Estudo alerta sobre fatores associados à subnotificação de casos de tuberculose multirresistente no Rio de Janeiro
É urgente fortalecer as ações de vigilância epidemiológica na tuberculose multirresistente (TB-MDR), estabelecer e monitorar núcleos de vigilância hospitalar e as rotinas de notificação de TB nos hospitais, rever etapas operacionais, além de unificar os diversos sistemas de informação tornando-os mais ágeis e integrados. A doença causou mais de 1 milhão de mortes em 2019. O alerta é do estudo Fatores associados à subnotificação de casos de tuberculose multirresistente no Estado do Rio de Janeiro, Brasil: relacionamento probabilístico entre sistemas de informação, dos pesquisadores Marcela Lopes Bhering da Silva, da ENSP/fiocruz; e Patrícia Durovini, Paulo Mota e Afrânio Lineu Kritski, da UFRJ.
Segundo a pesquisa, a TB causou cerca de 10 milhões de adoecimentos e 1,2 milhão de óbitos em 2019, representando a principal causa de morte por agente infeccioso no mundo e um desafio aos sistemas de saúde.
Em 2014, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aprovou a Estratégia pelo Fim da Tuberculose (End TB) com o objetivo de eliminar a doença como problema de saúde pública. Para isso, as metas são reduzir em 80% os casos novos e em 90% as mortes por TB até 2030, em comparação a 2015, eliminando também o impacto econômico para as famílias afetadas pela doença, acrescentou a pesquisa.
Para que essas metas sejam alcançadas, conforme o artigo, a OMS reforçou recomendações feitas desde 2010. Entre elas está a garantia que os governos forneçam acesso universal a testes moleculares para promover o diagnóstico de TB droga sensível e droga resistente (TB-DR) e priorizem o início precoce de tratamento. “Além disso, em 2018, ocorreu a primeira reunião de alto nível da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre TB que resultou na Declaração Política sobre Tuberculose, com metas ambiciosas para acelerar os esforços e o compromisso dos países de acabar com a epidemia de tuberculose globalmente até 2030.”
Para os autores, isso é de elevada importância diante da estimativa da OMS de que apenas 38% dos casos estimados de TB-MDR e TB-RR foram diagnosticados em 2019, deixando um passivo de pessoas a serem alcançadas pelos sistemas de saúde. Por outro lado, dizem eles, são escassos os dados de pacientes com TB-RR/MDR com diagnóstico laboratorial que não foram inseridos nos sistemas de notificação e, portanto, não receberam tratamento adequado, promovendo a manutenção da transmissão do bacilo resistente e maior chance de morbidade e mortalidade.
O artigo traz a discussão de que foi descrito que cerca de 30% dos casos de TB-XDR no Estado do Rio de Janeiro são prováveis casos de infecção primária. Além disso, segundo dados do Ministério da Saúde, apenas 56,8% dos casos de retratamento de TB pulmonar com cultura positiva tiveram o teste de sensibilidade realizado.
Esse fato, de acordo com os autores, sinaliza a urgente necessidade da adoção de medidas efetivas de controle de infecção de TB para diminuir a transmissão. A situação é mais alarmante entre casos com bacilo XDR, que têm proporção de cura em torno de apenas 20%, pois ainda não há tratamento eficaz para tais pacientes. Revisão de etapas operacionais, como a convocação do paciente para o fornecimento das amostras de escarro, transporte destas entre os laboratórios e agendamento da consulta especializada, poderiam otimizar os processos atualmente adotados com ganho de tempo.
No Brasil, além do Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL), que coleta dados no momento do diagnóstico laboratorial de TB, e do Sistema de Tratamentos Especiais de Tuberculose (SITETB), que notifica e acompanha casos de TB-DR/MDR ou situações especiais, existem ainda o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), que reúne informações no início do tratamento da TB ativa e o Sistema de Informação Hospitalar (SIH). Entretanto,os dados inseridos nesses sistemas não são relacionados entre si, dificultando a vigilância dos casos.
Por outro lado, conforme o artigo, unidades de saúde, além da notificação dos casos, investigação de contatos e solicitação dos exames, precisam preencher diversos formulários, como: mapa de medicamentos, ficha de encaminhamento e/ou transferência, boletim de acompanhamento de casos, ficha de solicitação de baciloscopia de escarro, ficha de acompanhamento da tomada diária do medicamento, impresso de resultado PPD, caderneta de controle do tratamento e livro de registro de sintomático respiratório no serviço de saúde. “Isso gera uma sobrecarga de trabalho para os profissionais das unidades de saúde e pode influenciar no acompanhamento dos casos.” Além disso, falam também eles, sobre a deficiência do preenchimento das fichas de notificação de tuberculose, precária infraestrutura de informática, qualificação insuficiente de recursos humanos, falta de integração entre profissionais de diferentes setores, fluxo da informação ineficiente entre unidades de saúde e municípios são fatores que limitam o controle da TB.
