Combate à contaminação por pesticidas, mercúrio e outras substâncias encerra seminário internacional Brasil/França

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A questão saúde-ambiente na França
Presidente do Departamento de Ciências da Saúde Ambiental da EHESP, Vincent Bessonneau foi o primeiro palestrante da terceira e última mesa do seminário internacional. Durante sua apresentação, Bessonneau focou numa questão que – fez questão de destacar – é um problema importante tanto na França quanto no Brasil: os agrotóxicos. Ele mostrou o mapa do território francês e a concentração do uso de pesticidas na região norte. No entanto, destacou que essas substâncias tóxicas acabam por se espalhar por outras áreas devido a sua volatilidade. “Partículas suspensas contaminam o ar do ambiente e as substâncias podem chegar às casas. Além disso, os agrotóxicos podem também contaminar a água consumida pelas pessoas”, explicou.

Por causa desse cenário de risco, a França tem um programa para avaliar a exposição da população às substâncias, inclusive com análises de exposição nas matrizes hidráulicas. “Essa abordagem é interessante pois nos permite integrar a exposição que vem de várias fontes, como ar, solo, água, alimentação”, explicou Bessonneau. Ele frisou que há também um esforço de pesquisa para identificar e descrever o nível de impregnação da população com substâncias químicas, identificar eventuais grupos de risco, regiões com exposição mais intensa e modos de vida que podem aumentar os riscos.
Bessonneau afirmou que já se sabe que agrotóxicos muito usados a partir da década de 1950 e proibidos em muitos países da Europa desde 2009 ainda são encontrados em 60% da população francesa adulta. Apesar de haver resultados importantes, as pesquisas sobre a relação dos pesticidas, por exemplo, com a saúde humana possuem algumas limitações. “As substâncias que medimos não são necessariamente as que são aplicadas nas plantações, já que o corpo humano as metaboliza e identificamos moléculas resultantes desse processo. Temos poucas informações sobre elas e seus efeitos sanitários. As substâncias conhecidas são apenas a ponta do iceberg”, destacou com preocupação.
Exatamente devido a esse grande desafio, na França e em toda a Europa, foram estruturadas redes de laboratórios capazes de analisar grande número de amostras. São serviços que permitem mensurar a exposição da população às substâncias. Apenas dentro do território francês, há cinco plataformas com estruturas complementares trabalhando nesse sentido. “Temos projetos para melhorar esses serviços a nível nacional. Há interesse em fazer um cruzamento dos dados sobre as substâncias com elementos de saúde, como as doenças neurodegenerativas, por exemplo. Temos que entender melhor a relação dos pesticidas com a saúde humana. Há muito interesse por tudo que diz respeito ao câncer de mama, por exemplo, e aos tipos de câncer pediátrico também, além da exposição dos trabalhadores, como os profissionais de saúde”, detalhou Bessonneau durante a apresentação.
O pesquisador francês encerrou sua palestra com uma lista de possíveis eixos de colaboração entre a ENSP/Fiocruz e a EHESP no âmbito da saúde ambiental: “podemos fazer intercâmbio de estudantes de doutorado com interesse em observar a saúde da população exposta a substâncias químicas, trabalhar com redes de laboratório, controle de qualidade com garantia acesso a dados e formação para gestores relacionadas às problemáticas ambientais”.
Mineração na Amazônia: exposição dos povos indígenas aos metais pesados

