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Especialistas alertam para desafios da ‘municipalização’ na gestão do SUS e defendem cooperação

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Publicado em:17/02/2025
Por Bruna Abinara e Danielle Monteiro

O processo de ‘municipalização’ na gestão do Sistema Único de Saúde e a importância da cooperação entre as esferas municipal, estadual e federal em meio a um cenário federativo complexo deram o tom à Sessão Especial ‘Gestão Municipal no SUS no Ciclo 2025 – 2028: Experiências e Desafios’, promovida, na última quarta-feira (12), pelo Observatório do SUS da ENSP, em parceria com o Conselho de Secretarias Municipais 
de Saúde do Estado do Rio de Janeiro (COSEMS/RJ). O evento contou com a conferência ‘Gestão Municipal do SUS: trajetória e contexto atual’, ministrada pelo presidente da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), Arthur Chioro.

Na abertura da mesa institucional, o diretor da ENSP, Marco Menezes, enfatizou a importância de espaços de diálogo para enfrentar os desafios do Ciclo 2025-2028 da Gestão Municipal do SUS. “Essa atividade marca bem a proposta do Observatório do SUS, que é um espaço para essa conversa na parceria com a sociedade civil organizada e instituições como Abrasco, Conselho Nacional de Saúde e COSEMS”, reforçou. Menezes apontou a criação de meios para aperfeiçoar a participação social na gestão local da saúde, a regionalização, o financiamento e a questão das carreiras no SUS como as principais ações a serem desenvolvidas. O enfrentamento da emergência climática e da crise hídrica também foi citado pelo diretor como um desafio. “É muito importante ter essa mobilização junto à sociedade, especialmente nesse momento de enfrentamento ao negacionismo científico, para que esse seja um espaço de reafirmação do nosso posicionamento pela ciência e pela vida”, declarou.  
 
Já o coordenador do Observatório do SUS e vice-diretor da Escola de Governo em Saúde da ENSP, Eduardo Melo, definiu o seminário como uma atividade oportuna, diante do novo ciclo da gestão municipal e do papel histórico desempenhado pela gestão municipal na construção do SUS e na Saúde do país. “Esse evento vai gerar reflexões e debates acerca de aspectos estratégicos, que envolvem a gestão do Sistema Único de Saúde. Muitos que estão aqui presentes são secretários municipais de saúde que acabaram de assumir. Acreditamos que esta atividade contribuirá significativamente para o fortalecimento da gestão municipal no SUS”, afirmou.

O vice-presidente do COSEMS, Leônidas Heringer, destacou que, recentemente, o país enfrentou um período de negação da ciência e vivencia um reflexo desse tempo até hoje, com desafios gigantescos na gestão em suas diversas dimensões. “Não podemos pensar em saúde sem pensarmos em uma política de financiamento efetivamente justa entre os governos federal, estadual e municipal”, defendeu. 

A trajetória da gestão municipal do SUS

Durante a conferência ‘Gestão Municipal do SUS: trajetória e contexto atual’, o presidente da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), Arthur Chioro, apresentou um panorama histórico da atuação dos municípios na gestão da saúde e refletiu sobre os desafios atuais. "A introdução dos municípios na cena da gestão municipal é algo recente no Brasil", afirmou o palestrante. Chioro contextualizou que, na década de 1970, os municípios receberam a primeira atribuição sanitária, no entanto, o atendimento era totalmente baseado no modelo de queixa-conduta. Segundo o presidente da Ebserh, era tarefa da prefeitura o cuidado da prevenção, junto com algumas ações de vigilância sanitária e epidemiológica. "O cuidado integral não estava na agenda, era algo muito distante do modelo de Atenção Primária à Saúde que se discute hoje", reforçou.  

O palestrante destacou que, com a Constituição Federal de 1988 e a criação do SUS, surgiu uma nova lógica pautada pelos princípios de universalidade, integralidade e equidade, o que deu início ao processo de municipalização. Em 1993, todas as responsabilidades das secretarias estaduais, do Ministério da Saúde e do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social foram transferidas aos municípios, e o processo de regionalização se tornou um desafio. Para Chioro, o trabalho coletivo entre municípios, estados e União é imprescindível para organizar o processo de regionalização. "Só há possibilidade de lidar com os grandes desafios que temos nessa perspectiva", afirmou o presidente da Ebserh. 

