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Beco sem saída? Ceensp debate desafios da Ciência Aberta diante dos oligopólios de editoras privadas

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Publicado em:12/04/2024
Por Barbara Souza

A edição especial do Centro de Estudos Miguel Murat Vasconcellos realizada nesta quarta-feira (10/4) na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) promoveu um debate sobre o mercado da publicação científica e a plataformização da ciência, com reflexões sobre os riscos e desafios do modelo que tem prevalecido na ciência em todo o mundo. A atividade foi uma iniciativa do Núcleo de Ciência Aberta da ENSP e integrou a programação da Conferência Livre “Acesso Aberto: Possibilidades e Limites dos Acordos Transformativos e APCs”, organizada pela Fiocruz. 



O Ceensp foi coordenado pela Vice-Diretora de Pesquisa e Inovação da ENSP/Fiocruz e editora-chefe de Cadernos de Saúde Pública, Luciana Dias de Lima. Ao abrir o Centro de Estudos, ela destacou que o tema é “extremamente relevante e oportuno, tendo em vista as profundas transformações que estão ocorrendo nas últimas décadas, ampliando a incorporação de tecnologias digitais nos processos que envolvem a produção, a comunicação e a divulgação do conhecimento científico”. Ela disse ainda que tais transformações afetam diretamente a ciência e também o mercado de publicação científica, que é “extremamente concentrado em grandes conglomerados editoriais, com faturamento bilionário, que drenam um volume expressivo de recursos públicos”. Por trás deste processo, ressaltou Luciana, há um sistema de avaliação da ciência que sobrevaloriza a produtividade científica e que tem como base um conjunto limitado de indicadores questionáveis quanto a real capacidade de aferir a qualidade das publicações. 

Além de expor a problemática, que se torna ainda mais grave ao ter em vista o ideal de uma prática científica mais solidária, colaborativa e com mais responsabilidade social, a coordenadora da edição especial do Ceensp também destacou que há um movimento de resistência. “Por outro lado, há um movimento de reação a essas transformações. Há vários editores de revistas importantes reagindo a esse sistema e se colocando criticamente contra a concentração das publicações e também da arrecadação de taxas exorbitantes. Há também movimentos que visam modificar e avançar no nosso sistema de avaliação da ciência, dos pesquisadores e das organizações científicas”, afirmou Luciana.

A primeira palestrante foi a analista da Capes e pesquisadora da UFRJ, Tatiane Pacanaro Trinca, que abordou o tema ‘Ciência Aberta e Plataformização Acadêmica’. Ela apresentou a definição de Ciência Aberta da Unesco, contextualizou os conceitos de plataforma e de plataformização, exemplificou como os processos de plataformização se efetuam sobre o ecossistema da pesquisa acadêmica e problematizou as repercussões e possíveis tensões de tudo isso com os princípios da Ciência Aberta. 

Tatiane Pacanaro fez questionamento a respeito de um paradoxo que se impõe como um desafio: como promover Ciência Aberta em meio a um sistema de avaliação dependente das ferramentas das grandes plataformas privadas? “Por um lado, há ampliação de iniciativas em prol da ciência aberta. Por outro lado, o sistema de avaliação se coloca como um grande obstáculo para o avanço dela. Aliado a isso, há uma crescente dependência das bibliotecas, das instituições de pesquisa, das universidades e das agências de financiamento em relação às infraestruturas de ferramentas e indicadores fornecidos pelas grandes editoras comerciais. Este cenário fortalece os modelos econômicos em torno das plataformas privadas em desacordo com os princípios da Ciência Aberta”, criticou. 

Outro ponto que chamou a atenção na fala da pesquisadora da UFRJ foi a respeito de uma profunda mudança no modelo de negócios das grandes editoras científicas. “Como, em menos de dez anos, as grandes editoras passaram de uma oposição ferrenha ao acesso aberto a uma adesão parasitária da ciência aberta?”, questionou. Durante a apresentação, Tatiane expôs, com exemplos, como ocorreu esta transformação. Após aprofundar os riscos associados à plataformização das infraestruturas digitais acadêmicas, ela encerrou com questões para reflexão sobre como proteger os valores públicos da ciência, como construir uma infraestrutura aberta e inclusiva e sobre o papel do movimento pelo acesso aberto na ampliação da diversidade epistêmica. 