“O problema principal da mineração do ouro, além de toda a devastação ambiental que é provocada – com a destruição da cobertura vegetal e as mudanças dos cursos dos rios –, é que há um uso indiscriminado do mercúrio. Como essas atividades de menor escala ocorrem sem fiscalização ambiental, cumprimento de legislações trabalhistas ou monitoramento de autoridades, há um uso excessivo de mercúrio. A estimativa é de que, em média, para cada quilo de ouro, sejam usados três quilos de mercúrio. Ou seja, são dois quilos de mercúrio excedentes para contaminar ao ecossistema amazônico e a população que lá vive”, explicou Paulo Basta.
Na sequência, o pesquisador explicou como o mercúrio entra no organismo tanto de quem trabalha no garimpo quanto de quem não tem esse contato direto com a substância, mas acaba se contaminando indiretamente por viver no ambiente explorado pela atividade mineradora. Na sua forma orgânica já no leito do rio, o mercúrio passa a integrar a cadeia alimentar e toda a vida dentro do rio pode ser afetada nas áreas onde há garimpo. “O mercúrio representa um risco para as pessoas que praticam a atividade de garimpo, mas também para as pessoas que não praticam. Na separação do mercúrio do ouro, por exemplo, é feita queima e, como o mercúrio é volátil, parte dele é absorvido pelas vias respiratórias das pessoas. Outra parte vai pra atmosfera e, por meio dos rios voadores, o mercúrio usado no Brasil pode estar contaminando até outras áreas do planeta”, explicou. Basta enumerou uma série de consequência do contato com mercúrio no organismo humano: “comer peixe contaminado, por exemplo, pode gerar problemas no sistema nervoso central, problemas cardiovasculares, no sistema endócrino, nos rins, no fígado, uma série de alterações”.
Por fim, Paulo Basta apresentou alguns estudos que mostraram efeitos neurológicos e sociais em populações indígenas pela contaminação por mercúrio, trabalhos com mães e mulheres grávidas, além de pesquisas genéticas sobre o assunto. Um trabalho mostrou alterações neurológicas em pessoas com níveis elevados de mercúrio, o que foi identificado a partir de exames feitos cabelo. Outro avaliou gestantes e mães de crianças de até 2 anos, revelando a contaminação nas mulheres e em seus filhos. Outro estudo citado mostrou os efeitos da contaminação na organização social da comunidade, pois o problema alterou conceitos importantes do “bem viver”, com aumento de queixas de nervosismo e estresse, por exemplo. Houve ainda menção a uma análise de polimorfismo genético e a outra a respeito da avaliação de risco à saúde de acordo com o pescado consumido em aldeias.
Durante a apresentação, Paulo Basta mostrou imagem de criança indígena com suspeita de Doença de Minama, indentificada em cidade japonesa que teve onda, nos anos 1950, da síndrome neurológica causada por severos sintomas de envenenamento por mercúrio
Mobilizações de cidadãos sobre questões ambientais
“Claramente estamos na mesma onda, de conflitos ambientais”, afirmou Sylvie Olitrault (EHESP) ao abrir sua apresentação sobre participação cidadã nas mobilizações em torno das questões ambientais. Pesquisadora do assunto há cerca de 30 anos, Sylvie é, originalmente, da área das Ciências Sociais. Ao longo das décadas de trabalho, observou a relação indissociável das pautas ambientais das de saúde pública. “As questões ambientais são vistas na Europa frequentemente como uma preocupação de classe média e eram um pouco negligenciadas em relação às “verdadeiras” questões sociais e problemas econômicos dos trabalhadores. Mas, acabamos percebendo o ambiente é somente relativo a ter mais bem-estar, mas sim diz respeito às questões de saúde e de sociedade”, contou.

Sylvie dividiu os cidadãos mobilizados nas questões ambientais em dois grupos: um formado por especialistas, pessoas com conhecimento aprofundado ligado as suas profissões, e outro formado por leigos, ou seja, pessoas preocupadas com o tema, mas sem formação na área. “Eu me interessei também pelas mobilizações que fazem pouco ruído, que não são das ONGs nem partidos políticos, mas que fazem diferença. Há organizações de bairro ou pais de alunos de escolas. Essas pessoas começam a se interessar pelo que ocorre ao redor das creches, pela pureza do ar, etc. São pessoas que estavam no nível zero de especialização, mas que construíram um saber através de redes de contato, trocando conhecimento. Elas se auto educaram de maneira autônoma”, explicou.
Moderador da última mesa do seminário, Luis Claudio Meirelles, coordenador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP) celebrou o evento: “Trocar experiências e informações permanentemente sobre esse tema é de fundamental importância. Essa cooperação vai nos ajudar muito. A Fiocruz é uma instituição que sempre trabalha em articulação com a sociedade civil, seja com as comunidades que habitam o nosso entorno, seja em envolvimento a nível nacional com temas que precisam ser enfrentados, como o amianto e outros fatos como os ligados às populações indígenas e ribeirinhas, por exemplo”.
Assista a íntegra da mesa 3:
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