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Notificações, internações e mortes por lesões autoprovocadas em crianças nos sistemas nacionais de saúde: tema de artigo da ENSP

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Publicado em:23/11/2021

As internações por tentativas de suicídio no período de 2006-2017 somaram 1.994 casos, com predominância entre os meninos em todas as regiões brasileiras. No que diz respeito às notificações, a maioria se refere a crianças entre oito e nove anos de idade, com cor da pele parda e do sexo feminino, com destaque à autointoxicação. As informações são do artigo de Joviana Quintes Avanci Liana Wernersbach Pinto Simone Gonçalves de Assis, do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP). Para elas, a evidência de que qualquer comportamento suicida na infância está fortemente associado às tentativas ou ao suicídio consumado na adolescência e na vida adulta é uma das principais indicações da necessidade de prevenção desse comportamento na primeira década da vida.

O artigo Notificações, internações e mortes por lesões autoprovocadas em crianças nos sistemas nacionais de saúde do Brasil, publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva, da Abrasco, explica que estudos revelam que uma série de fatores está associada à gênese do fenômeno. “A maioria era do sexo masculino, usava métodos violentos para tentar morrer, tinha fraco desempenho acadêmico e havia sido exposta a circunstâncias familiares difíceis, incluindo violência intrafamiliar, separação parental e divórcio. Entre os principais fatores de risco tradicionalmente associados ao comportamento suicida na infância estão: transtorno de humor, privação emocional, perda de pessoas significativas, abuso físico, abuso de álcool e outras drogas pelos pais, histórico familiar de suicídio e acesso a métodos usados para cometer suicídio. A impulsividade é o fator individual chave para aqueles com maior risco para o suicídio, devido ao difícil processamento cognitivo durante o ato.”

Segundo o artigo, o comportamento de se ferir, de tentar se matar ou de acabar com a própria vida é pouco usual na infância e um tema ainda incipiente na literatura nacional e internacional. “Está imerso em tabus culturais e cercado por indagações e desconhecimento, inclusive entre estudiosos e profissionais que atuam junto à população infantil. Embora raro em sua magnitude, não é um fenômeno excepcional, havendo sub-registro de sua ocorrência por causa, em parte, da própria representação social da infância, marcada pela ludicidade e alegria, com o desejo de morrer ou de um sofrimento demasiado parecendo incompatível com essa fase da vida.”

Sob uma perspectiva conceitual ampliada, a Organização Mundial de Saúde denomina a lesão autoprovocada como uma violência que a pessoa inflige contra si mesma, sendo classificada como comportamento suicida e como autoagressão (engloba arranhaduras, cortes e mordidas em si própria, além de amputação de membros). O comportamento suicida é caracterizado por todo ato pelo qual o indivíduo causa lesão a si mesmo, e contempla desde ideações e planejamentos até as tentativas e o suicídio consumado. De maneira similar, a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) considera como autoprovocados as lesões e os envenenamentos intencionalmente infligidos pela pessoa a si própria e as tentativas de suicídio. “Portanto, subjacente a esse debate está o alívio do sofrimento, que na maioria dos casos é a principal função do ato de se ferir ou se matar.”

Outra barreira para a compreensão do fenômeno na infância está vinculada à definição do momento em que o desenvolvimento cognitivo do conceito de morte se instaura na criança, completa o artigo, o que tende a ocorrer em torno dos nove anos de idade, com diferenciações em função da convivência com a morte, do histórico de vida familiar e do processo de elaboração sobre o tema a partir de histórias, desenhos animados e contos de fadas. “Nas etapas anteriores do desenvolvimento infantil, há ideias limitadas sobre a morte, com a crença na reversibilidade e o temor da morte da genitora, mas não de si mesmo. A definição do comportamento suicida tem como pré-requisito a consciência da finitude da vida, inclusive de sua própria.”

Todavia, esclarece o artigo, que o fato de a criança ter um conceito da morte diferente dos adultos não significa necessariamente que ela não poderá atentar contra a sua própria vida. “A necessidade de se romper com o mito da infância, desfazendo a concepção de que uma criança é incapaz de atentar intencionalmente contra a própria vida, uma vez que elas têm condições para se ferir, planejar e realizar um suicídio com sucesso. Cerca de metade dos acidentes envolvendo crianças pode ser de tentativas mascaradas de suicídio.”

Em todo o mundo, praticamente não há estatísticas sobre o fenômeno entre crianças até nove anos de idade, e quando existem costumam ser subestimadas. Apesar de baixas e bem inferiores às da adolescência, há uma tendência de aumento da taxa de suicídio em crianças com menos de 15 anos em vários países. Em 2015, o Centers for Disease Control and Prevention mostrou que o suicídio foi a sexta principal causa de morte entre crianças de 5 a 12 anos de idade nos Estados Unidos, com ligeiro aumento entre os anos de 2013 e 2014 (cerca de 16%).

