Saúde da Família: modelo avança, mas ainda é permeado de contradições

O debate, realizado no dia 4 de maio, foi coordenado pela pesquisadora da ENSP Roberta Gondim. No início de sua apresentação, o secretário de Saúde, Daniel Soranz, anunciou a mais recente edição da Revista Ciência & Saúde Coletiva (vol. 21, nº 5, maio de 2016), que traz análises da trajetória da organização sanitária na cidade do Rio de Janeiro e dá ênfase especial à Reforma da Atenção Primária à Saúde, que teve início no ano de 2009 com a implantação de um novo modelo de governança e de suporte administrativo das unidades municipais. Em especial, ele recomendou o artigo Trajetória histórica da organização sanitária da Cidade do Rio de Janeiro: 1916-2015. Cem anos de inovações e conquistas: “Bem rico e interessante”, disse Soranz. 

“Vivemos um tempo de debate bem menos intenso no que se refere ao modelo assistencial. Em outro momento, pensávamos em ampliar a Estratégia de Saúde da Família (ESF). Hoje, essa já é uma realidade”, comentou ele, lembrando, ainda, que “em 2008, de todo recurso gasto em saúde pela prefeitura, 82% era com a atenção hospitalar. Só 3,3% eram gastos com a cobertura de saúde da família. Tínhamos 68 equipes completas, um modelo essencialmente hospitalocêntrico e, como resultado disso, um dos maiores gastos per capita com saúde do país. Além do mais, a cidade também apresentava um dos piores indicadores de saúde, havia crescimento expressivo dos planos privados de saúde e um sistema muito fragmentado”, detalhou.
Em 2009, aconteceu a virada desse cenário, pois houve mudança de gestão e com ela a oportunidade de escolher qual caminho e modelo assistencial seguir. “Adotamos a saúde da família como modelo assistencial e fizemos isso baseados em evidências científicas. Não foi um processo simples, e a adoção desse modelo não era um consenso entre os gestores da cidade. A reforma contou com três componentes muito fortes: reforma do modelo assistencial, administrativa e do modelo organizacional e a principal influência foi a questão dos cuidados primários em Portugal. De 2009 a 2011, o Rio de Janeiro foi o município que mais cresceu em relação à Saúde da Família, com uma expansão de 59% das equipes implantadas no país. Em 2015, chegamos a 54% de cobertura, mas a nossa meta é alcançar 70%. Sabemos que é uma meta ousada, demanda financiamento muito grande, mas a prefeitura continua investindo em seu plano de expansão voltado para a Saúde da Família”, assegurou ele.
Sobre as perspectivas, o secretário ressaltou esperar que os cariocas atinjam a maior expectativa de vida do país; que a redução de leitos hospitalares ocorram espontaneamente como consequência da melhora da resolutividade do Saúde da Família; que a Ficha A – modelo de ficha para cadastramento das famílias adotada pela SMS – seja a principal fonte de informações para a formulação de políticas intersetoriais; e que haja redução expressiva nas desigualdades entre os indicadores sociais. “Esse é o maior desafio. Não basta melhorarmos na saúde, precisamos trabalhar de forma articulada e intersetorial para reduzir as desigualdades. Já caminhamos muito no que se refere à mudança do modelo assistencial, porém esse é um processo infindo. No entanto, temos clareza de que as evidências científicas mostram que se quisermos ter um sistema de saúde em que as pessoas vivam mais e melhor, ele precisa ser pautado na Estratégia de Saúde de Família”, defendeu Daniel Soranz.

A respeito do financiamento em saúde, segundo ressaltou Aluísio, em nosso país, ele “margeia o ridículo. Portanto, essa é uma discussão que deve ser enfrentada sempre. Em muitos lugares, a questão do financiamento vem se manifestando como um investimento em algum modelo em que existe certa dualidade entre a prática assistencialista, trabalhando a noção de pobres, e a ideia de uma oferta de serviços, que aquece o mercado consumidor de saúde. A concepção de fetiche do produto saúde construído como uma imagem de cidadania de consumo. Ou seja, um panorama crítico, pois as pessoas vislumbram em sua conquista de cidadania o consumo de bens em que a saúde também é um desses itens. E as políticas de atenção à saúde, principalmente a expansão da atenção básica, às vezes, se confundem com essa discussão de popularização do acesso aos bens da saúde. Então, essa perspectiva não pode ser esquecida quando discutimos o papel da atenção primária”, considerou Aluísio.
Já sobre o ponto de vista do processo de trabalho, Aluísio comentou que atualmente se trabalha a questão de romper com o modelo biomédico clássico no sentido da ampliação da clínica. “Não falo sobre o conceito de Clínica Ampliada, mas sim do aspecto genérico, que é a ideia de uma clínica que possa ter aportes de outros tipos de conhecimento e a capacidade de ver indivíduos na sua subjetividade, no seu contexto e isso refletir as intervenções. Sem ela é impossível se efetivar mudanças dentro do sistema, porque assim reproduziremos em escala industrial o modelo biomédico. Atualmente, há um certo privilégio de dotar o nível primário de um adensamento tecnológico para as internações. A ideia de um nível primário resolutivo é bastante interessante, visto que ela lida com situações crônicas, convive com a violência, entre outros. Ou seja, é uma atenção primária que enfrenta problemas muito complexo e que uma abordagem simples pode não são tão bem-sucedida”, ressaltou.
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