Pesquisadoras alertam para necessidade de maior acesso ao cuidado de saúde à Covid longa
Por Danielle Monteiro
“O acesso ao cuidado à Covid longa no SUS é necessário e essencial para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e reduzir as iniquidades de saúde”. A conclusão é das pesquisadoras do estudo ‘Cuidado de saúde à Covid longa: necessidades, barreiras e oportunidades no município do Rio de Janeiro’, conduzido pela ENSP, em parceria com a Escola de Saúde Pública de Harvard (Harvard T. H. Chan School of Public Health) e a Escola de Economia e Ciências Políticas de Londres (London School of Economics and Political Science). As especialistas participaram de um debate sobre os resultados da pesquisa, promovido pelo Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconcellos da ENSP (Ceenp), em 9 de abril.
O estudo visou construir evidência para fortalecer o cuidado à síndrome pós-Covid no SUS. Para tal, avaliou a prevalência de sintomas pós-Covid, assim como as necessidades e uso de serviços de saúde. Buscou também identificar os fluxos de cuidado, barreiras e oportunidades para o cuidado à Covid longa, além de compreender os impactos na saúde, sociais e financeiros de se viver com a síndrome. Os dados foram coletados entre novembro de 2022 e abril de 2024.
Ao abrir o encontro, a pesquisadora da ENSP e coordenadora do projeto no Brasil, Margareth Portela, agradeceu todos os participantes envolvidos na realização da pesquisa por todo o seu empenho e destacou que os ativistas da Covid longa conquistaram, recentemente, uma vitória muito importante nos Estados Unidos, ao reverter os cortes sofridos em pesquisas voltadas à doença, dando esperança para que outras áreas consigam fazer o mesmo. “Isso sinaliza a importância desse tema e a necessidade de se esclarecer os efeitos da Síndrome Pós-Covid”, afirmou.
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Em seguida, a integrante da Colaborativa de Pesquisa Liderada por Pacientes (Patient-Led Research Collaborative) e pesquisadora-paciente no estudo, Leticia Soares, discorreu sobre o conceito de Covid longa, as motivações para a realização do estudo e sua abordagem metodológica. Ela explicou que a Covid longa se enquadra em um grupo de Doenças Crônicas Associadas à Infecção, que apresentam sintomas como fadiga, dor crônica e distúrbios do sono, as quais são marcadas por significativo estigma social e dentro da própria medicina, além de afetar, majoritariamente, o sexo feminino. “Em 2023, pelo menos 400 milhões de pessoas em todo o mundo viviam com Covid longa. No mesmo ano, no Brasil, 23% dos casos de pessoas que tiveram Covid-19 desenvolveram essa condição. Isso traduz um impacto social enorme, já que a Covid longa afeta profundamente a qualidade de vida e provoca limitações funcionais gravíssimas, comparáveis com a Doença de Parkinson, por exemplo”, frisou. Outros impactos da Covid longa, segundo Liana, são as perdas econômicas provocadas por questões como a redução de horas trabalhadas, assim como os efeitos desproporcionais em comunidades vulnerabilizadas por injustiças estruturais. “As pessoas mais afetadas pela Covid-19 são as que menos têm condições de suportar os impactos de uma condição crônica debilitante como a Covid longa”, lamentou.
Posteriormente, foi exibido o vídeo desenvolvido pela equipe da pesquisa, que narra as experiências de pessoas que convivem com a Covid longa.
Em sua apresentação, a pesquisadora do estudo, Emma-Louise Aveling, da Universidade de Harvard, destacou que o acesso ao cuidado à Covid longa pelo SUS é essencial para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e mitigar as iniquidades de saúde e econômicas. “Existem lacunas na tradução dos avanços científicos em cuidados consistentes e de alta qualidade. A maior parte da literatura é focada em países do Norte e são escassas as pesquisas sobre cuidado de saúde à Covid longa no Brasil”, observou. Ela também discorreu sobre os objetivos do estudo, destacou a importância da colaboração interdisciplinar para a sua realização e falou sobre os procedimentos de coleta de dados e de pesquisa.
Em seguida, a pesquisadora da ENSP e coordenadora do estudo no Brasil, Margareth Portela, falou sobre o primeiro dos três objetivos da pesquisa, que foi avaliar a prevalência de sintomas pós-Covid, as necessidades e o uso de serviços de saúde. Para tal, foi realizado um inquérito com 651 adultos previamente hospitalizados por Covid-19 no SUS. Os achados revelaram elevado índice de Covid longa autorreferida na cidade do Rio de Janeiro, com a presença de pelo menos um sintoma da condição persistente na população sobrevivente.
Apenas 8% das pessoas obtiveram diagnóstico de Síndrome Pós-Covid. Em contrapartida, 39% disseram que se percebem com Covid longa. Os principais sintomas encontrados foram fadiga, exacerbação dos sintomas após esforço e dor nas articulações. Foi relatada, ainda, a piora dos sintomas no período menstrual, sendo que as mulheres tiveram mais chances de ter pelo menos um sintoma.
Os resultados revelaram também alta prevalência de necessidade de serviços de saúde: aproximadamente 50% dos participantes relataram precisar de serviços de saúde para condições que apareceram ou pioraram após a Covid-19 nos seis meses anteriores à entrevista. Também foram encontradas dificuldades no acesso ao cuidado: quase metade das pessoas que relataram precisar de uma clínica pós-Covid ou de um serviço de reabilitação não teve acesso a eles (47,7%).
Pesquisadora do estudo e pós-doutoranda da ENSP, Bárbara Caldas discorreu sobre o aprendizado adquirido nas entrevistas qualitativas com 29 profissionais do Sistema Único de Saúde e com 31 profissionais do SUS vivendo com Covid longa. Foram encontradas dificuldades em priorizar a Covid longa, ambiguidade no diagnóstico e nos fluxos de cuidado, inovação positiva nas clínicas pós-Covid e desafios no sistema de referenciamento.
Como oportunidades para melhorar a resposta do SUS à Covid longa, ela citou o treinamento da força de trabalho, o apoio à mobilização de pacientes, a consideração dos pontos fortes do SUS, o aprimoramento da coleta de dados, o estabelecimento de cooperações globais e o impulsionamento das clínicas multidisciplinares.