Especialistas alertam para desafios da ‘municipalização’ na gestão do SUS e defendem cooperação
Por Bruna Abinara e Danielle Monteiro
O processo de ‘municipalização’ na gestão do Sistema Único de Saúde e a importância da cooperação entre as esferas municipal, estadual e federal em meio a um cenário federativo complexo deram o tom à Sessão Especial ‘Gestão Municipal no SUS no Ciclo 2025 – 2028: Experiências e Desafios’, promovida, na última quarta-feira (12), pelo Observatório do SUS da ENSP, em parceria com o Conselho de Secretarias Municipais

Na abertura da mesa institucional, o diretor da ENSP, Marco Menezes, enfatizou a importância de espaços de diálogo para enfrentar os desafios do Ciclo 2025-2028 da Gestão Municipal do SUS. “Essa atividade marca bem a proposta do Observatório do SUS, que é um espaço para essa conversa na parceria com a sociedade civil organizada e instituições como Abrasco, Conselho Nacional de Saúde e COSEMS”, reforçou. Menezes apontou a criação de meios para aperfeiçoar a participação social na gestão local da saúde, a regionalização, o financiamento e a questão das carreiras no SUS como as principais ações a serem desenvolvidas. O enfrentamento da emergência climática e da crise hídrica também foi citado pelo diretor como um desafio. “É muito importante ter essa mobilização junto à sociedade, especialmente nesse momento de enfrentamento ao negacionismo científico, para que esse seja um espaço de reafirmação do nosso posicionamento pela ciência e pela vida”, declarou. 

Já o coordenador do Observatório do SUS e vice-diretor da Escola de Governo em Saúde da ENSP, Eduardo Melo, definiu o seminário como uma atividade oportuna, diante do novo ciclo da gestão municipal e do papel histórico desempenhado pela gestão municipal na construção do SUS e na Saúde do país. “Esse evento vai gerar reflexões e debates acerca de aspectos estratégicos, que envolvem a gestão do Sistema Único de Saúde. Muitos que estão aqui presentes são secretários municipais de saúde que acabaram de assumir. Acreditamos que esta atividade contribuirá significativamente para o fortalecimento da gestão municipal no SUS”, afirmou.

A trajetória da gestão municipal do SUS
Durante a conferência ‘Gestão Municipal do SUS: trajetória e contexto atual’, o presidente da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), Arthur Chioro, apresentou um panorama histórico da atuação dos municípios na gestão da saúde e refletiu sobre os desafios atuais. "A introdução dos municípios na cena da gestão municipal é algo recente no Brasil", afirmou o palestrante. Chioro contextualizou que, na década de 1970, os municípios receberam a primeira atribuição sanitária, no entanto, o atendimento era totalmente baseado no modelo de queixa-conduta. Segundo o presidente da Ebserh, era tarefa da prefeitura o cuidado da prevenção, junto com algumas ações de vigilância sanitária e epidemiológica. "O cuidado integral não estava na agenda, era algo muito distante do modelo de Atenção Primária à Saúde que se discute hoje", reforçou.

Chioro defendeu o desenvolvimento de uma lógica ativa de intervenção e mobilização da gestão municipal, que preveja longitudinalidade e a multidisciplinaridade do cuidado. Para ele, além de desafios estruturais como o financiamento, é preciso trabalhar por políticas públicas integradas para promover o envelhecimento saudável da população, assim como apoiar a transição nutricional contra enfermidades da má alimentação e da inatividade física, além de desnaturalizar violências cotidianas. "Cada vez mais, somos desafiados a pensar a gestão municipal de forma diferente. A geração de novos gestores é chamada a responder a essa conjuntura marcada por relações interfederativas pouco resolvidas, por uma mudança gravíssima em nosso perfil demográfico, epidemiológico e nutricional, por uma falta de cooperação e pela transformação digital", concluiu.
O gestor municipal do SUS
“Nós somos a autoridade sanitária local e temos a responsabilidade de garantir o acesso e o direito à saúde do cidadão. Precisamos nos apropriar disso”, declarou a presidente do COSEMS/RJ, Maria da Conceição Rocha, presente à mesa-redonda ‘O Gestor Municipal do
SUS: panorama, experiências e organização das redes de atenção’. Ela defendeu que, ao assumir uma Secretaria Municipal de Saúde, o gestor deve escolher um corpo técnico experiente e investir na formação e capacitação de profissionais. A presidente do COSEMS ainda reforçou a importância de ter informações sobre os principais desafios do município para saber como melhor agir. "Outra ação importante a se fazer é buscar o diálogo com prefeito, demais secretários, Poderes Legislativo e Judiciário", afirmou a palestrante. Maria da Conceição citou a regionalização, o financiamento, a judicialização e a qualificação profissional como os principais desafios.

Em sua apresentação sobre o perfil e os desafios da gestão do Sistema Único de Saúde, o pesquisador da ENSP, Assis Mafort, destacou que a descentralização na gestão do SUS tem ocorrido desde a década de 1970 e provocado a formação de uma nova elite municipal, o que tem gerado diversos impactos. O palestrante apresentou alguns dados revelados por uma pesquisa coordenada por ele, em parceria com a Conferência Nacional Extraordinária (Conae), o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) e o COSEMS. Os resultados referentes ao perfil de gestores no SUS revelam predominância (58%) e aumento da presença feminina nos cargos de gestão em municípios menores e médios entre 2017 e 2020. Os dados também indicam maior qualificação dos gestores ao longo desse período: em 2005, 37,5% tinham especialização, mestrado ou doutorado, já em 2017, o número subiu para 47,6%. No entanto, o estudo aponta dois dados preocupantes, segundo Assis: a pouca representatividade de negros e pardos em cargos de gestão no SUS e a baixa inclusão de mulheres na gestão em capitais, em municípios de maior porte e em espaços mais amplos de poder.

Chamando a atenção para a importância da integração das ações assistenciais e das atividades preventivas, a coordenadora de Planejamento da Secretaria de Saúde de Quissamã, Delba Barros, apresentou algumas ações desenvolvidas pelo órgão governamental com o objetivo de solucionar problemas decorrentes da fragmentação do cuidado. Na lista de estratégias adotadas para promover a
integração, está a elaboração de um Sistema Municipal de Informação e Gestão em Saúde; o estabelecimento de reuniões mensais de planejamento; a criação da Comissão de Integração Hospital – Centro de Especialidades e Atenção Básica; a emissão de parecer médico no Hospital Municipal; a criação de formulário de referência e contrarreferência; visitas guiadas à maternidade; matriciamento com as Equipes de Saúde da Família, entre outros. Embora tenham alcançado bons resultados, essas iniciativas enfrentam alguns desafios, segundo Delba: “Mudanças no rumo da gestão, carga horária parcial de alguns coordenadores, alta rotatividade de pessoal, deficiências na formação acadêmica e demandas das agendas médicas são limites com os quais nos deparamos na execução de algumas estratégias e que nos desafiam a buscar alternativas para superá-los”. A mesa contou com a moderação do coordenador executivo do Observatório do SUS, André Schmidt.



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