Programa de Gestão, a ser implementado na Fiocruz, pode alterar regime e modalidade de trabalho
Com o estabelecimento da Instrução Normativa nº 65 de 30/07/2020, que cria o Programa de Gestão para os órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec), foram determinados orientações, critérios e procedimentos gerais, cuja maior motivação foi a economia de recursos pelo Governo Federal. Os principais conceitos do Programa de
Gestão são a substituição do controle de frequência pelo de resultados;
regime de trabalho (integral ou parcial); e modalidade (presencial, semipresencial ou teletrabalho). O Informe ENSP entrevistou a vice-diretora de Ambulatórios e
Laboratórios da Escola, Fátima Rocha, representante no Grupo de Trabalho
criado pela Presidência da Fiocruz para a interlocução, estudos e
elaboração de proposta para a implantação do Programa de Gestão na
instituição. Saiba mais.
Informe ENSP: Com a adesão da Fiocruz ao Programa de Gestão Estratégica e Transformação do Estado (TransformaGov), instituído pelo Decreto 10.382/2020 em 28/05/20, que tem entre seus compromissos o Programa de Gestão para os órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec), criado pela Instrução Normativa nº 65, de 30/07/2020, como se desenrolaram os processos na instituição?
Fátima Rocha: O TransformaGov, instituído pelo decreto 10.382/2020, objetiva avaliar e modernizar a gestão estratégica dos órgãos integrantes da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Com isso, o Ministério da Economia (ME) espera otimizar a implementação de suas políticas públicas, conferir mais eficiência ao gasto público e entregar mais valor à sociedade.
O programa reúne um conjunto de soluções de curto e médio prazo já desenvolvidas pelo ME para apoiar os órgãos da administração pública federal no desenvolvimento de novas soluções de aprimoramento da gestão. O TransformaGov compreende ações em cinco dimensões: Governo e Gestão Estratégica, Arranjos Estruturais e Institucionais, Infraestrutura logística, Processos e Gestão de Pessoas. O link https://www.youtube.com/watch?v=wB6m7Z1JCJk apresenta explicação geral sobre essas dimensões. Destacamos que o Programa de Gestão está incluído nos compromissos do TransformaGov.
Em abril desse ano, a Fiocruz aderiu ao TransformaGov, sendo a última instituição a adotar essa medida, o que implica numa organização interna para planejamento cuidadoso de implantação do Programa de Gestão estabelecido pela IN 65/2020. Essa IN define o teletrabalho como modalidade de trabalho em que o cumprimento da jornada regular pelo participante pode ser realizado fora das dependências físicas do órgão, em regime de execução parcial ou integral, de forma remota e com a utilização de recursos tecnológicos, para a execução de atividades que sejam passíveis de controle e que possuam metas, prazos e entregas previamente definidos e, ainda, que não configurem trabalho externo, dispensado do controle de frequência.
Segundo a IN 65/2020, o teletrabalho destina-se, preferencialmente, aos servidores cujas atividades demandem maior esforço individual e menor interação com agentes públicos, cuja complexidade exija elevado grau de concentração e cuja natureza seja de baixa a média complexidade, com elevado grau de previsibilidade ou padronização nas entregas. Para a sua implantação, após aprovação do Ministro de Estado, o Programa de Gestão deve ter os seus procedimentos definidos diretamente pelos órgãos, com a indicação, dentre outros aspectos, dos regimes de execução, das atividades a serem realizadas, seus níveis de complexidade, tempo de execução das atividades, indicação dos eventuais ganhos de produtividade, assim como os resultados e benefícios esperados para a instituição.
Os servidores interessados em atuar no programa de gestão serão selecionados com base na compatibilidade entre as atividades a serem desempenhadas e o seu conhecimento técnico. Os servidores selecionados terão a sua atuação norteada por um plano de trabalho que estabelecerá as atividades, as metas expressas em horas equivalentes e um termo de ciência que define, dentre outros pontos: o dever do participante de manter a infraestrutura necessária para o exercício de suas atribuições, assumindo inclusive os custos referentes à conexão com a internet, energia elétrica e telefone, dentre outras despesas decorrentes do exercício de suas atribuições; e vedações ao pagamento de adicionais de insalubridade, periculosidade, radiação ionizante ou substâncias radioativas, ao pagamento de serviços extraordinários, adicional noturno e participação em banco de horas.
