Sarampo: baixa cobertura vacinal e importação de casos explicam surto no CE
Filipe Leonel
Embora seja reconhecido mundialmente pela eficiência do seu Programa Nacional de Imunizações (PNI), o Brasil está atento à possibilidade de o surto de sarampo, que ocorre no Ceará e já dura 15 meses, comprovar a condição de endemicidade da doença no país. A conjuntura atual, entendida como uma extensão do surto verificado em Pernambuco nos anos de 2013 e 2014, é justificada, segundo especialistas, por duas circunstâncias: o declínio na qualidade da cobertura vacinal e a importação de casos dos EUA, Europa, África e Ásia. Mesmo que haja a possibilidade de a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) declarar o reestabelecimento da circulação do vírus no país e nas Américas, pesquisadores acreditam que a decisão não deve ser imediata. “A Opas reconhece os esforços do país e das Américas no controle do surto. Apesar de haver um critério técnico (12 meses com confirmações de casos de forma ininterrupta), também há uma decisão política”, presumiu a chefe do Laboratório de Vírus Respiratório e Sarampo do Instituto Oswaldo Fiocruz, Marilda Mendonça Siqueira.

De acordo com o Boletim Epidemiológico Semanal de Sarampo (publicado em 27/3/2015), editado pela Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, entre 25/12/2013 e 25/03/2015, foram notificados 2.352 casos suspeitos de sarampo no estado. Em 2015, até a semana epidemiológica 12, que compreendeu o período de 1/1 a 25/3/2015, foram confirmados casos no Ceará (90 casos) e em Roraima (1 caso). Ainda segundo o informativo, do total de municípios do CE, 43% (79) possuem coberturas vacinais inferiores a 95%, o que pode ser considerada “situação de alto risco para conter surto”, admite o Boletim.
Os números da publicação vão ao encontro do que pensa o epidemiologista da Escola Nacional de Saúde Pública Eduardo Maranhão. Na opinião do pesquisador, o episódio que vem ocorrendo no CE pode ser explicado não só pela perda de qualidade na vigilância epidemiológica para o sarampo, como também pela queda na cobertura de vacinação no estado.

Ações do Ministério
Opinião semelhante tem a chefe do Laboratório de Vírus Respiratório e Sarampo do IOC/Fiocruz, Marilda Siqueira. Ela, que participou da estruturação do Programa de Controle do Sarampo em 1992 – época em que o país vacinou 48 milhões de crianças menores de 14 anos, e a ação foi considerada a maior dentre os programas de vacinação em massa antissarampo do mundo –, afirmou que o ministério passou a perceber a chegada de muitos casos importados dos EUA e Europa ao Brasil ainda na primeira década deste século. Porém, naquela ocasião, as ações de vigilância tinham a possibilidade de controlar os casos.
“A questão central é: Por que isso está acontecendo? Acredito em falhas na vigilância desses estados, provavelmente em relação às estratégias mais corretas de controle no começo do surto. Ano passado (2014), em novembro, houve uma campanha nacional para vacinar menores de cinco anos. Pernambuco resolveu, mas há um surto no Ceará que acomete indivíduos maiores de cinco anos. As crianças com menos de 1 ano estão sendo contaminadas por adultos dentro das suas próprias casas. Há um problema na vigilância e nas coberturas vacinais desses casos”, admitiu a pesquisadora do IOC/Fiocruz.
Marilda lembra que não é a primeira vez que o país sofre com surtos de sarampo. Na década de 90, quando dois milhões de crianças morriam da doença no mundo, a resposta brasileira foi bem eficaz com a campanha de erradicação. Porém, nos primeiros anos do século XXI, os casos esporádicos de sarampo acometiam as pessoas que viajavam ao exterior, em sua maioria adultos-jovens. “O Brasil fez uma campanha, em 2001, de sarampo e rubéola para mulheres em idade fértil (15 a 40 anos). A adesão foi muito boa e resultou na queda dos casos”, recorda a pesquisadora, cujo Laboratório é credenciado como Referência Regional para Sarampo e Rubéola pela Organização Mundial de Saúde (OMS), Referência Nacional pelo Ministério da Saúde e Centro de Referência Nacional em Influenza junto ao Ministério da Saúde e OMS.

