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Fiocruz apresenta resultados inéditos sobre gestação, parto e nascimento no RJ

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Publicado em:05/09/2025
Pesquisa destaca que 18% das mulheres apresentaram sintomas de depressão e aproximadamente dois terços relataram ter sofrido pelo menos um tipo de violência obstétrica

Por Danielle Monteiro

A Fiocruz lançou, nesta quarta-feira (3/9), a segunda edição do estudo Nascer no Brasil, com dados inéditos sobre gestação, parto e nascimento no Estado do Rio de Janeiro. A pesquisa traz informações exclusivas sobre o perfil das puérperas, características das maternidades, adequação ao pré-natal, amamentação, saúde mental materna, além de taxas de cesarianas, partos vaginais e boas práticas, e violência obstétrica.

Os resultados foram publicados em uma série com sete artigos na Revista de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Coordenada pela ENSP/Fiocruz, a pesquisa teve o apoio do Ministério da Saúde (MS), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Fundo Newton. A primeira edição do estudo, publicada há dez anos, é conhecida como um marco na produção de conhecimento sobre saúde materno-infantil no país.

A pesquisa envolveu 29 maternidades públicas e privadas localizadas em 18 municípios fluminenses. Foram entrevistadas 1.923 mulheres durante a internação para o parto ou por perda fetal e obtidas informações de cadernetas da gestante e de prontuários de puérperas e recém-nascidos. A coleta de dados ocorreu entre 2021 e 2023. Gestores e profissionais de saúde também contribuíram para a avaliação da estrutura e dos processos assistenciais dos serviços de obstetrícia e neonatologia.

Nascer no Brasil 2

O 'Nascer no Brasil 2 - Pesquisa Nacional sobre Perda Fetal, Parto e Nascimento' foi realizado uma década após o lançamento de sua primeira edição, que apontou alto índice de cesarianas no sistema de saúde nacional

                     
O lançamento dos resultados fez parte das celebrações dos 125 anos da Fiocruz e dos 71 anos da ENSP


O estudo teve como objetivo dimensionar o panorama da saúde obstétrica, com base em informações sobre as condições socioeconômicas das mulheres, os fatores de risco gestacionais, o acesso e a qualidade dos serviços de saúde, além das condições do parto e do nascimento e os principais desfechos maternos e neonatais, oferecendo um acompanhamento ampliado do cenário da assistência à saúde sexual e reprodutiva no país. As análises exploram diferenças regionais, comparando a atenção ao parto na capital fluminense, na Região Metropolitana e no interior, e entre hospitais públicos e privados, apresentando um panorama das desigualdades no acesso e na qualidade do cuidado. 

Em uma próxima etapa, prevista para ser lançada em 2026, o Nascer no Brasil 2 vai revelar dados sobre gestação, parto e nascimento de todo o país.

"Em sua segunda edição, a pesquisa incorporou novos temas e ampliou a amostra em alguns locais, o que garante representatividade, além de criar um retrato sobre as formas de gestar, parir e cuidar no estado", afirmou a médica, coordenadora do estudo e pesquisadora da ENSP, Maria do Carmo Leal


"O lançamento não apenas simboliza um momento importante de divulgação dos resultados e diálogo com a sociedade, mas também reforça a urgência de qualificar a atenção à gestação e ao parto e nascimento como um caminho essencial para a redução da mortalidade materna no país”, disse a enfermeira, coordenadora-adjunta do estudo e pesquisadora da ENSP, Silvana Granado

Violência obstétrica

Aproximadamente dois terços das mulheres relataram ter sofrido pelo menos um tipo das violências investigadas. A dimensão de toques vaginais inadequados foi a mais relatada (46%), seguido por negligência (31%), abuso psicológico (22%), estigma e discriminação (8%) e abuso físico (3%). Foi constatada desigualdade na ocorrência do problema, com maior vulnerabilidade entre mulheres em condições socioeconômicas desfavoráveis.

Também foram observadas disparidades relacionadas ao estigma e discriminação de acordo com algumas características demográficas, como cor de pele preta e mulheres sem companheiro, bem como abuso físico e toques vaginais inadequados entre mulheres com idade acima de 35 anos e escolaridade inferior a 12 anos de estudo. Mulheres primíparas, que entraram em trabalho de parto, com trabalho de parto prolongado e que tiveram parto vaginal também apresentaram maiores prevalências de violência obstétrica em algumas das dimensões investigadas.

