Doenças Alérgicas Ocupacionais – o trabalho como a fonte de sensibilização
por Ana Luiza Castro*
O Dia Mundial da Alergia, celebrado em 08 de julho, foi criado pela Organização Mundial da Saúde para alertar sobre a importância de controlar as doenças alérgicas, que têm aumentado em todo o mundo. A alergia consiste em uma resposta indesejada do sistema imunológico a um elemento do ambiente, que passa a ser considerado um antígeno.
Quando a exposição aos antígenos ocorre no ambiente de trabalho, tem-se a alergia ocupacional, considerada uma das principais causas de adoecimento do trabalhador. No ambiente laboral, centenas de substâncias químicas como aditivos da borracha, metais, resinas acrílicas e epóxi, além de proteínas como a do látex, do mofo, de plantas e caspa de animais podem se comportar como antígenos. Estudo nacional, realizado na cidade de São Paulo, entre os anos de 2002-2017, mostrou que a maioria dos casos de alergia ocupacional foram oriundos da indústria química (17%), limpeza (15%), construção civil (11%) e saúde (8%).
As reações alérgicas ocupacionais são a asma, rinite, conjuntivite, pneumonite por hipersensibilidade e doenças cutâneas como a dermatite de contato alérgica (DCA) e a urticária. Essas doenças alérgicas precisam ser diferenciadas de reações irritativas, também muito prevalentes no ambiente de trabalho. Estima-se que a DCA responda por 20% das dermatoses ocupacionais, e a asma ocupacional seja a doença respiratória relacionada ao trabalho mais comum nos países industrializados. A rinite alérgica ocupacional pode ser associada à asma, de modo que 40% desses pacientes apresentam sintomas asmáticos. A pneumonite por hipersensibilidade apresenta amplo espectro de manifestações clínicas e radiológicas e deve ser suspeitada em todo paciente que apresente doença pulmonar intersticial de origem desconhecida e que apresente piora dos sintomas respiratórios toda vez que retorne ao ambiente laboral.
Os antígenos que mais frequentemente desencadeiam reações alérgicas nas vias respiratórias são o epitélio de animais de laboratório, ácaros, insetos, farinha, látex, plantas, enzimas biológicas, proteínas de peixes e frutos do mar, dentre outros. Como exemplo de DCA ocupacional, temos os profissionais de saúde que podem tornar-se sensibilizados a biocidas como formaldeído e glutaraldeído, aceleradores da borracha como tiuram-mix e carba-mix presentes em luvas, além de sabonetes e substâncias antissépticas, como a clorexidina, para higienização das mãos. Algumas substâncias como o látex, presente em luvas de borracha, podem desencadear mais de um tipo de alergia como urticária de contato, rinite, asma e até anafilaxia, uma reação grave que pode levar ao óbito. Os alimentos também devem ser lembrados como potenciais causadores de alergia.
Nesse contexto, pode-se citar a farinha de trigo, que contém pelo menos 40 tipos de alérgenos e desencadeia a asma do padeiro, uma das formas mais comuns de asma ocupacional. A exposição a animais, especialmente roedores, é uma causa crescente de alergia ocupacional em profissionais que atuam em laboratórios. Estima-se que 5 a 8% desses trabalhadores sejam sensibilizados, sendo um dos principais alérgenos uma proteína da urina do rato, embora o epitélio, pelo, saliva e o soro dos animais também possam causar reações. A gravidade das reações alérgicas está relacionada a propriedades físico-químicas do alérgeno, à predisposição genética do indivíduo, ao nível e à duração da exposição e a práticas de higiene no ambiente de trabalho.
As ferramentas para o diagnóstico dessas doenças variam de acordo com o tipo de reação alérgica. Em comum, tem-se uma história ocupacional bem colhida que permita a identificação dos alérgenos e de elementos do processo de trabalho e dos equipamentos de proteção individual que possam contribuir para o desencadeamento da alergia. Portanto, é necessária a atenção por parte dos profissionais de saúde sobre a possibilidade do nexo ocupacional com a doença do paciente. Como exemplo de exames complementares utilizados, temos os testes de contato e de puntura, biópsia de pele, dosagem de imunoglobulinas específicas no sangue, prova de função respiratória, exames de imagem do tórax, broncoscopia, videoendoscopia nasal, testes de provocação, entre outros. Amostras das poeiras do ambiente de trabalho também podem ser colhidas, facilitando a identificação de possíveis antígenos associados à pneumonite por hipersensibilidade, por exemplo.
A alergia ocupacional ainda é um desafio pelo impacto que causa na vida do trabalhador, da sua família e do empregador, além do custo que representa para o Sistema Único de Saúde e para a Previdência Social. Muitas vezes, o agente desencadeador da alergia pode ser encontrado tanto no ambiente de trabalho como no domicílio do paciente, dificultando o controle dos sintomas alérgicos. A identificação de casos de alergia ocupacional implica o preenchimento da Comunicação de Acidente de Trabalho para todos os trabalhadores que estejam inseridos no mercado formal. No trabalho, medidas como o fornecimento de equipamentos de proteção, mudanças no processo laboral e na engenharia local podem ajudar na readaptação do trabalhador, apesar de muitas vezes ser necessária a mudança de função ou até mesmo a aposentadoria por invalidez. Os avanços científicos possibilitarão o melhor entendimento da fisiopatogenia do processo alérgico, facilitando a identificação precoce das substâncias de risco e o desenvolvimento de estratégias para prevenção da exposição no local de trabalho, tanto dos previamente sensibilizados como dos indivíduos sadios.
Referência
1 - Lima , CMF, Hernandes, GHY, Navajas, S, Swarowsky ,G, Kalil, J, Galvão, CES. Doença alérgica ocupacional: aspectos socioepidemiológicos em ambulatório especializado na cidade de São Paulo. Rev Bras Med Trab. 2017 Dec 1;15(4):297-302.
*médica do Serviço de Dermatologia Ocupacional do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh) e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP).
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