O Programa de Gestão será monitorado por meio de sistema informatizado, que pode ser disponibilizado pelo órgão central do Sipec ou desenvolvido pelo órgão, com as seguintes informações: tabela de atividades; plano de trabalho; acompanhamento do cumprimento de metas; registro das alterações no plano de trabalho; avaliação qualitativa das entregas; e a designação dos executores e avaliadores das entregas acordadas. As informações devem ser disponibilizadas ao órgão central do Sipec e atualizadas, no mínimo, semanalmente.
O monitoramento por parte do órgão deve ser realizado, inicialmente, por meio de um relatório após seis meses da publicação da norma de procedimentos gerais que avaliará o grau de comprometimento dos participantes, a efetividade no alcance de metas e resultados, os benefícios e prejuízos para a unidade, bem como a conveniência e oportunidade de manutenção do programa. Em caso de continuidade do programa, o órgão deverá elaborar relatórios gerenciais anuais, que devem ser encaminhados ao órgão central do Sipec, até 30 de novembro, com informações sobre: o total de participantes e percentual em relação ao quadro de pessoal; variação de gastos, quando houver, em valores absolutos e percentuais; variação de produtividade, quando houver, em valores absolutos e percentuais; variação de agentes públicos por unidade após adesão ao programa de gestão; variação no absenteísmo, em valores absolutos e percentuais; variação na rotatividade da força de trabalho, em valores absolutos e percentuais; análise sobre a melhoria na qualidade dos produtos entregues; dificuldades enfrentadas e boas práticas implementadas. (Considerações de base para discussões do GT para a elaboração da proposta de gestão na Fiocruz, Andrea Luz e Nelson Passagem)
Em 2020, a Coordenação Geral de Gestão de Pessoas (Cogepe/Fiocruz) organizou uma série de debates frente aos atuais desafios do mundo do trabalho com o tema geral “Diálogo com os Trabalhadores”: “Os impactos da pandemia do novo coronavírus no mundo do trabalho”, em 22/07/2020; “Os vários aspectos do teletrabalho: organização e saúde”, em 29/07/2020 e “Saúde mental no teletrabalho”, em 12/08/2020. O tema foi apresentado pela Cogepe em setembro de 2020 no programa de entrevista Cogepeando e debatido pela Cogepe na live Painel Asfoc, em 08/12/2021 . A implantação do Programa de Gestão também foi tematizada pela Cogepe nas seguintes reuniões institucionais conduzidas em 2021: reunião com o Gabinete da Presidência (11/01/2021); reunião com a vice-presidência de Gestão e Desenvolvimento Institucional (24/05/2021); Fórum de Gestão de Pessoas (09/07/2021) e Câmara Técnica de Gestão (20/07/2021).
O Conselho Deliberativo da ENSP tem acompanhado esse processo e intensificado em 2021 o debate sobre o programa de gestão e os desafios de sua implantação.
No segundo semestre de 2021, foi instituído um grupo de trabalho pela Cogepe, que apresentará até novembro um documento de referência que será submetido ao Conselho Deliberativo da Fiocruz. Esse documento, ainda em fase de finalização, propõe 12 diretrizes para a implantação do programa de gestão, a saber: Implementação de ações de prevenção e promoção da saúde no teletrabalho, Desigualdade, Produtividade, Tabela de Atividades, Atividades e regimes de trabalho a serem priorizados, Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), Recursos Orçamentários, Descentralização de decisões para as unidades: sobre as áreas a serem contempladas, percentual de participantes, tabela de atividades e modalidades de atuação, Qualificação/capacitação para o programa de gestão, Reorganização dos ambientes de trabalho, Priorização de perfis para participação (abono de permanência ou com idade superior a 60 anos; lactantes ou gestantes em atividades insalubres; com restrição de saúde sob recomendação da Coordenação da Saúde do Trabalhador, com responsabilidade ou encargos familiares) e Terceirizados – ( possibilidade de implantação do trabalho remoto e instalação do ponto eletrônico). O instrumento de orientação que está sendo elaborado deverá ser submetido ao CD Fiocruz ainda esse ano.
Informe ENSP: Há poucos estudos na área de saúde do trabalhador sobre as consequências do teletrabalho. Também é escassa a sua regulamentação sobre os direitos do trabalhador, como a caracterização de acidentes de trabalho no trabalho remoto. Como será feito o diagnóstico de situações de Trabalho, avaliação da ergonomia do ambiente de trabalho e demais domésticos?
Fátima Rocha: A pergunta seguinte já aponta para as aspectos relacionados à ergonomia que foi objeto inclusive de apresentação específica (abaixo) realizada por Aline Azambuja (Cogepe) no GT Fiocruz, onde são afirmadas as linhas de atuação em curso na Fiocruz e que precisam ser investidas no processo de implantação do programa de gestão.