Perfil das puérperas

Os dados apontaram que um em cada dez partos aconteceu em adolescentes, enquanto o dobro ocorreu em mulheres com idade materna avançada, ou seja, 35 anos ou mais. Segundo as coordenadoras do estudo, os resultados indicam maior complexidade e requerem melhor qualificação do serviço público. “As faixas etárias extremas da vida reprodutiva estão associadas ao aumento de risco de complicações obstétricas e perinatais. Já a gravidez na adolescência demanda atenção diferenciada em razão dos maiores riscos de óbito perinatal, parto prematuro e restrição do crescimento fetal, especialmente nas mais jovens”, explicam.


As adolescentes peregrinaram mais em busca de atendimento para o parto e também foram menos vinculadas à maternidade, além de ter menor chance de contar com acompanhante em tempo integral. Elas apresentaram menor prevalência de diabetes gestacional, porém maiores chances de desfechos perinatais negativos, como óbito perinatal e ter um recém-nascido termo precoce (com 37 a 38 semanas gestacionais). 

No grupo com idade superior a 35 anos, houve maior chance de síndromes hipertensivas, diabetes gestacional, descolamento prematuro de placenta e morbidade materna grave. Em contrapartida, elas receberam mais orientação sobre a maternidade de referência. 

Atenção ao parto

Entre as mulheres atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS), 80% tiveram acompanhante em tempo integral. No setor privado o índice foi de 98%. Mais da metade das mulheres entrou em trabalho de parto. O parto vaginal ocorreu em 46% delas, com elevado uso de boas práticas como alimentação, liberdade de movimentos e uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor. 

Em relação ao Nascer no Brasil 1, houve redução de intervenções no parto, inclusive no uso de medicamentos para acelerar o processo. “Os resultados demonstram o aprendizado das equipes de saúde, adotando novo manejo da atenção ao trabalho de parto e parto no estado”, celebram as coordenadoras da pesquisa.


Por outro lado, o suporte de enfermeiras obstétricas e obstetrizes no trabalho de parto foi de apenas 17%. “A assistência por essas profissionais é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e está associada ao menor uso de intervenções e de proporção de cesarianas, além de maior satisfação das mulheres”, alertam as autoras do estudo. 

A analgesia peridural foi ofertada para apenas 1% das parturientes do SUS. Para as usuárias do setor privado, o acesso ao procedimento foi de 30%. “A oferta de analgesia peridural se associou com o parto vaginal, sendo uma tecnologia útil para alívio da dor do parto, podendo ser uma aliada na redução de cesarianas sem indicação clínica”, afirmam Maria do Carmo Leal e Silvana Granado. 

Os dados também apontam que as taxas de cesarianas ainda se mantêm altas, conforme constatou a primeira edição do estudo, sendo mais frequentes nos municípios do interior (66%) e no setor privado (85%), principalmente as realizadas antes do trabalho de parto. 

Mulheres que tiveram filhos no SUS tiveram chance quase dez vezes maior de entrar em trabalho de parto em comparação com as que tiveram financiamento privado. “Nesse setor, observou-se que, quando a parturiente entra em trabalho de parto, ela evolui para um parto vaginal quase tanto como no setor público. Entretanto, apenas 15% das mulheres da rede privada tiveram parto vaginal e o modelo da cesariana sem trabalho de parto é o que prevalece”, lamentam as autoras da pesquisa. 

Ser atendida em serviço público e ter um parto vaginal anterior foram as principais variáveis que contribuíram para a ocorrência do parto vaginal no estado. “A preferência da mulher pelo parto vaginal no final da gestação, a presença da doula e a oferta de analgesia peridural também foram fatores importantes”, observam as coordenadoras do estudo. 

Atenção pré-natal

Os dados indicam que, apesar da cobertura da assistência pré-natal no Rio de Janeiro ser praticamente universal (98%), a sua adequação foi inferior a 1% no estado, ao se considerar todas as recomendações do Ministério da Saúde. Do total de gestantes entrevistadas, 79% iniciaram o acompanhamento médico até a décima segunda (12ª) semana de gestação e 75% realizaram o número mínimo de consultas para a idade gestacional no parto.

“As gestantes usuárias do serviço de saúde privado apresentaram melhor desempenho, evidenciando as desigualdades que persistem no país”, observam as autoras da pesquisa. Menos de 20% das mulheres receberam todas as orientações recomendadas: riscos e benefícios sobre tipos de parto, maternidade de referência e uso de álcool e tabagismo. Segundo as autoras, a baixa adequação ao pré-natal pode ser um dos fatores por trás da elevada razão de mortalidade materna, fetal e perinatal, e de incidência de sífilis congênita no estado, que é superior à média nacional.