Nesse período, além da manutenção da transmissão comunitária de formas drogarresistentes de TB, a deterioração clínica dos pacientes pode resultar em aumento das taxas de internação e mortalidade. Para os pesquisadores, é provável que esse lapso de informação se reflita nos 37% de óbitos encontrados entre os casos não notificados. Esse valor é muito superior aos 9% encontrado em estudo realizado com pacientes TB-MDR de todo Brasil e aos 15,3% encontrados para pacientes do Estado Rio de Janeiro notificados entre 2000 e 2016.
No estudo, o exame ter sido solicitado por uma unidade hospitalar foi o fator associado com a subnotificação. Estudo realizado com pacientes TB sensível apontou que as unidades de pronto-socorro foram importantes na não notificação dos casos. Isso pode ser um indicativo de casos que a vigilância epidemiológica não conseguiu identificar precocemente. O mais grave é que os casos, embora identificados pelo serviço, não realizaram o tratamento adequado, atentam eles.
A subnotificação, explica o artigo, além de repercutir na manutenção da cadeia de transmissão da TB-MDR e no aumento da resistência primária, tem como consequência a sobrecarga do sistema de saúde, notadamente a nível hospitalar, ao qual esses pacientes retornarão com agravamento do quadro e menores possibilidades de recuperação. “Quando ocorre falha no sistema básico de saúde, seja pelo acesso difícil para o paciente ou pela baixa resolutividade das equipes, há o aumento dos casos de tuberculose diagnosticados em hospitais, correspondendo geralmente a casos mais graves, com maior tempo de evolução, retardo do diagnóstico e comorbidades.” Apesar das ações prioritárias para o controle da TB se concentrarem nas unidades básicas de saúde e unidades ambulatoriais de referência, torna-se estratégico incluir os hospitais nas ações de controle da TB.
A descentralização do acesso ao SITETB na rede especializada de saúde resultou em maior atenção dos profissionais quanto ao encaminhamento e vinculação do paciente com TB-DR ao tratamento pós-alta hospitalar, consideram eles. “Torna-se urgente estabelecer e monitorar núcleos de vigilância hospitalar e as rotinas de notificação de TB nos hospitais, com encaminhamento oportuno e responsável do paciente para a atenção básica, com comunicação efetiva entre esses serviços, por meio de e-mail ou telefonema, por exemplo.” O uso de documentos em papel, como fichas de referência e contrarreferência, encaminhadas pelos pacientes, pode gerar perda de informação preciosa para a continuidade do cuidado, advertem.
Os autores lembram que as pessoas se movimentam pelos territórios, dentro e entre municípios, e diferentes serviços de saúde podem ser acessados até que elas consigam iniciar o tratamento, daí a relevância da coordenação do cuidado pela atenção básica junto à atenção especializada e hospitalar. “A integralidade do cuidado das pessoas com TB depende de estreita articulação entre esses pontos, garantindo não apenas o diagnóstico, mas também a vinculação ao tratamento e a investigação de contatos.”
Por isso, a descentralização do acesso ao SITETB e GAL para a rede hospitalar (incluindo os locais de pronto-atendimento), atenção básica e especializada é uma estratégia que poderia ser pensada para aprimorar a comunicação entre os serviços, acreditam. Assim, pacientes que interromperam um tratamento para TB-DR/MDR poderiam ser identificados mais rapidamente por meio da consulta nesses sistemas, quando chegassem, por exemplo, em um serviço de saúde de outro município. Da mesma forma, mudanças de regime terapêutico ou resultados de exames laboratoriais realizados na atenção especializada poderiam ser visualizados e acompanhados simultaneamente em todos os níveis de atenção.
Por fim, os autores dizem que a pessoa com TB é única, e a dicotomia entre vigilância e assistência à saúde representa um fator que limita o êxito terapêutico. Sistemas de informação que tenham características de interoperabilidade disponibilizadas aos profissionais de saúde em toda a rede irão contribuir para a vigilância e a comunicação entre especialistas e profissionais da atenção básica, evitando a subnotificação, mortes por TB e a manutenção da transmissão da TB-MDR. Por isso, é urgente fortalecer as ações de vigilância epidemiológica na tuberculose multirresistente.
Para ler o artigo na íntegra, publicado no Cadernos de Saúde Pública, clique aqui.
Fonte: Artigo CSP