Paulo Buss: “A saída dos EUA da OMS não é benéfica para o sistema multilateral, nem para a própria população do país”
Por Danielle Monteiro com a colaboração de Isabelle Ferreira
A saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), anunciada em 20 de janeiro pelo presidente Donald J. Trump, tem gerado uma série de debates sobre o impacto dessa medida na saúde mundial.
Segundo Menezes, a cada dia, é mais evidente que os desafios da relação saúde-ambiente precisam ser vencidos em escala planetária, não havendo outra maneira de se lidar com a emergência climática e hídrica. “O governo brasileiro reforça ações nesse sentido e fortalece a cooperação entre países do Sul Global. Este ano vivemos um momento importante, com o Brasil assumindo a presidência do Brics (grupo econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) sob o lema ‘Fortalecendo a Cooperação do Sul Global por uma Governança mais Inclusiva e Sustentável’. Outro fato importante é a realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30) no país”, destaca o diretor.
Ex-ministro da Saúde e pesquisador da Fiocruz, José Gomes Temporão acredita que a saída dos EUA da OMS vai trazer impactos negativos em vários países e políticas das quais o Brasil, direta ou indiretamente, participa: “Além disso, há a ruptura do princípio da integração e cooperação entre países em relação ao enfrentamento de futuras ameaças à saúde global, ao intercâmbio de conhecimentos e trabalho integrado e articulado no apoio aos países mais vulnerabilizados”.
Em entrevista ao Informe ENSP, o Professor Emérito da Fiocruz, membro titular da Academia Nacional de Medicina e diretor do Centro Colaborador da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) sobre Diplomacia da Saúde Global e Cooperação Sul-Sul na Fiocruz, Paulo Buss, fala sobre o impacto da saída dos EUA da OMS na Fiocruz e na saúde mundial.
Confira, abaixo:
Qual o impacto dessa nova medida do governo Trump para a Fiocruz e como a instituição planeja lidar com ele?
Paulo Buss: É um impacto já interpretado e analisado pelos membros do CD (Conselho Deliberativo). Já houve questionamentos quanto à continuidade de alguns dos projetos da Fiocruz, que são financiados, sobretudo, pelo NIH (National Institutes of Health – Institutos Nacionais de Saúde) ou por universidades que recebem recursos do NIH, sobretudo, aqueles que se referem à questão da saúde sexual reprodutiva e outros que se referem a questões de determinantes sociais e políticas sociais. Ou seja, nós estamos recebendo e respondendo questionamentos aos coordenadores dos projetos. Mas, estamos, ainda, compreendendo o processo e como ele vai se desdobrar ao longo dos próximos meses. E tem alguns projetos que têm recebido questionamentos sobre como justificar, entre aspas, que “o seu projeto pode tornar os Estados Unidos mais fortes, seguros e prósperos”. É impressionante, mas é assim que está acontecendo.
O SUS será impactado pela saída dos EUA da OMS? Se sim, como? E como o Brasil deve se preparar para isso?
Paulo Buss: O SUS, possivelmente, não será impactado. Mas, a saída dos Estados Unidos - criador da ONU e criador, juntamente com outros países, inclusive, o Brasil, da OMS - não é algo bom nem para o sistema multilateral, nem para a própria população do país e a população mundial. É extremamente negativa. E o Brasil precisa dar sustentação à OMS. Já deu, aliás, durante a reunião que aconteceu no final da primeira semana de fevereiro: a reunião do Comitê Executivo, do qual o Brasil ainda era membro nessa sessão. O Brasil fez declarações do reconhecimento da importância da OMS como autoridade sanitária mundial e como centro do multilateralismo no campo da saúde.
Como a medida do governo norte-americano pode impactar o enfrentamento a doenças infecciosas, assim como a resposta a emergências de saúde e as vulnerabilidades sanitárias? E que impacto ela pode provocar nos países e populações em situações mais vulneráveis?
Paulo Buss: É óbvio que essa medida impacta tudo isso e muito mais. Em relação às doenças infecciosas e respostas a emergências de saúde, estando os Estados Unidos fora do sistema que reporta doenças do mundo inteiro, o fato de ele mesmo ter que reportar retira dele a capacidade não somente de se organizar para enfrentar qualquer ameaça desse tipo, para os próprios Estados Unidos, mas também a capacidade, sobretudo, do CDC (Centers for Disease Control and Prevention - Centros de Controle e Prevenção de Doenças) no enfrentamento de doenças.