Saúde mental materna 

Os resultados mostram que 18% das mulheres apresentaram sintomas de depressão, 16% de ansiedade e 8% de estresse pós-traumático associado ao parto. Baixa escolaridade e história de transtorno mental prévio estiveram associados aos sintomas dos três transtornos. Do total, as mulheres com sintomas de estresse pós-traumático apresentaram quadro de maior vulnerabilidade. Iniquidades sociais e desfechos negativos no parto e nascimento foram fatores associados ao resultado. 

Amamentação

Dos 1.537 recém-nascidos incluídos na pesquisa realizada no estado, cerca de 60% receberam contato pele a pele, sendo também amamentados ainda na primeira hora de vida. Do total, 87% deixaram o hospital alimentados exclusivamente com leite materno. Aos dois meses, a amamentação se manteve para 95% dos bebês, no entanto, apenas 61% seguiram com o aleitamento materno exclusivo.

                                   
                                                                                                               
A alta hospitalar, acompanhada de introdução de fórmula infantil, reduziu de forma expressiva a manutenção tanto do aleitamento materno quanto do aleitamento materno exclusivo, aos 2 meses de vida. A prática foi mais frequente em hospitais privados, em mulheres submetidas à cesariana e entre recém-nascidos de 37 a 38 semanas de gestação (termo precoce). 

“Aumentar a proporção de crianças em aleitamento materno exclusivo ainda é um desafio, sendo fundamental ampliar a adesão às práticas de proteção da amamentação nos hospitais, fortalecendo diretrizes para reduzir o uso de fórmulas infantis em ambiente hospitalar, especialmente no setor privado”, propõem as autoras.

Características das maternidades 

Os dados apontam que os hospitais de maior complexidade, com leitos de unidade de tratamento intensivo adulto e neonatal (UTI/Utin), representam cerca de 30% do total dos públicos e 85% dos privados. “Dos estabelecimentos públicos e privados conveniados ao SUS, metade não estava cadastrada no Sistema Nacional de Regulação (Sisreg) para internação de gestantes e recém-nascidos de risco, expressando a falta de organização da rede de atenção para esse grupo”, observam as autoras.

Apesar da presença ininterrupta de obstetras durante as 24 horas em todos os estabelecimentos estudados, foi observada baixa presença de anestesistas, enfermeiras obstetras e neonatologistas. “Isso pode gerar falhas na assistência a mulheres em processo de abortamento, em trabalho de parto e parto e aos recém-nascidos”, alertam Maria do Carmo e Silvana. 

O estudo também indicou que maternidades do SUS de menor complexidade não atendem à legislação quanto à disponibilidade de medicamentos essenciais para o manejo adequado das emergências obstétricas, incluindo complicações hipertensivas e hemorrágicas. Também faltaram equipamentos mínimos necessários ao atendimento de emergência para a mulher. Já na rede privada, esses problemas não foram identificados. 

“Os resultados evidenciam diferenças na disponibilidade de equipamentos e insumos dos serviços de atenção ao parto e nascimento, segundo o tipo de financiamento e grau de complexidade”, explicam as autoras.


Lançamento dos resultados

O evento de lançamento dos resultados da Nascer no Brasil 2 contou com a presença do diretor da ENSP, Marco Menezes, da coordenadora da pesquisa, Maria do Carmo Leal, do secretário municipal de saúde do Rio de Janeiro, Daniel Soranz, do coordenador da Área Técnica Saúde das Mulheres da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, Antônio Rodrigues, e da assessora do Departamento de Gestão do Cuidado Integral/SAPS do Ministério da Saúde, Mariana Seabra, representando a Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde.

Também estiveram presentes a representante da Secretaria Municipal de Saúde de Niterói, Barbara Macedo; o representante do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marcus de Carvalho; a representante da Direção do Complexo Hospitalar Municipal Souza Aguiar; Roberta Viana, além de Debora Rodrigues, que representou a deputada estadual Renata Souza.

Participaram, ainda, a presidente da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (Rehuna), Daphne Rattner; a presidenta da Associação de Doulas do Estado do Rio de Janeiro, Gabriela Santoro; além das diretoras Vivian Folly, do Hospital da Mulher Mariska Ribeiro no Rio de Janeiro, e Simone dos Santos, da Casa de Parto David Capistrano Filho. 

A programação da cerimônia incluiu a exibição do teaser da série documental 'Entre contrações e esperanças: Nascer no Brasil 2 – até onde avançamos?' e a exposição 'Nascer no Brasil é reforçar a soberania: retratos desde o Rio de Janeiro'. 


   

   

Fotos: Karina Caetano, Pedro Teixeira e Virginia Damas





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