Fiocruz apresenta dados preliminares sobre contaminação por mercúrio em gestantes e bebês indígenas
Por Barbara Souza
Durante o Seminário de encerramento do projeto Proteção de Povos Indígenas e Tradicionais no Brasil, o grupo de pesquisa Ambiente, Diversidade e Saúde, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), apresentou resultados preliminares do “Estudo Longitudinal de Gestantes e Recém-Nascidos Indígenas Expostos ao Mercúrio na Amazônia”, desenvolvido na Terra Indígena Munduruku, no oeste do Pará. A região tem sido afetada pelo garimpo ilegal de ouro. Os dados revelam que os níveis médios de mercúrio detectados nas gestantes são cinco vezes superiores ao tolerável, chegando a 10 µg/g. Já nos recém-nascidos, as concentrações variaram entre 5 e 6 µg/g, ou seja, até três vezes acima do limite.
Pesquisador da ENSP e coordenador da pesquisa, Paulo Basta explica que o mercúrio passa da mãe para a criança pela placenta. Geralmente, ela se contamina ao comer pescado contaminado, através dessa ingestão, o metal pesado entra na corrente sanguínea. Estudos indicam que a concentração de mercúrio no cérebro do bebê chegam a ser sete vezes superior à do corpo da mãe. De acordo com pesquisa publicada em 2021, em média, seis a cada dez indígenas apresentaram níveis elevados de mercúrio. Nas aldeias mais próximas dos garimpos, nove a cada dez tinham níveis elevados de contaminação.
O encontro foi realizado entre os dias 3 e 6 de junho de 2025, no Hotel Mirante da Ilha, em Alter do Chão, Santarém (PA). Estiveram presentes no seminário representantes de todas as organizações parceiras do consórcio do projeto: Fiocruz, Fiotec, Projeto Saúde e Alegria (PSA), Imaflora, Pacto das Águas, Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), Comitê Chico Mendes e Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé. Participaram ainda lideranças dos povos Munduruku, Paiter-Suruí, Tupari, Nawa, Huni Kuin e Borari, sob coordenação do WWF-Brasil. “A apresentação na plenária do evento foi um momento no qual houve intensa participação, sobretudo dos representantes dos povos indígenas presentes”, afirmou Paulo Basta.
Além de dados preliminares do estudo longitudinal, realizado na Terra Indígena Munduruku, foram apresentados os resultados do projeto “Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saúde e ambiente”, realizado na Terra Indígena Sete de Setembro, do povo Paiter-Suruí, em Rondônia. Na oportunidade, os representantes do povo Paiter-Suruí presentes, Neidinha Suruí e Oyago Suruí, receberam os laudos individuais com os níveis de mercúrio dos indígenas testados no estudo.
+ Confira o relatório técnico da pesquisa com os Paiter-Surui
Já no contexto do estudo longitudinal, além dos níveis de mercúrio identificados por meio da análise de amostras de cabelo de mulheres e seus bebês, as gestantes estão realizando os exames previstos no protocolo de assistência pré-natal do Ministério da Saúde. Ou seja, elas e seus recém-nascidos estão passando por avaliações clínicas com especialistas, exames de sangue e ultrassonografias nas aldeias. Assim, não é necessário que sejam encaminhadas aos hospitais localizados em Itaituba, município sede do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Rio Tapajós. “Em outras palavras, a população Munduruku tem realizado avaliações de saúde materno-infantil, de forma integral, sem gastos extras para o SUS, que incluem deslocamentos, hospedagem e alimentação de pacientes e seus acompanhantes”, explicou Paulo Basta.
O projeto Proteção de Povos Indígenas e Tradicionais no Brasil, que recebe financiamento por intermédio do WWF-Brasil, será encerrado em agosto. No entanto, devido à relevância do estudo e ao ineditismo da abordagem com povos indígenas da Amazônia, o estudo longitudinal conduzido pelo pesquisador da ENSP recebeu apoio do CNPq, por intermédio da Chamada Nº 21/2023 de Estudos Transdisciplinares em Saúde Coletiva. A iniciativa também está recebendo apoio da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz), via Edital Inova Saúde Indígena - 3ª chamada. A coleta de dados deve seguir até o segundo semestre de 2026.
“O estudo tem o objetivo de testar a hipótese de que a exposição pré-natal ao mercúrio provoca impactos negativos no neurodesenvolvimento infantil e, para isso, devemos matricular aproximadamente 300 pares de gestantes e bebês, antes de concluir o trabalho”, detalhou Paulo Basta ao comentar os próximos passos do trabalho. Como desdobramento, a equipe de pesquisa espera contribuir para o fortalecimento de políticas públicas voltadas ao acolhimento das populações afetadas. “Juntamente com o lançamento do Manual Técnico para o Atendimento de Indígenas Expostos ao Mercúrio no Brasil, realizado no fim de maio na Casa Civil, esperamos que o Ministério da Saúde incorpore ações específicas às Equipes Multiprofissionais de Saúde Indígena. Essa experiência pode ser o embrião para a criação de um centro de pesquisa, memória e reparação na bacia do Tapajós”, disse Paulo Basta.
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