Reconhecidamente, o CDC é uma organização feita para isso, estruturada para isso, e que tem um papel mundial muito grande. Assim que se detecta um possível processo epidêmico, o CDC, imediatamente, é convocado pela OMS. Isso deixa de ser possível, não porque a OMS não queira - a OMS fez um apelo aos Estados Unidos que revisasse essa saída -, mas porque o Trump interrompeu as relações do NIH e do CDC com todas as estruturas que compõem o Ministério da Saúde dos Estados Unidos. Inclusive, ele chamou de volta todos os funcionários norte-americanos cedidos para a OMS. Então, é claro que a saída do país desse processo de organização de respostas a emergências vai trazer prejuízos, inclusive para a própria população dos Estados Unidos. Mas, isso tem que ser confirmado em um ano, não é uma saída imediata. Os Estados Unidos já estiveram, inclusive, nessa reunião (da OMS), participaram pouquíssimo, porque, por força do tratado internacional, o afastamento só se concretiza um ano depois.
Os EUA também estão ameaçando fazer uma revisão de quanto todas as organizações das Nações Unidas ajudam os Estados Unidos a ficar mais forte, seguro e próspero. Essa é a pergunta crítica que o país está fazendo e mandou revisar.
Ao se retirar do Acordo de Paris (que visa reduzir as emissões de gases do efeito estufa e limitar o aquecimento global), por exemplo, o país prejudica, sensivelmente, a saúde humana, ainda mais se a temperatura continuar na rota de ultrapassar 1,5% de aumento da média mundial desde a Revolução Industrial, o que já está acontecendo esse ano. O descompromisso dos Estados Unidos com a emissão de gases de efeito estufa, sendo ele o maior emissor do mundo, vai ser desastroso para a saúde humana, somado aos impactos provocados pela quantidade de desastres que vêm ocorrendo: furacões, inundações, secas tremendas, aumento de territórios com presença de novos mosquitos etc.
Como a medida do governo norte-americano afeta a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30) e os BRICS?
Paulo Buss: Evidentemente, também vai afetar a COP 30, que vai acontecer no final do ano. Os Estados Unidos anunciaram que não irão à Cúpula do G20.
Os EUA anunciaram a saída do Acordo de Paris e, certamente, vão continuar defendendo a utilização de combustível fóssil. O governo desorganizou a Organização encarregada pelos Estados Unidos, que faz previsões sobre oceanos, temperatura e furacões, e desarmou a USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), que é muito importante para financiar projetos de pesquisa em saúde.
Eles estão fechando, ou reduzindo substancialmente, a EPA (Environmental Protection Agency), que é a agência de proteção ambiental dos Estados Unidos, que faz controle de situações ambientais e tem inúmeras relações com instituições do exterior.
Então, a COP30 vai ser afetada. Toda a questão ambiental já está sendo afetada e, obviamente, a ausência dos Estados Unidos, que são um grande emissor (de gases de efeito estufa) e não vão querer se comprometer, é muito nociva para a COP30.
Com a medida do governo norte-americano, existe a possibilidade de a China assumir o protagonismo na OMS? Se sim, qual seria o impacto disso no sistema de saúde brasileiro?
Paulo Buss: Eu acho que não se trataria exatamente disso. O Brasil é o grande país que tem história com a OMS, foi um de seus fundadores. É o país que sempre esteve presente nas reuniões e foi propositor. Inclusive, nessa última sessão, o Brasil foi o proponente principal de um projeto de resolução sobre como trabalhar políticas públicas em favor da saúde, ou seja, como melhorar o enfrentamento das doenças socialmente determinadas. Isso é um exemplo de que o Brasil pode ter essas grandes iniciativas. Mas, provavelmente, vai ter que aumentar a sua contribuição.
O Brasil já saiu em defesa da OMS, já declarou isso, e não é para se esperar que a China ocupe esse lugar. A China será muito importante, pois tem uma economia enorme e pode colaborar, efetivamente, não somente com recursos financeiros, como também técnicos, para que a OMS não perca seu valor e importância, sobretudo, em um mundo que vai precisar dela, dada a ocorrência de uma emergência sanitária ou eventual pandemia, que já está, inclusive, no horizonte, com a ameaça do H5N1 (vírus da influenza que circula e já matou pessoas inclusive nos Estados Unidos). Então, é muito importante o trabalho da Rússia, da China e do Brasil, não há dúvida. Essa é a grande questão: nós precisamos tomar conta como país e não apenas esperar que outros o façam.
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