre os vazios assistenciais na Bahia, o consórcio tem a participação do estado, que arca com 40% do custeio, enquanto os municípios, com 60%.
Trecho da apresentação de Patty Fidelis de Almeida
A professora destacou alguns desafios da oferta de Atenção Especializada, como diferenças entre os municípios e disputas políticas. Na apresentação, Patty enfatizou a questão do transporte sanitário. “Esse é um ponto tão importante quanto a garantia da Atenção Especializada. Não é uma questão menor pensar em como as pessoas chegam aos serviços especializados”, sublinhou Patty. A pesquisadora disse que esse cenário reforça a necessidade de arranjos regionais. “Acoplar o transporte à oferta de Atenção Especializada mitiga interferência política. O transporte sanitário, o ticket do ônibus, a decisão de quem vai no carro, o pagamento, o fretamento de veículos... Tudo isso é usado como moeda de troca, algo sujeito a clientelismo e a descontinuidade, porque também depende de recurso municipal”, detalhou sobre o ponto que classificou como “crucial no desenho dos recursos assistenciais de garantia de acesso”.
Já a pesquisadora e participante do Programa Inova Fiocruz Pós-Doutorado Júnior (PDJ) Silvia Karla Azevedo Vieira Andrade, da ENSP, apresentou os resultados da primeira fase da Pesquisa Nacional de Consórcios Públicos de Saúde, publicados numa série de quatro relatórios executivos. O primeiro trata da localização e de características gerais dos Consórcios Públicos Intermunicipais de Saúde (CPIS); o segundo apresenta a organização e funcionamento dos CPIS; o terceiro enfoca a configuração dos CPIS após a Lei dos Consórcios; e o quarto apresenta aspectos de estrutura e produção de serviços dos consórcios.
“A regionalização demanda reordenamento de papéis e conjunção de todos os esforços, superação das diferenças e dialogia em torno de projetos e não de interesses particulares. Além disso, os consórcios apresentam limitações significativas a serem superadas pelos gestores do SUS e, sobretudo, oferecem diversas oportunidades para o avanço da cooperação federativa e para a regionalização”, disse Silvia Karla ao apresentar algumas considerações com base nos dados dos relatórios da pesquisa. “O conjunto de mudanças realizadas após sua regulamentação e a diversidade de programas e atividades que são realizadas indicam que os CPIS podem ser tomados como instrumentos significativos para viabilizar avanços na política de saúde, no contexto regional”, complementou. A pós-doutoranda apontou também a não inserção nos espaços de tomada de decisões do SUS e pouca participação para contribuição no Planejamento Regional Integrado como outro desafio atual para a regionalização. Abaixo, outras considerações:
Trecho da apresentação de Silvia Karla Azevedo Vieira Andrade
As apresentações foram seguidas de um debate, com perguntas e respostas que enriqueceram o Ceensp. Confira na íntegra no canal da ENSP no Youtube:
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