Mitos e desconhecimento das doenças
Na opinião da responsável pelo Setor de Imunizações do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria da ENSP, Slete Ferreira da Silva, os esforços do governo nas campanhas de vacinação nem sempre são reconhecidos pelos pais ou familiares das crianças, por exemplo. Para ela, que atua no dia a dia com a população de Manguinhos, diversos fatores interferem nos programas de imunização, seja no interior ou nas grandes cidades.
“Por mais que o público se considere bem-informado, não há tanto conhecimento a respeito das doenças. Muitos mitos ainda prevalecem sobre a própria eficiência da vacina, e casos de doenças como o sarampo acontecem principalmente pela baixa cobertura. Algumas localidades no interior e no sertão do país sofrem pela grande distância dos postos de saúde e pela falta de infraestrutura necessária para acolher o indivíduo. Nas grandes cidades, também enfrentamos problemas. No Rio de Janeiro, a violência presente nas comunidades afeta nosso trabalho, pois os postos de saúde fecham quando há alguma ação de traficantes ou policiais. E, quando isso acontece, não é sempre que a mãe retorna para vacinar seu filho. Quando nos deparamos com grande atraso nas vacinas dessas crianças, haja ‘perninha’ e ‘bracinho’ para receber as doses”, lamentou a enfermeira.


Em relação aos casos do Ceará, a secretaria de saúde afirma que, no período de 20 de fevereiro a 23 de março de 2015, os municípios do estado realizaram o Monitoramento Rápido de Cobertura (MRC) com o objetivo de avaliar a situação vacinal das crianças na faixa etária de 6 meses a menores de 5 anos, para as vacinas com componente sarampo (tríplice ou tetra viral) e contra a poliomielite (VIP e VOP). Segundo resultados preliminares, 86% (159) dos municípios realizaram MRC, e 14% (25) não realizaram ou não registraram a atividade no sistema de informação. Foram visitadas o total de 38.935 residências, identificando 41.644 crianças de 6 meses a menores de 5 anos, dos quais 99,6% (41.497) estiveram presentes durante o MRC. Desses, 97,7% (40.544) encontram-se vacinados com a terceira dose (VIP ou VOP), 92% (38.200) vacinados com a primeira dose de tríplice viral (D1) e 89% (36.926) com a segunda dose de tríplice viral (D2) e/ou tetra viral (DU).
“O Ministério da Saúde está atento aos casos do Ceará, enviando técnicos frequentemente e reforçando a necessidade de vacinação, como na última campanha de novembro. Porém, temos conhecimento de que algumas coisas não dependem somente da ação do governo federal. Temos questões locais, e cada município deve ser capaz de reconhecer os casos suspeitos. Em situação de surto, precisamos ‘chegar na frente do vírus’, e não persegui-lo”, alertou a chefe do Laboratório de Sarampo da Fiocruz.
Na opinião da enfermeira do Centro de Saúde da ENSP, é preciso que os indivíduos pensem no coletivo quando o assunto é vacinação. “Na região de Manguinhos, a atuação do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria e da Clínica Victor Valla é fundamental para a boa cobertura. A população de Manguinhos não tem motivo para não estar vacinada. Os pais que gostam de seus filhos e querem vê-los crescer de forma saudável devem levá-los para vacinar. Esse é um ato de amor”, reforçou Slete.
De acordo com a Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa) o último caso diagnosticado da doença foi no dia 4 de abril.
De acordo com a Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa) o último caso diagnosticado da doença foi no dia 4 de abril.
Dia 29/04, a OPAS declarou a eliminação da rubéola e da síndrome da Rubéola congênita das Américas.
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