Covid-19: Reações adversas a medicamentos em pacientes no Brasil

Ainda não foi identificado um tratamento eficaz contra a Covid-19 e vários fármacos são utilizados sem evidências de sua eficácia, o que em alguns casos pode causar eventos indesejados. No artigo Reações adversas a medicamentos em pacientes com Covid-19 no Brasil: análise das notificações espontâneas do sistema de farmacovigilância brasileiro, de autoria de José Romério Rabelo Melo, Elisabeth Carmen Duarte, Marcelo Vogler de Moraes, Karen Fleck, Amanda Soares do Nascimento e Silva, e Paulo Sérgio Dourado Arrais, foram avaliadas as reações adversas a medicamentos (RAMs) nos pacientes com esta doença, identificadas entre 1º de março e 15 agosto de 2020 no Brasil, e os fatores associados ao surgimento de reações graves.
Foram identificadas 631 RAMs em 402 pacientes. Os medicamentos mais envolvidos foram hidroxicloroquina (59,5%), azitromicina (9,8%) e a cloroquina (5,2%). As reações manifestaram-se, prioritariamente, no sistema cardíaco (38,8%), gastrointestinal (14,4%), tecido cutâneo (12,2%) e hepático (8,9%). A cloroquina e a hidroxicloroquina foram os únicos medicamentos associados a RAM grave. Os achados dos pesquisadores fornecem subsídios para melhores práticas em farmacovigilância, contribuindo para tomada de decisões regulatórias efetivas e seguras pela Anvisa, para os pacientes e toda a sociedade.
Dados da Organização Mundial da Saúde, em 15 de agosto de 2020, confirmavam 21.026.758 casos de Covid-19, com 755.786 mortes no mundo. Os Estados Unidos e o Brasil são os países com o maior número de casos confirmados dessa doença e de mortes no mundo (World Health Organization. WHO coronavirus disease (Covid-19) dashboard. https://covid19.who.int/, acessado em 15/Ago/2020). A pandemia exerce grande pressão nos sistemas de saúde e tem produzido impactos significativos na saúde pública e na economia global. Até essa mesma data, no Brasil, ocorreram 277.107 internações hospitalares de pessoas com Covid-19 (Ministério da Saúde. Covid-19: painel coronavírus. https://covid.saude.gov.br, acessado em 15/Ago/2020).
Dados preliminares de estudos in vitro identificaram atividades antiviral dos fármacos cloroquina e hidroxicloroquina, associados a antibióticos macrolídeos como azitromicina, e estes foram recomendados em alguns países como terapia medicamentosa contra o SARS-CoV-2. Apesar desses fármacos serem indicados para outras doenças, o uso nesta pandemia é experimental, e mesmo o uso compassivo pode representar riscos à saúde devido ao potencial de causar reações adversas, principalmente o risco de cardiotoxicidade.
Conforme o estudo, as reações adversas a medicamentos (RAMs) são consideradas um grave problema de saúde pública e contribuem para o aumento da morbimortalidade e de gastos para o paciente e sistemas de saúde. As RAMs podem prolongar o tempo da internação do paciente, agravando ainda mais a busca por leitos para novos pacientes infectados.
A pesquisa avaliou a fonte de dados VigiBase (https://www.who-umc.org/vigibase/vigibase/), que é o banco de dados global para o recebimento dos ICSR dos países membros do programa de monitoramento de medicamentos da OMS. Esse sistema foi desenvolvido e é mantido em nome da OMS pelo Centro de Monitoramento de Uppsala, na Suécia.
A Anvisa, em 2019, assumiu o VigiFlow (https://www.who-umc.org/global-pharmacovigilance/vigiflow/) como o sistema oficial de notificação de RAMs e adotou o MedDRA como dicionário padrão de termos médicos para as RAMs. No Brasil, esse sistema recebeu o nome de VigiMed (http://antigo.anvisa.gov.br/vigimed). Dessa forma, a Anvisa cumpriu com a diretriz do ICH que trata dos elementos de dados para a transmissão de reações adversas (diretriz E2B). Portanto, todos os conceitos e métodos, tanto de avaliação da causalidade e gravidade, utilizados neste estudo são justificados pelos compromissos da Anvisa como membro do ICH e usados na rotina de suas atividades de monitoramento de RAMs.
