Marly Cruz: “A realidade do cotidiano do SUS é muito dura e, sem sombra de dúvida, o principal desafio é o racismo estrutural”
Por Danielle Monteiro
Qual a importância da avaliação da implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra para a garantia de acesso e equidade em saúde a essa população no país? Em entrevista ao Informe ENSP, a pesquisadora da ENSP, Marly Cruz, responde essa pergunta. Ela coordena o projeto Avaliação de implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra para a garantia do acesso e equidade no estado do Rio de Janeiro, selecionado pelo Edital de Pesquisa 2021, lançado pela ENSP, por meio da Vice-direção de Pesquisa e Inovação. Nessa conversa, Marly também fala sobre os objetivos do estudo, os resultados esperados e os principais desafios para a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no Brasil.
Confira, abaixo:
Quais são os principais objetivos do projeto ‘Avaliação de implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra para a garantia do acesso e equidade no estado do Rio de Janeiro’?
Marly: Destacaria dois objetivos: caracterizar o contexto político-organizacional e o contexto externo do estado do Rio de Janeiro e dos municípios de São Gonçalo e Rio de Janeiro, por meio da análise de situação de saúde da população negra, bem como analisar, em profundidade, os aspectos facilitadores e obstáculos para a implementação da PNSIPN no estado e nos municípios caso. O destaque a esses dois objetivos tem a ver com a necessidade de melhor compreensão do contexto onde a Política se insere, o que, de fato, tem possibilitado e o que tem inviabilizado a sua implementação. Pelo que tem sido publicizado, alguns indicadores de saúde têm mostrado, claramente, como a saúde de mulheres e homens negros vem sendo afetada e desfechos tão desfavoráveis expressam as barreias de acesso e as iniquidades no cotidiano do SUS.
Como o projeto está sendo desenvolvido?
Marly: O projeto, no seu primeiro ano, por se tratar de uma avaliação participativa, cumpriu, como objetivo primordial, a constituição do comitê gestor que tem acompanhado, sugerido, provocado ações compatíveis às necessidades da população negra em uma perspectiva decolonial. Diante da pergunta de uma representante do movimento social no comitê sobre o que queríamos deles, se já sabíamos que estávamos diante de uma Política com baixa implementação, buscamos investir mais no caráter formativo da pesquisa avaliativa para além do trabalho empírico em si, que se dará no próximo ano. Daí ter desenvolvido, de forma conjunta com o comitê, o painel de indicadores para o monitoramento da Política no estado do RJ; a adaptação de uma formação em monitoramento e avaliação da Política para gestores, profissionais de saúde e movimentos sociais; a formulação de material de divulgação da Política; e uma roda de conversa para tematizar e problematizar mais o acesso e equidade da saúde da população negra e a de modelizar a operacionalização da Política nos municípios caso.
Quais são as primeiras impressões e os principais resultados esperados?
Marly: Nesta primeira etapa, as impressões são as melhores porque avançamos, contando muito com as contribuições do comitê gestor em diferentes frentes. Alguns resultados a serem destacados dizem respeito ao apoio ao comitê técnico da Política no município do Rio de Janeiro, na elaboração do painel de indicadores para monitoramento da PNSIPN, considerando os eixos do acesso e da equidade, na elaboração da formação em monitoramento e avaliação da Política e na preparação de todo material para o início do trabalho de campo. Algo que chama a atenção é a convocação do movimento social para que a pesquisa seja um espaço de advocacy, pois se reconhece a capacidade desta de interferir junto às instâncias de decisão.
Quais são as contribuições do projeto para a sociedade e a popularização da ciência?
Marly: Uma das contribuições do projeto para a sociedade é poder aprofundar mais o conhecimento sobre o que vem facilitando o acesso da população negra à saúde na promoção da equidade e o que vem dificultando esse acesso. Assim podemos compartilhar mais as experiências bem-sucedidas, principalmente com os representantes dos movimentos sociais, e explicitar mais sobre as barreiras identificadas nos dois municípios e sugerir estratégias de enfrentamento das mesmas para os diferentes atores sociais. Para trazer os novos conhecimentos e experiências, criamos um plano de disseminação dos achados com estratégias inovadoras bem voltadas aos interessados. Importante também sinalizar que a Assessoria para Equidade Racial do Ministério da Saúde, ao tomar conhecimento dos produtos, solicitou apoio de nosso grupo de pesquisa, visando algumas de nossas ações para abrangência nacional, e isso pode se dar a partir de 2024.
Conforme apontado em estudo recentemente divulgado pelo Ministério da Saúde, a população negra apresenta os piores índices gerais de saúde no Brasil. Qual a importância da avaliação da implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra para a garantia de acesso e equidade em saúde a essa população no país? E quais são os principais desafios para a implementação dessa política no país?
Marly: A avaliação de uma Política como esta é de fundamental importância no sentido de ajudar a compreender e explicar como esta vem sendo implementada, considerando diferentes contextos, atores e como precisa ser aperfeiçoada pela distância entre o feito e o efeito. Temos dito o quanto a avaliação pode contribuir na redução das iniquidades sociais, trazendo os saberes, as inadequações, apontando caminhos de como ajustar, melhorar e resolver. A realidade do cotidiano do SUS é muito dura e, sem sombra de dúvida, o principal desafio é o racismo estrutural que atravessa tanto a gestão quanto os serviços de saúde, onde o racismo se faz presente produzindo desigualdades, estigma, violência, opressão e segregação do povo preto ao direito fundamental à saúde.
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