Coordenadora de Informação e Comunicação da Vice-presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz (VPEIC), Vanessa Jorge, falou sobre o ‘Pagamento de Taxas de Processamento de Artigos na Fiocruz: Panorama e Recomendações’. Ela lembrou que 2024 é o “ano do acesso aberto” na Fiocruz, já que a política institucional sobre o tema completa dez anos. Após esta década, marcada por profundas modificações, discute-se uma atualização deste documento. Vanessa explicou que há uma nova proposta em debate, formulada pelo Grupo de Trabalho em Acesso Aberto, da Câmara Técnica de Informação e Comunicação da Fiocruz. 

Após analisar tendências dos cenários internacional e nacional, apresentando a postura e principais decisões recentes dos editores, financiadores e governos, a Coordenadora de Informação e Comunicação da VPEIC focou num problema crucial: os altos montantes gastos com Article Processing Charge (APC), ou seja, a taxa de processamento de artigo cobrada dos autores para disponibilizar um artigo em acesso aberto num periódico. Ela apresentou dados de um levantamento feito com as unidades da Fiocruz e mostrou que, no âmbito do Programa Capes/Print, entre 2019 e 2023, foi investido R$ 1,2 milhão para a publicação de 124 artigos. A média de valor pago por artigo é de R$ 9,7 mil.

Vanessa Jorge apresentou uma série de recomendações para reduzir o desembolso desses valores. Ela destacou a ideia de publicizar na comunidade da Fiocruz uma listagem de revistas científicas em Acesso Diamante e suas respectivas avaliações pelo Qualis/Capes. “Com base na produção da Fiocruz monitorada pelo Observatório em CT&l em Saúde, criamos uma listagem de revistas que não cobram APC, com seus respectivos Qualis. Foram identificadas 446 periódicos, dos quais 320 têm o Qualis igual ou superior a B1”, detalhou. Por fim, ela listou uma série de sugestões de novas diretrizes para a atualização da Política de Acesso Aberto ao Conhecimento da Fiocruz, destacando que é preciso “sensibilizar a comunidade sobre os desafios da construção de um ecossistema da Ciência Aberta”.

Também participam do evento, como debatedoras, a pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e coordenadora do Fórum de Editores de Saúde Coletiva da Abrasco, Angélica Ferreira Fonseca; e a pesquisadora do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) e editora Associada de CSP, Suely Deslandes. Ambas provocaram reflexões sobre a responsabilidade dos pesquisadores e das instituições frente aos oligopólios de editoras comerciais que dominam todas as etapas do processo científico no mundo. “A questão da desigualdade sempre foi fundamental para nós da saúde coletiva, assim como a incorporação de novos sujeitos na produção do conhecimento. Mas parece que vivemos em utopia, sendo engolidos. A Fiocruz é uma instituição fundamental, que enfrenta a ideia de desigualdade. Eu pergunto: como podemos construir um processo contra-hegemônico?”, questionou Angélica.

Suely Deslandes defendeu uma mudança na cultura atual do prestígio científico ao falar de “economia simbólica de prestígio”. Segundo a pesquisadora, “tem que ter uma valorização também simbólica que parta de nós. Publicar em revistas diamantes, em revistas brasileiras tem que ser prestigioso”. Ela ressaltou que, para que este tipo de prestígio seja materializado, é necessário um “posicionamento indutor claro em editais, em critérios e indicadores”.

A Conferência Livre “Acesso Aberto: Possibilidades e Limites dos Acordos Transformativos e APCs” tem o objetivo de debater as atuais tendências e disputas ao redor deste movimento internacional e influenciar as definições da próxima Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação 2024-2030. A Conferência Livre da Fiocruz, etapa preparatória para a 5ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia & Inovação, que ocorrerá em junho, em Brasília, teve também uma atividade no dia 9 de abril. O debate “Acesso Aberto: Possibilidades e Limites dos Acordos Transformativos” foi realizado no Museu da Vida e também está disponível, basta acessar o canal da VídeoSaúde no YouTube para assistir na íntegra. O evento foi organizado em parceria pela Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC/Fiocruz) e o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).

Assista ao Ceensp na íntegra:



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