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Crack: saber científico e social devem ser integrados

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Publicado em:13/09/2012

Crack: saber científico e social devem ser integrados“Muitas pesquisas usam a favela como verdadeiros ratos de laboratórios, pois a usam na produção do conhecimento. Mas os resultados das pesquisas nunca voltam para essa população. Então, a favela continua coadjuvante de sua própria história. É preciso compartilhar os estudos que a academia faz e articulá-los com o conhecimento vivo, empírico. Nosso desafio é articular esses dois saberes na luta contra o crack e outras drogas", advertiu o diretor da Central Única das Favelas (Cufa) Brasil, Preto Zezé, durante o debate de lançamento do documentário Selva de Pedra - A Fortaleza Noiada, do qual ele também é diretor e roteirista junto com Edmar Jr. Ele ressaltou ainda que o crack avançou em todo o Brasil mais rápido que se esperava. E, infelizmente, as políticas não evoluíram. O encontro foi realizado na quarta-feira (12/9), durante as comemorações pelos 58 anos da ENSP.

 

O documentário apresentado tem a intenção de fazer emergir, com clareza e profundidade, o fenômeno do consumo do crack na cidade. O filme também fornece elementos para que a sociedade e o poder público possam refletir juntos sobre essa problemática, de modo a preencher um vácuo na instrumentalização das políticas públicas de prevenção (que envolvem aspectos de saúde, educação, segurança etc.), tanto por parte do município como do Estado. Seu objetivo é contribuir para o desenvolvimento de alternativas capazes de promover o possível enfrentamento competente dessa grave patologia social, bem como instrumentalizar as fórmulas adequadas para obter a recuperação dos jovens que se tornaram suas vítimas, dos que ao seu redor de alguma forma foram atingidos pelos seus impactos na sociedade. O pesquisador da ENSP Paulo Amarante foi o mediador do debate. 

 

Durante o debate, Zezé comentou que, para a Cufa e outras instituições interessadas nessa questão, o crack nunca foi um estudo de caso. “Não é somente um objeto de pesquisa nosso. Ele tem nome, sobrenome, envolve amigos, filhos, maridos, esposas, conhecidos e muitas vezes dorme com a gente ou mora conosco. Em nossas análises, vimos também que a sociedade e as autoridades criaram muitos mitos sobre essa droga. Um deles afirma que os seus usuários não têm sobrevida longa: comprovadamente, isso é mentira. Também é inverdade que um usuário de crack não tenha recuperação. Outro mito está relacionado à quantidade de uso dessa droga. Muitos associam os usuários a zumbis, mas, na verdade, diversas pessoas fazem uso apenas nos fins de semana”, desmentiu ele. 

 

De acordo com o palestrante, é urgente ampliar a discussão do crack na agenda de saúde, pois, mesmo o Estado não chegando a essa população, muitas pessoas usaram suas próprias estratégias e largaram o vício. “Também é preciso ter uma agenda que apoie essas pessoas que, a duras penas, saíram do crack e conseguiram se reintegrar socialmente. São urgentes e necessárias ações de suporte, sejam elas por meio de clínicas, dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) ou igrejas. Não há receita. É preciso beber de todas as experiências vividas”, disse ele, destacando a atuação do grupo Bandidos do Céus, que faz um trabalho diferenciado, forte, que envolve a religião para tirar as pessoas do vício do crack. 

 

Com base nesse pano de fundo, Preto Zezé afirmou que também é necessário discutir a legitimidade da produção de conhecimento. “Diversas pesquisas usam a favela como ratos de laboratório para a produção do conhecimento. A pesquisa, depois de pronta, é publicada e somente divulgada entre pares na academia. Ela raramente volta para a população estudada e, portanto, não tem utilização na sociedade. Com isso, para mim o mais grave, a favela continua coadjuvante de sua própria história.” 

 

Ele reconheceu que sua crítica à academia se dá apenas em pontos específicos, pois também faz uso de seus saberes e avanços tecnológicos quando, por exemplo, toma um comprimido para dor de cabeça ou gripe. “O que defendo é o acesso ao conhecimento que liberta. Precisamos compartilhar os estudos que a academia faz e articulá-los com os conhecimentos empíricos. O nosso desafio é descobrir como interligar esses saberes para produzir novas estratégias. Precisamos reconhecer a contribuição que cada um pode dar a esse processo”, considerou Zezé.

 

O diretor da ENSP, Antônio Ivo de Carvalho, durante o debate, lembrou que, anualmente, em especial o período de aniversário da Escola, é aproveitado para aprofundar seus vínculos com a sociedade e a comunidade do entorno. Dessa forma, é possível enfrentar os problemas que surgem com a participação da ciência, cultura e dos diversos segmentos da Escola. Ele afirmou a Zezé que quer estar junto com ele e a Cufa nessa luta, fazendo uso da ciência e cultura. “Não estamos nos esforçando pela política ou pela responsabilidade social, mas sim pela obrigação social que temos de nos integrar e somar para o desenvolvimento da sociedade”, afirmou. Para encerrar, Antônio Ivo convidou Preto Zezé para dar aulas na ENSP e compartilhar com a Escola sua experiência e ciência viva. “Poder tê-lo aqui, nos quadros da ENSP, será uma honra para a Escola.”


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