É importante sublinhar que há lacunas relativas aos direitos dos trabalhadores na proposta do Programa de Gestão, não estando regulamentados questões relativas aos acidentes de trabalho, por exemplo.
Segue matriz, abaixo, com as referências adotadas para o cuidado a ser promovido com a saúde do trabalhador que pretendemos que seja considerado no processo de implantação do programa de gestão. O trabalhador precisa ser o centro do processo - o sujeito/protagonista, e precisamos que ele compreenda o escopo do programa de gestão e influencie nos rumos da implantação desse processo na ENSP, visando a redução de danos que certamente ocorrerão nesse processo.
Informe ENSP: Outra questão crítica do teletrabalho é que ele expõe desigualdades sociais, de gênero, raça e geracionais, já que muitos não têm as plenas condições para manter a produtividade em suas casas, diversas vezes com problemas de acesso à internet, além de terem que dividir o tempo com o cuidado dos filhos, quando voltam da escola ou ainda não a frequentam. A instituição vai financiar infraestrutura física e tecnológica no teletrabalho?
Fátima Rocha: Esse processo ainda está em discussão no GT e, como informamos, precisará ser deliberado, posteriormente, pelo CD Fiocruz. Como sabemos, a IN 65/2020 não prevê apoio financeiro aos trabalhadores. As diretrizes formuladas até o momento sobre este tema são as seguintes:
- A Fiocruz não arcará com ajuda de custos ou pagamento de despesas para viabilizar o teletrabalho integral ou parcial dos profissionais aprovados no programa de gestão;
- Os servidores com incapacidade de arcar com o custeio de atividades em teletrabalho integral ou parcial não poderão se inserir nessas modalidades do programa;
- As unidades podem, de acordo com a sua análise de conveniência e necessidade, realizar o empréstimo de equipamentos e mobiliários para os servidores atuantes no Programa de Gestão em regime de teletrabalho, desde que não acarrete ampliação do parque tecnológico para essa finalidade;
- As necessidades de equipamentos e mobiliários nas equipes com modalidades de trabalho híbridas, deverão ser supridas com a organização dos ambientes de trabalho no modelo de coworkings e/ou escalas de trabalho;
- As aquisições para ampliação e/ou substituição do parque tecnológico de TIC deverão seguir o curso do PDTIC, sem ampliações motivadas pelo programa de gestão, com registro no plano anual da Sala de apoio à Gestão Estratégica (SAGE) e discutido institucionalmente;
- Qualquer necessidade de alteração ou complementação no sistema de acompanhamento do sistema deverá ser coordenada pela Coordenação-Geral de Gestão de Tecnologia de Informação (Cogetic/Fiocruz), sem custo para as unidades;
- A capacitação e qualificação de servidores e gestores para a atuação no programa de gestão deverão ser coordenadas pela Escola Corporativa, sem custos para as unidades.
Há ainda uma proposição de criação de diretrizes sobre os aspectos relativos à desigualdade e deverá ser discutida, em breve, no GT e irá considerar as questões relativas à desigualdade de gênero, social, racial, deficiência e geracional.
Informe ENSP: Há ações previstas de prevenção e promoção da saúde no teletrabalho, capacitação e treinamento para o teletrabalho, voltados às lideranças e servidores?
Fátima Rocha: Essa proposta está ainda sendo elaborada no GT com um diretriz central, considerando os valores da Fiocruz e o necessário cuidado com a saúde do trabalhador. A IN 65/2020 não prevê investimentos específicos de prevenção e promoção à saúde, mas sua relevância foi debatida intensamente no GT, tendo sido acordado o necessário compromisso institucional sobre esses aspectos na implantação do PG na Fiocruz.
Apresentamos parte das diretrizes que estão sendo formuladas em relação a questão apontada: Promover espaços para construções coletivas, tais como as Comissão Interna de Saúde dos Servidores Públicos Federais (CISSP) ou Comissões Internas de Saúde dos Trabalhadores e das Trabalhadoras (CISTT’s) e/ou outros fóruns vinculados direta e indiretamente à Saúde do Trabalhador, que visem pactuar e articular as formas mais efetivas de transformação e transição dos mecanismos do trabalho, fomentar e manter os mecanismos de participação ativa dos trabalhadores nas decisões sobre o seu trabalho incluindo os processos de trabalho e suas transformações, Garantir que nos processos de construção coletiva das tabelas de atividades, e nas pactuações de mecanismos de controle e de definição de metas, sejam salvaguardados os espaços para desenvolvimento de criatividade nas dimensões individuais e coletivas dos trabalhadores, reconhecer as questões de gênero, de raça e geracionais em sua relação com o trabalho, identificando a intensificação e extensificação do trabalho feminino e aprofundamento da desigual divisão sexual do trabalho.