Embora o número absoluto de lesões autoprovocadas possa ser pequeno em termos quantitativos frente ao tamanho da população, de acordo com as autoras, conhecer sua epidemiologia certamente dá visibilidade ao fenômeno e apoia o conhecimento sobre as características das crianças que se autolesionam, tentam ou morrem dessa maneira, portanto possibilita atuar na prevenção e em decisões do setor saúde.

Os resultados do estudo apontam que as notificações cresceram de forma expressiva ao longo dos anos, seja para todas as formas de violências, seja para a lesão auto provocada. No período de 2011 a 2017, houve 196 notificações por lesão autoprovocada em crianças de cinco a nove anos. É importante destacar que, embora haja registros, até 2014 o sistema não permitia a atribuição de lesões auto provocadas para menores de 14 anos.

Retrata também as características das crianças de cinco a nove anos de idade notificadas por lesão auto provocada no SINAN/VIVA. “É importante lembrar que chegou-se a esse número de notificações a partir do uso concomitante de duas variáveis disponíveis na ficha de notificação, a saber: (1) lesão auto provocada (“sim”) e circunstância da lesão códigos X60 a X84). A esses acrescentaram-se quatro casos em que se assinalou a opção “não” em lesão autoprovocada, porém interpretamos como erro de preenchimento, visto que no campo “tipo de violência – outro” foi apontado que se tratava de um suicídio ou tentativa”, dizem.

A pesquisa demonstra que, de 2015 a 2017, o perfil das 78 notificações de crianças atendidas pelos serviços de saúde por lesão autoprovocada mostra que a maioria (56,4%) ocorreu no ano de 2017; são crianças com oito e nove anos de idade (62,8%); têm cor da pele branca e (46,2%) e parda/preta (39,7%) – apenas uma era indígena – e são do sexo feminino. Em relação ao local de ocorrência, 80,8% ocorreram na própria residência e na grande maioria o evento foi ocasionado por auto intoxicação (54%), seguida por objeto contundente, cortante ou penetrante (24,3%) e, de maneira decrescente, por enforcamento, precipitação de um lugar elevado, impacto de um veículo a motor e outros meios.

Os dados referentes às internações por tentativas de suicídio demonstram que, no período de 2006 a 2011, ocorreram 1.199 internações por tentativa de suicídio em crianças, com predominância nas regiões Norte e Sudeste. Destacam-se os dados de Pará, Paraíba, Minas Gerais e São Paulo. Verifica-se que, no período estudado, há predominância de internações de indivíduos do sexo masculino para todas as regiões. A cor da pele branca é destaque nas
regiões Sudeste e Sul, e a cor parda nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Os casos geraram internações curtas, com máximo de seis dias, à exceção do estado do Sergipe, onde a média de dias de permanência na unidade hospitalar foi de 14,3 dias. Ocorreram oito óbitos entre as 1.199 internações analisadas.

Para o período seguinte (2012-2017), foram constatadas pelo estudo 795 internações, novamente com predomínio masculino. Contudo, no Acre, Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso e Distrito Federal, as internações foram maiores entre o sexo feminino. Quanto à cor da pele, verifica-se o mesmo resultado encontrado para o período anterior. A média de permanência variou de 1,0 a 4,2 dias, com as exceções de Acre (18,7 dias) e Pernambuco (22,6 dias). Oito pacientes vieram a óbito.

Os achados encontrados pelo estudo precisam ser disseminados para servirem como sinal de alerta para profissionais de saúde e da educação, dada a gravidade do problema e sua subnotificação, afirmam as autoras.

Apesar da melhoria dos sistemas de informação de saúde no Brasil nos últimos anos, especialmente nas notificações por violências, os dados da pesquisa revelam a incipiência da magnitude dos comportamentos suicidas em crianças que chegam aos serviços de saúde, tendo como contraponto fundamental a fragilidade dos registros. “Um número significativo de casos pode nem ter sido categorizado como a causa estudada, pois como são crianças os atos contra a própria vida são negados ou até escondidos pela família, diante de sentimentos de culpa ou vergonha”, alertam as autoras.

Concluindo, o artigo reforça que a evidência de que qualquer comportamento suicida na infância está fortemente associado às tentativas ou ao suicídio consumado na adolescência e na vida adulta é uma das principais indicações da necessidade de prevenção desse comportamento na primeira década de vida. Assim, as autoras advertem ser urgente que a rede pública de saúde esteja qualificada para atender tais casos desde a primeira etapa da vida, quando muitas vezes é difícil delimitar com clareza a intencionalidade do ato, mas em que a escuta qualificada, a internação (se necessária) e o monitoramento precisam ser nortes para a atenção. Além disso, acrescentam elas, é preciso dar efetividade à Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio e desenvolver protocolos oficiais que incluam inquérito policial, autópsia psicológica e pósvenção.

Para ler o artigo na íntegra, clique aqui.


Foto: Unifesp


Fonte: Artigo Ciência e Saúde Coletiva
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