Chioro defendeu o desenvolvimento de uma lógica ativa de intervenção e mobilização da gestão municipal, que preveja longitudinalidade e a multidisciplinaridade do cuidado. Para ele, além de desafios estruturais como o financiamento, é preciso trabalhar por políticas públicas integradas para promover o envelhecimento saudável da população, assim como apoiar a transição nutricional contra enfermidades da má alimentação e da inatividade física, além de desnaturalizar violências cotidianas. "Cada vez mais, somos desafiados a pensar a gestão municipal de forma diferente. A geração de novos gestores é chamada a responder a essa conjuntura marcada por relações interfederativas pouco resolvidas, por uma mudança gravíssima em nosso perfil demográfico, epidemiológico e nutricional, por uma falta de cooperação e pela transformação digital", concluiu.  

O gestor municipal do SUS

“Nós somos a autoridade sanitária local e temos a responsabilidade de garantir o acesso e o direito à saúde do cidadão. Precisamos nos apropriar disso”, declarou a presidente do COSEMS/RJ, Maria da Conceição Rocha, presente à mesa-redonda ‘O Gestor Municipal do SUS: panorama, experiências e organização das redes de atenção’. Ela defendeu que, ao assumir uma Secretaria Municipal de Saúde, o gestor deve escolher um corpo técnico experiente e investir na formação e capacitação de profissionais. A presidente do COSEMS ainda reforçou a importância de ter informações sobre os principais desafios do município para saber como melhor agir. "Outra ação importante a se fazer é buscar o diálogo com prefeito, demais secretários, Poderes Legislativo e Judiciário", afirmou a palestrante. Maria da Conceição citou a regionalização, o financiamento, a judicialização e a qualificação profissional como os principais desafios.  

Em sua apresentação sobre o perfil e os desafios da gestão do Sistema Único de Saúde, o pesquisador da ENSP, Assis Mafort, destacou que a descentralização na gestão do SUS tem ocorrido desde a década de 1970 e provocado a formação de uma nova elite municipal, o que tem gerado diversos impactos. O palestrante apresentou alguns dados revelados por uma pesquisa coordenada por ele, em parceria com a Conferência Nacional Extraordinária (Conae), o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) e o COSEMS. Os resultados referentes ao perfil de gestores no SUS revelam predominância (58%) e aumento da presença feminina nos cargos de gestão em municípios menores e médios entre 2017 e 2020. Os dados também indicam maior qualificação dos gestores ao longo desse período: em 2005, 37,5% tinham especialização, mestrado ou doutorado, já em 2017, o número subiu para 47,6%. No entanto, o estudo aponta dois dados preocupantes, segundo Assis: a pouca representatividade de negros e pardos em cargos de gestão no SUS e a baixa inclusão de mulheres na gestão em capitais, em municípios de maior porte e em espaços mais amplos de poder. 

Conforme relatou Assis, um ponto chamou a atenção na análise de agendas prioritárias que os secretários municiais de saúde gostariam de deixar para o CONASEMS, COSEMS, Ministério da Saúde e Secretaria Estadual de Saúde: “Para a minha surpresa, grande parte dessas agendas eram nacionais, não regionais. A principal agenda colocada pelos gestores e gestoras, naquele momento, se referia à judicialização”. Como desafios na gestão municipal do SUS, o pesquisador citou os longos efeitos do desmonte das políticas nacionais, o expressivo volume de demandas federativas e a alta rotatividade de gestores. Diante de um contexto federativo que se torna cada vez mais complexo, Assis defendeu a cooperação com as secretarias estaduais e o Ministério da Saúde como uma alternativa essencial para o enfrentamento dos atuais desafios. 

Chamando a atenção para a importância da integração das ações assistenciais e das atividades preventivas, a coordenadora de Planejamento da Secretaria de Saúde de Quissamã, Delba Barros, apresentou algumas ações desenvolvidas pelo órgão governamental com o objetivo de solucionar problemas decorrentes da fragmentação do cuidado. Na lista de estratégias adotadas para promover a integração, está a elaboração de um Sistema Municipal de Informação e Gestão em Saúde; o estabelecimento de reuniões mensais de planejamento; a criação da Comissão de Integração Hospital – Centro de Especialidades e Atenção Básica; a emissão de parecer médico no Hospital Municipal; a criação de formulário de referência e contrarreferência; visitas guiadas à maternidade; matriciamento com as Equipes de Saúde da Família, entre outros. Embora tenham alcançado bons resultados, essas iniciativas enfrentam alguns desafios, segundo Delba: “Mudanças no rumo da gestão, carga horária parcial de alguns coordenadores, alta rotatividade de pessoal, deficiências na formação acadêmica e demandas das agendas médicas são limites com os quais nos deparamos na execução de algumas estratégias e que nos desafiam a buscar alternativas para superá-los”. A mesa contou com a moderação do coordenador executivo do Observatório do SUS, André Schmidt. 





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