Informe ENSP: Como a implantação desse programa de gestão na ENSP vai garantir o processo democrático e participativo para a definição de critérios e requisitos?
Fátima Rocha: A gestão participativa é a estratégia central para a construção da implantação do Programa de Gestão (PG). A ENSP instituiu grupo de trabalho a partir do Conselho Deliberativo para apoiar na organização do debate e das estratégias de implantação do programa. O Colegiado de Gestão, desde agosto de 2021, tem como pauta permanente o PG e está sendo fomentado o estímulo à disseminação desse debate nas várias instâncias de gestão colegiada na ENSP sob gestão direta da direção. Temos como proposta ainda percorrer os Departamentos para trazer esse tema e iniciamos esse mês a visita a 3 departamentos. A articulação com a Asfoc-SN (Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz) foi definida como central para mobilização, não só da comunidade da ENSP, mas de toda a Fiocruz para problematizar o sentido do programa de gestão e seu impacto na vida institucional.
É necessário ainda chamar a atenção que pretendemos que esse debate possa ser cotejado com a PEC 32/2020, que trata de reformas estruturantes para o serviço público. Estamos propondo ainda uma assembleia para esse fim. Além da dimensão de mobilização e ampliação da compreensão sobre o significado do programa de gestão, vamos apresentar também ao CD ENSP uma agenda específica detalhando outras etapas necessárias para a implantação de procedimentos previstos na IN 65/2020, como o Edital e a tabela de atividades, seguindo evidentemente as diretrizes que serão debatidas no CD Fiocruz. É mister sinalizar que as produções dos documentos específicos da ENSP serão submetidas ao Conselho Deliberativo.
A adoção do PG traz implicações em muitos aspectos da gestão institucional, como o planejamento estratégico, logística, tecnologia da informação, gestão da capacitação, gestão da comunicação, gestão de projetos, gestão de pessoas e saúde e segurança do trabalhador. As discussões sobre a sua adoção devem considerar tais aspectos, além das possíveis implicações legais, econômicas, institucionais e psicossociais.
Informe ENSP: Qual a priorização dos servidores para adesão ao programa de gestão?
Fátima Rocha: Esse processo ainda será debatido internamente, mas no processo atual do GT coordenado pela Cogepe, há uma indicação para priorização de perfis para participação (servidores com abono de permanência ou com idade superior a 60 anos; servidores lactantes ou gestantes em atividades insalubres; servidores com restrição de saúde, sob recomendação da CST/Fiocruz, com responsabilidade ou encargos familiares).
Informe ENSP: O teletrabalho também oferece riscos de deterioração do sentido coletivo do trabalho e dos direitos coletivos dos trabalhadores no serviço público. A instituição pensa em mecanismos de mobilização, caso seja aprovada esta modalidade?
Fátima Rocha: As diretrizes que serão abordadas no CD Fiocruz certamente indicarão a implantação preferencial do regime semipresencial em detrimento de regime teletrabalho (integralmente fora da unidade). A mobilização que estamos propondo e foi exposta em outra questão dessa entrevista buscará dimensionar as implicações desse processo para a produção do sentido coletivo do trabalho no serviço público. Certamente, compartilhar análises acadêmicas produzidas sobre o tema do teletrabalho, bem como compartilhar experiências com outras instituições públicas que estão experimentando a implantação dessa modalidade são outras estratégias formuladas para debatermos melhor o aprendizado desse Programa. A ENSP também está organizando uma seção específica no Portal para apoiar a disseminação das informações para a nossa comunidade.
Informe ENSP: Como outras medidas governamentais que vêm sendo decretadas contra o serviço público estão interligadas com esse Programa de Gestão?
Fátima Rocha: O quadro abaixo representa uma síntese da implantação de uma série de normativas que se apresentam para o campo do trabalho público. Chamamos a atenção sobre a questão do controle de frequência que tem uma relação importante com a implantação do programa de gestão e é um compromisso institucional, por meio do Plano de Gestão Estratégica e Transformação Institucional (PGT), no âmbito do TransformaGov. A aplicabilidade do controle de frequência aos servidores estará diretamente relacionada à discussão do Programa de Gestão.
Foto de capa: Portal Fiocruz