O estudo observa que o relato de um caso de paciente com RAM, no VigiMed, pode gerar diversos registros no banco de dados a depender do número de fármacos utilizado e das reações identificadas. Por exemplo, o ICSR (notificações de segurança sobre casos individuais) de um paciente que usou três medicamentos (A, B e C) e apresentou duas reações adversas (X, Y) com os fármacos A e B suspeitos formará cinco registros, com quatro pares de fármaco reação, assim distribuídos: dois do medicamento A com cada reação identificada (AX, AY), dois do medicamento B (BX, BY) e um registro para o medicamento C como concomitante.
Segundo o artigo, cada paciente recebe um ID único e as demais informações de dosagem, posologia, local de origem são repetidas para cada registro criado. Dessa forma, as análises podem se referir às características do paciente, do notificador, aos medicamentos utilizados e aos pares “medicamento-reação”, que são as reações propriamente ditas. Devido à complexidade dos arranjos de dados formados serão avaliados o perfil dos pacientes, dos medicamentos e os pares fármaco-reações formados, visto que a avaliação da gravidade, causalidade e desfecho é baseada no par fármaco-reação formado e não no conjunto dos medicamentos usados.
Foram avaliadas as variáveis relativas às características do notificador (Unidade da Federação de residência, profissão), do paciente (sexo, idade, número de fármacos consumidos, doenças concomitantes), dos medicamentos envolvidos (classe terapêutica, dose cumulativa, grau de suspeição) e das RAMs (tipo, gravidade, causalidade).
As reações mais relatadas pela pesquisa foram o prolongamento do intervalo QT (frequência cardíaca) (33,6%), diarreia (7,4%), prurido (6,5%) e a elevação das transaminases (6%). Cinquenta e seis vírgula quatro por cento de todas as reações foram classificadas como graves. Após o tratamento das RAMs, 62,3% foram recuperadas. Oitenta e sete vírgula dois por cento das reações registraram o nexo causal estabelecido como provável ou possível.
De acordo com o artigo, os farmacêuticos foram os que mais enviaram os relatos de casos com 81,8%, e os médicos só encaminharam 0,8% dos relatórios da base nacional. Esse achado também foi encontrado no estudo cearense sobre Covid-19, em que os farmacêuticos também foram os maiores notificantes (98,8%). Já é notório que os médicos notificam pouco (em torno de 5%) aos sistemas de farmacovigilância. “Essa participação majoritária dos farmacêuticos talvez possa ser explicada, em parte, pelo maior engajamento desses profissionais nas questões de farmacovigilância, como foi demonstrado nos resultados dos estudos do tipo conhecimentos, atitude e práticas (CAP) em farmacovigilância no Brasil e na Etiópia , com esses profissionais apresentando melhores desempenhos do que os demais.”
O artigo destaca que um dos pontos relevantes em um programa de monitoramento de medicamentos é a possibilidade de fornecer informações adicionais de segurança de medicamentos, que antes não foi possível visualizar durante os ensaios clínicos pré-comercialização, principalmente as reações adversas raras. “Sabe-se que medicamentos que apresentam perfil de efetividade/segurança questionável ou incerto requerem vigilância cuidadosa, especialmente aqueles ainda não utilizados em larga escala. Os antimaláricos são medicamentos usados há muitos anos em regiões endêmicas para a malária em todo o mundo e, no Brasil, restrito aos estados endêmicos da Região da Amazônia Legal. Porém, o seu uso em grande escala em outras populações e para outras finalidades ainda não adequadamente avaliadas, merece grande cautela.”
Em consulta à bula do medicamento hidroxicloroquina no bulário eletrônico da Anvisa (http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/index.asp, acessado em 15/Ago/2020) foi observado que as reações como as alterações dos testes de função hepática são consideradas incomuns. No entanto, essa informação está baseada em resultados de estudos clínicos com dosagens terapêuticas já aprovadas para o uso, por exemplo, em doenças reumáticas, situação bem diferente da atual que é o uso sem a indicação na bula do medicamento (off label). É necessária uma maior vigilância dos efeitos hepáticos para esse medicamento, visto que a população exposta atualmente é muito diferente daquela do estudo clínico desse medicamento, ressaltam os pesquisadores.
Leia o artigo na íntegra aqui.
Fonte: Cadernos de Saúde Pública
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