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Dia Internacional do Orgulho LGBTI+: Pesquisadora da ENSP aborda a importância do dia

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Publicado em:28/06/2021
A pesquisadora do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP) Vera Marques foi convidada pelo Informe ENSP para falar sobre o Dia Internacional do Orgulho LGBTI+. No texto, a pesquisadora aborda o surgimento e a importância desse dia para a comunidade, além de pontuar conquistas importantes do movimento. 

Recentemente, a pesquisadora também lançou uma obra intitulada Movimento LGBTI e Capilaridade Político-Partidária no Brasil que registra alguns aspectos da luta política do Movimento LGBTI no país desde sua formação nos anos 1990, reunindo discussões como a formação do indivíduo moderno; as implicações e limites de políticas de reconhecimento e redistributivas; além da representação política e a constituição de uma cidadania pautada no direito a ter direitos. O livro ainda evidencia o conservadorismo da Câmara de Deputados e sinaliza seu recrudescimento a partir do final da última década. A obra está disponível tanto na página da editora Appris, quanto em grandes livrarias, como Martins Fontes Paulista e Travessa.



Por Vera Marques*

O ano era 1969. Já havia um histórico de batidas policiais norte-americanas bastante truculentas em locais frequentados por pessoas LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (Travestis e Transexuais). No dia 28 de junho daquele ano, foi realizada nova operação no bar Stonewall Inn em Nova York, que levou à prisão por “conduta imoral” de mais de dez frequentadores do bar, apesar de manifestações em contrário. Diversos protestos se sucederam nas noites seguintes, levando mais de mil pessoas à rua ao terceiro dia. No ano seguinte, inspirada por essas manifestações, a comunidade LGBT local decidiu realizar a primeira parada gay do mundo. Stonewall acabou se tornando um marco central para a constituição política do movimento LGBT. 

No Brasil, de modo semelhante, também ocorriam ações policiais para repressão de pessoas LGBT. O Centro da cidade de São Paulo passava por uma “limpeza” que se traduzia na prisão, especialmente de travestis. A violência e arbitrariedade envolvidas nessas ações levou a um grande protesto que reuniu mais de mil pessoas na cidade entre artistas, movimentos sociais e população LGBT. É também a partir dessa experiência, que se iniciam no Brasil as paradas do orgulho gay. Apesar de seu tom festivo, o evento é uma das estratégias utilizadas pelo movimento desde então para dar visibilidade à sua bandeira política. 

Para muitos, a sigla LGBT é uma verdadeira sopa de letrinhas, que a cada dia vai ganhando novos elementos. Contudo, na verdade, cada letra representa uma identidade politicamente constituída, o que significa que representa um grupo social, que compartilha vivências específicas, a partir das quais constituem uma agenda política e adentram a esfera pública, demandando direitos. Ao longo da história, o movimento vai reconhecendo esses grupos e incorporando-os, formalmente, em sua própria denominação. Atualmente, já se encontra referência ao grupo das pessoas intersexuais, representadas pela letra I, na apresentação, por exemplo, da ABGLT - Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Intersexos. Todavia, em diversos outros contextos, como na Academia e na própria mídia, encontra-se o uso de A (Assexuais), Q (Queer), P (Pansexuais) e até o sinal ‘+’ para englobar diversas outras minorias sexuais.

Apesar dos significativos esforços dispensados pelo movimento e por políticos na Câmara dos Deputados, para se promulgar leis que reconheçam direitos, como da união civil, que tem repercussões nos direitos previdenciários e de herança, por exemplo, e de criminalização da LGBTfobia, até o momento nenhum avanço ocorreu nesse espaço, denunciando a força do conservadorismo brasileiro.

Todavia, é junto ao STF, que o movimento tem conquistado vitórias importantes tanto o próprio reconhecimento da união civil, quanto a possibilidade de mudança de nome de pessoas transexuais na carteira de identidade sem a realização de procedimento cirúrgico e, mais recentemente, a criminalização do preconceito contra pessoas LGBT (LGBTfobia), que envolve pena de prisão e multa, por meio da Lei de Racismo, dentre outras.
A LGBTfobia está presente em diversas esferas da vida social ora restringindo oportunidades, seja de uma formação escolar livre de violência, seja no acesso ao mercado de trabalho e na ascensão a postos de poder, ora até mesmo eliminando vidas. O Brasil é hoje declarado um dos países mais violentos com a população LGBT. Segundo o Relatório Anual de Mortes Violentas de LGBT no Brasil, publicado pelo Grupo Gay da Bahia (instituição precursora no levantamento estatístico de violência contra essa população), em 2020, 224 pessoas foram assassinadas no país por sua orientação sexual e/ou identidade de gênero, sendo travestis e transexuais as maiores vítimas . 

Trata-se, portanto, de um preconceito que exclui e mata, o que demanda ações amplas para seu enfrentamento. A decisão do STF é uma delas, mas tornar a LGBTfobia crime por lei também é mister. Somam-se políticas voltadas à educação e ao mercado de trabalho que valorizem e respeitem a diversidade humana, buscando implementar estratégias equitativas. 

O mesmo se pode dizer para a área da Saúde, incluindo a necessidade de olhar as pessoas em sua integralidade, como preceitua o SUS. Muito se diz sobre o quanto a pandemia do Covid-19 denuncia as desigualdades sociais. Mas, dentre essas, ressalto as que acometem a população LGBT, especialmente travestis e transexuais, particularmente no que se refere à Saúde. O acesso, já bastante precário pela falta de investimentos governamentais na área, foi ainda mais reduzido, seja pelas dificuldades econômicas enfrentadas, já que significativa parcela dessa população possui relações de trabalho profundamente precárias, seja pela prioridade que se deu ao enfrentamento da Covid-19. As implicações de medidas como esta são muitas e incluem a redução de procedimentos previstos no processo transexualizador como as cirurgias. Esse cenário de relevante vulnerabilidade acaba por repercutir na própria expectativa de vida da população trans, bastante reduzida frente à população em geral.

Hoje, 28 de junho, se celebra internacionalmente a resistência da comunidade LGBT em sua luta pelo respeito à diversidade. Que esse dia seja de reflexão, de luta e de ação por uma sociedade mais justa.   


* pesquisadora do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP)


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