Gestão da Assistência Farmacêutica para Medicamentos Judicializados precisa ser revista, segundo artigo da ENSP

Segundo o artigo Falhas na gestão da Assistência Farmacêutica para Medicamentos Judicializados (MedJus), em 16 municípios da região Sudeste brasileira, das pesquisadoras Tatiana de Jesus Nascimento Ferreira, Rachel Magarinos-Torres e Claudia Garcia Serpa Osorio-de-Castro, da ENSP; e Claudia Du Bocage Santos-Pinto, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, as solicitações de medicamentos, insumos e serviços de saúde por via judicial passaram a se intensificar em áreas específicas, como a da Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida (Sida) ou Human Immunodeficiency Virus/Acquired Immune Deficiency Syndrome (HIV/Aids), agudizando-se e tornando-se mais abrangentes nos anos 2000.
Para as pesquisadoras, considerando que a provisão de medicamentos é de responsabilidade solidária entre os entes federativos, e de repercussão geral, a judicialização parece interferir diretamente neste aspecto da gestão da Assistência Farmacêutica (AF), especialmente no nível municipal, que proporcionalmente detém menor poder aquisitivo e maior dependência das instâncias superiores. “Importa também a qualidade da gestão da AF presente, seja no estado ou no município, campo ‘fértil’ para o estabelecimento e crescimento da judicialização.”
Investigando alguns municípios, Santos-Pinto postulou que uma gestão incipiente da AF retroalimentaria a ocorrência de demandas judiciais por medicamentos. Frente à escassez de recursos e à necessidade de mobilização da gestão para atender às demandas, importa saber como um município gere os MedJus.
O artigo explica que a região Sudeste brasileira é um local importante dentro do contexto nacional, seja pelo seu desenvolvimento socioeconômico ou pela maior concentração de dispositivos médico-assistenciais. “Devido ao aumento de volume e impacto financeiro despendido para o cumprimento das demandas judiciais no país, principalmente nesta região, ao longo da última década, ela foi considerada como lócus privilegiado de estudo de demandas judiciais, verificando diferentes gestões municipais.”
Para a pesquisa, foram selecionados quatro municípios de cada estado da região sudeste brasileira, perfazendo um total de 16 municípios, escalonados, por estado, pelos seguintes aspectos: aqueles que, nos últimos cinco anos, foram os mais afetados por ações judiciais
(em número absoluto); e os que sofreram com desastres e emergências sanitárias. Ambos os aspectos exerceram, de modo simultâneo, pressão sobre as contas municipais. Os municípios de pequeno porte foram excluídos, uma vez que a intenção era eximir casos de
municípios com menor capacidade de gestão e baixa disponibilidade de recursos da AF, o que foi relatado por diversos autores em relação a municípios muito pequenos. Foram contempladas as dimensões de recursos humanos, recursos financeiros e atividades da AF julgadas essenciais no estudo das demandas (procedimentos específicos para gestão das demandas, processos de aquisição de MedJus e dispensação de MedJus).
Os resultados da pesquisa observaram que em nove (56%) municípios, a gestão dos medicamentos e insumos solicitados por via judicial cabia ao gestor da AF local. Quatro (25%) gestores relataram que cabia a outro setor da Secretaria Municipal de Saúde a gestão das demandas, e três (18,75%) gestores sequer sabiam a qual setor competia a responsabilidade.
Na dimensão ‘Recursos Financeiros’, os indicadores do estudo demonstram que a maior parte dos gestores (75%) não soube informar os valores despendidos. Dos que souberam informar, quatro (25%) referiram que os valores despendidos eram maiores do que os valores mobilizados para a aquisição dos medicamentos previamente selecionados e programados. Esse estudo identificou que 10 dos 16 gestores (62,5%) não souberam informar o montante de recursos financeiros mobilizado para compras classificadas como ‘emergenciais’. Entre esses dez gestores, dois relataram que o município gastava mais em compras emergenciais do que em compras regulares. Todos os gestores apontaram que os recursos financeiros para a aquisição dos medicamentos para o cumprimento de demandas judiciais e administrativas foram mobilizados do Tesouro Municipal ou do Fundo Municipal de Saúde.
Um alerta importante do estudo revela que a pouca ou quase nula comunicação entre os agentes do serviço municipal e o judiciário também se configura como uma chave importante na falha execução dos serviços mediados pela gestão da AF. “Essa situação se intensifica pela inexpressiva quantidade de pareceres técnicos, reforçando a inabilidade no manejo de tal atribuição, e contrapõe experiências exitosas, pontuais no país.”
Para as pesquisadoras, uma gestão com falhas e deficiências desfavorece a provisão pública de medicamentos. “A constatação de falhas primitivas no gerenciamento dos MedJus é preocupante, pois, inevitavelmente, as demandas se intensificam e, em se perpetuando a forma de condução, o sistema não suporta as necessidades da população.” Elas acrescentam que ainda que o entendimento do setor judiciário seja no sentido de fornecimento indistinto de medicamentos inseridos ou não nas listas oficiais, e obedecendo ou não aos arranjos federativos, a gestão da AF deve ocupar-se em cumprir as atividades do seu escopo, objetivando sempre a racionalização de recursos públicos, que são finitos; a segurança do paciente na utilização de diferentes terapêuticas medicamentosas, por vezes concomitantes; a garantia da manutenção dos estoques de forma adequada; e, especialmente, a aproximação com o judiciário local.
Por fim, o estudo aponta que os problemas da gestão municipal da AF vêm sendo apresentados e discutidos há anos, mas é fato que sua resolução não vem sendo suficientemente buscada. “Falta um olhar mais cuidadoso sobre a responsabilidade da gestão municipal e sobre a efetividade de serviços”, finaliza.
O artigo foi publicado na revista Saúde em Debate.
Fonte: Artigo Saúde em Debate
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