Covid-19: ‘Cadernos de Saúde Pública’ de abril aponta desafios para a saúde de populações
Werneck aborda o artigo Covid-19 e assistência ambulatorial: uma pesquisa domiciliar de abrangência nacional, presente neste fascículo de CSP, considerando que pandemias têm efeitos deletérios muito além daqueles visíveis nas estatísticas de morbimortalidade pelo agravo em tela. Experiências anteriores mostram que pandemias provocam impactos em uma ampla gama de ações de controle de outras doenças. A reorganização dos serviços de saúde e o redirecionamento dos recursos financeiros e humanos para ações de enfrentamento da pandemia provocam atrasos no diagnóstico e tratamento, dificuldades de manutenção de programas de controle e descontinuidade nas ações de vigilância e monitoramento. O comprometimento de indicadores operacionais da tuberculose, a redução das coberturas vacinais e o atraso nos exames de rastreamento de câncer são exemplos já evidentes em nosso contexto. Infelizmente, muitos efeitos podem ainda não ser visíveis, mas envolvem o risco de reemergência de doenças imunopreveníveis, como sarampo e poliomielite, aumento da carga de doenças negligenciadas, como tuberculose e dengue, e aumento na mortalidade por câncer. Outro efeito pouco lembrado, mas de grande relevância, é a redução da capacidade de coleta e análise de dados epidemiológicos para fins de avaliação e planejamento.
O artigo citado, para ele, contribui para mapear a amplitude e gravidade desse problema. Por meio de um inquérito populacional de 133 cidades brasileiras no início da pandemia, os autores mostram que cerca de um quarto dos entrevistados relataram não ter procurado atenção à saúde, mesmo percebendo-se doentes, e/ou deixaram de comparecer a consultas de rotina ou de rastreamento nos primeiros meses da pandemia. “Os resultados são impressionantes, considerando que os dados foram coletados numa fase da pandemia em que o número de casos e de óbitos registrados no Brasil correspondia a menos de 20% no total acumulado até março de 2022. Assim, é razoável supor que o problema deve ter se agravado, talvez menos em termos de sua frequência relativa, mas possivelmente no que diz respeito ao tempo passado entre a data da necessidade de atenção ou do agendamento da consulta e sua efetiva realização.”
Outro aspecto que merece destaque, segundo Werneck, dentre os resultados do estudo são os principais motivos elencados para o não comparecimento aos serviços de saúde: receio de adquirir a infecção pelo SARS-CoV-2 (46%) e o fechamento dos serviços de saúde (21%). Ambos refletem aspectos dramáticos da resposta catastrófica do país à pandemia: a falta de mobilização da rede de atenção primária à saúde (APS) em detrimento da atenção hospitalar. É possível que parte dessa falta centralidade da APS no contexto da pandemia tenha decorrido do receio de que o aumento da demanda nas unidades básicas de saúde pudesse gerar risco de infecção aumentado tanto para usuários como para profissionais de saúde, dada a alta capacidade de propagação do SARS-CoV-2, o que estaria em consonância com a percepção dos entrevistados. Tal preocupação encontra algum respaldo, considerando a limitação de acesso a equipamentos de proteção individual no início da pandemia e a necessidade de reorganização e adaptações estruturais e do fluxo de atendimento em um contexto em que a força de trabalho em saúde já se encontrava sobrecarregada, disse. No entanto uma APS forte, resolutiva e abrangente é mais do que nunca essencial para um adequado enfrentamento da pandemia. Dificuldades operacionais e estruturais para adequar a APS às necessidades de biossegurança apresentadas pela pandemia teriam que ser enfrentadas de forma prioritária, de acordo com os princípios básicos de enfrentamento de emergências em saúde pública.
Por fim, o artigo de Horta et al. evidencia de maneira eloquente a iniquidade nos impactos da pandemia na população. Os dados apresentados mostram que foram justamente os mais pobres, as populações negra e indígena, os moradores das regiões Norte e Nordeste e os com maior número de condições preexistentes aqueles que mais deixaram de procurar atenção à saúde e/ou não compareceram a consultas de rotina.
Sobre outro tema, no artigo Iniquidades étnico-raciais na mortalidade infantil: implicações de mudanças do registro de cor/raça nos sistemas nacionais de informação em saúde no Brasil, os autores Aline Diniz Rodrigues Caldas, Ricardo Ventura Santos e Andrey Moreira Cardoso discutem as repercussões da mudança na metodologia de coleta da variável cor/raça no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) sobre as taxas de mortalidade infantil (TMI) segundo cor/raça no Brasil. Foram analisadas as variações anuais nas frequências de nascidos vivos e óbitos infantis por cor/raça entre 2009 e 2017. As TMI por cor/raça foram estimadas segundo três estratégias: (1) método direto; (2) fixando-se, em todos os anos, as proporções de nascidos vivos por cor/raça observadas em 2009; e (3) fixando-se, em todos os anos, as proporções de óbitos por cor/raça observadas em 2009. As estratégias visaram explorar o efeito isolado das variações nas proporções de nascidos vivos ou de óbitos por cor/raça sobre as estimativas de TMI antes e após a mudança da variável cor/raça no SINASC. De 2011 para 2012 (ano de mudança da variável cor/raça no SINASC), verificou-se súbito incremento das Declarações de Nascidos Vivos (DNV) de cor/raça preta, parda e indígena, acompanhado de redução de DNV de cor/raça branca, sem variações correspondentes nos óbitos. O incremento do denominador da TMI das categorias de cor/raça socialmente mais vulnerabilizadas resultou na atenuação das TMI de pretos e indígenas, no incremento da TMI de brancos e, consequentemente, na redução artificial das iniquidades na mortalidade infantil por cor/raça. A mudança da variável cor/raça no SINASC interrompeu a série histórica de nascidos vivos por cor/raça, afetando os indicadores que potencialmente dependem desses dados para seu cálculo, como a TMI. Argumenta-se que as TMI por cor/raça antes e após a mudança no SINASC são indicadores distintos e não comparáveis.
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Fonte: CSP
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