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Marcelo Firpo defende diálogo entre conhecimento acadêmico e povos originários

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Publicado em:18/12/2025

*Por Isabelle Ferreira*

Em entrevista ao Informe ENSP, o pesquisador do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP) e coordenador do Núcleo Ecologias e Encontros de Saberes para uma Promoção Emancipatória da Saúde (Neepes), Marcelo Firpo, fala sobre pesquisas qualitativas no contexto da interculturalidade. O pesquisador aborda as experiências em saúde intercultural com os povos Mapuche e Munduruku – povos originários da região centro-sul do Chile e do sudoeste da Argentina, e do Pará, respectivamente. Firpo destaca ainda a importância do aprofundamento dos debates sobre justiça climática, sistemas agroalimentares e o enfrentamento da degradação ambiental nos biomas brasileiros.

As temáticas também foram objeto de discussão de um seminário internacional organizado pela Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade do Chile (UChile), no âmbito da cooperação internacional entre a ENSP e a Escola de Saúde Pública Salvador Allende, da Universidade do Chile. 

Leia, abaixo, a entrevista:

Qual é a importância da discussão sobre saúde coletiva em pesquisa qualitativa entre África do Sul, Brasil e Chile?

Marcelo Firpo: Eu, a pesquisadora Marina Fasanello (Neepes/ENSP/Fiocruz) e a Escola de Saúde Pública Dr Salvador Allende, da Universidade do Chile, estamos envolvidos em uma cooperação que trabalha com a temática da ecologia política e, sobretudo, da interculturalidade, da justiça cognitiva e da atuação em territórios – particularmente, junto aos povos originários. Esse movimento resultou na vinda de doutorandos chilenos para a ENSP, além da realização de diversas atividades e seminários conjuntos sobre metodologias sensíveis colaborativas e pesquisas qualitativas voltadas à interculturalidade.  

Essa cooperação também nos aproximou do território Chiloé, arquipélago localizado no Chile, onde há um trabalho desenvolvido há bastante tempo no campo da saúde intercultural com o povo Mapuche, especialmente com mulheres cuidadoras. Além disso, há estudos no Deserto do Atacama, onde o conflito associado à mineração de lítio – que envolve principalmente a etnia Likan Antai – será o tema da tese de um doutorando chileno que atualmente desenvolve sua pesquisa na ENSP. Para concluir, essas são algumas das ações em curso e que terão continuidade nos próximos anos.

No contexto atual, considerando que a COP 30 e a Cúpula dos Povos já estão em andamento, como essa temática pode contribuir para aprofundar os debates sobre justiça climática e saúde dos povos originários?

Marcelo Firpo: A relação entre os povos originários, suas lutas territoriais e seus conhecimentos acerca da justiça climática – ou, de forma mais ampla, justiça ambiental e crise ecológica – são debates fundamentais. Esses povos detêm saberes ancestrais milenares, construídos a partir de uma relação profunda com a natureza, baseada na vivência, na comunicação e na produção direta com o meio ambiente. Por isso, são verdadeiros guardiões dos ecossistemas em diversas partes do planeta. 

É fundamental que o conhecimento acadêmico desenvolva diálogos respeitosos e interculturais, capazes de articular o conhecimento científico aos saberes dos povos tradicionais, que muitas vezes são tratados como atrasados ou primitivos, quando, na verdade, são repletos de sabedoria empírica, com formas próprias de comunicação e uma ciência perceptiva que a ciência moderna – mesmo a qualitativa – não consegue alcançar plenamente. 

Vivemos uma crise civilizatória, social, sanitária e ecológica que exige o avanço da justiça cognitiva ou justiça epistêmica, ou seja, a criação de condições para diálogos, encontros e ecologias de saberes, a partir das necessidades e lutas desses povos em seus territórios, mas também em consonância com os movimentos globais que demandam o resgate da sabedoria ancestral. É o que chamamos de descolonizar e “coracionar” a academia.

A justiça climática não decorre apenas do uso intensivo de combustíveis fósseis, mas também do avanço destrutivo do capitalismo neo extrativista sobre os biomas brasileiros. A Amazônia e o Cerrado são exemplos emblemáticos de como o agronegócio promove o desmatamento por meio de monocultivos extensivos, assim como as minerações e os grandes projetos de infraestrutura e energia, que causam impactos profundamente nocivos aos ecossistemas.

Compreender esse diálogo profundo e sensível com a natureza e essa forma harmônica de se relacionar com ela é fundamental para o futuro da sociedade e do planeta. É urgente avançar de maneira respeitosa na construção de soluções e alternativas frente a problemas concretos, como as violações sofridas pelo povo Munduruku, que enfrenta, entre outras. tragédias, a contaminação por mercúrio decorrente do garimpo ilegal. Nesse sentido, a cooperação internacional também atua na construção de sistemas alimentares alinhados à agroecologia – um campo de conhecimento avançado, que dialoga diretamente com as leis da natureza e com formas mais sustentáveis de pensar os sistemas agroalimentares, sempre a partir de um diálogo respeitoso.

Segundo reportagem da Radis/ENSP, o Brasil está entre os países que mais recebem migrantes no mundo. Como essa questão será abordada diante das problemáticas territoriais que compõem o eixo central do tema?

Marcelo Firpo: O Neepes recebeu o convite de uma pesquisadora que trabalha com a temática da migração na África do Sul. Há estudos em andamento nesse território, no Brasil e, principalmente, no Chile, envolvendo a migração de africanos e sul-africanos que hoje vivem nesses países. Embora o Neepes não atue diretamente com essa temática, há discussões interculturais que dialogam com esses processos, especialmente no campo dos dilemas, sistemas e da promoção da saúde, sempre com foco no respeito às condições dessas populações. 

Vivemos um processo inevitável de hibridização, que intensifica à medida que populações são deslocadas de seus territórios de origem, muitas vezes de forma violenta. No Brasil, ao refletirmos sobre as populações de origem afro diaspórica – como quilombolas, povos de terreiro e a população negra em geral – e sobre a luta antirracista, é importante compreender que essa não é uma discussão restrita à população negra, mas envolve todas as marcas e desigualdades produzidas pelo colonialismo ao longo dos últimos séculos. 

Foto/Reprodução: Sérgio Amzalak (Abrasco)



*Estagiária sob supervisão da equipe de jornalismo do Informe ENSP


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