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ENSP integra projeto para populações indígenas e tradicionais junto a WWF-Brasil e outras instituições

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Publicado em:16/02/2023
Por Barbara Souza

A Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) participou do 2º Encontro de parceiros do Projeto Proteção dos Povos Indígenas e Tradicionais do Brasil, financiado pelo Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha por intermédio da rede WWF. Realizado entre os dias 7 e 9 de fevereiro em Rio Branco (AC), o evento reuniu representantes das sete instituições contempladas com o recurso. Lideradas pelo WWF-Brasil, as organizações não governamentais e a Fiocruz formam um consórcio de iniciativas conectadas pela forte convicção de que os territórios indígenas e tradicionais só podem cumprir as suas importantes funções de garantir a subsistência do seu povo e proteger o ambiente se forem fisicamente protegidos contra a invasão ilegal, garantirem a segurança alimentar e sanitária e se forem entidades economicamente sustentáveis.

Parceiros reunios em Rio Branco discutem projeto de proteção dos povos indígenas. Foto: Trícia Oliveira/WWF-Brasil

No caso da ENSP/Fiocruz, a ação apoiada com estes recursos é o ‘Estudo Longitudinal de Gestantes e Recém-Nascidos Indígenas Expostos ao Mercúrio na Amazônia’, coordenado pelo pesquisador Paulo Cesar Basta, que explica as etapas da pesquisa. “Vamos acompanhar a mulher desde o primeiro momento em que se descobrir grávida e fazer o monitoramento desde o período pré-natal. E aí coletar amostras da mãe para identificar seus níveis de mercúrio, que é um indicador do que será repassado à criança. Quando o bebê nascer, vamos avaliar as condições de parto e monitorá-lo até completar dois anos, considerando o conceito dos mil dias, etapa da vida na qual são determinadas consequências para o resto de sua trajetória”, resumiu. Múltiplos fatores serão considerados e analisados de modo a deixar os efeitos da exposição ao mercúrio ‘livre’ para que não sejam atribuídos a ela problemas com outras causas. 

Portanto, o principal objetivo do estudo é avaliar os efeitos da exposição pré-natal ao mercúrio no neurodesenvolvimento infantil. A hipótese é que o contato com o metal provoca atrasos nos componentes motor, sensitivo ou cognitivo do desenvolvimento dos filhos de mulheres contaminadas. Apesar das expectativas, Paulo Basta é cauteloso e faz um alerta: “temos uma hipótese e uma pergunta de pesquisa, mas se vamos conseguir respondê-la e confirmar nossa hipótese no tempo que temos e com a amostra que definimos, saberemos somente ao fim do processo da pesquisa”. Além disso, trata-se de um estudo pioneiro, já que não há pesquisas com esta abordagem no Brasil, sobretudo com populações indígenas. 

Também é inédita a participação do grupo de pesquisa coordenado por Basta num projeto da magnitude deste liderado pelo WWF-Brasil. As ações dos diferentes participantes da sociedade civil organizada, com suas variadas abordagens, dialogam no que diz respeito à preservação do ecossistema amazônico, à valorização da cultura dos povos tradicionais que vivem lá, e à melhoria das suas condições de vida e de saúde. “No consórcio, há iniciativas que visam a proteção e a vigilância do território indígena, contra invasões, outras que buscam garantir uma cadeia produtiva sustentável para gerar renda para as comunidades em alternativa ao próprio garimpo e outras atividades predatórias, e há ainda iniciativas para oferta de água potável para as populações. A Fiocruz tem um papel diferenciado por ser uma instituição pública dedicada à pesquisa, pois nosso trabalho é gerar evidências científicas dos efeitos deletérios à saúde provocados pelo garimpo, que faz uso do mercúrio nessas áreas. Essas evidências poderão auxiliar na formulação de políticas públicas e também na atuação dos próprios parceiros do terceiro setor que atuam nesses territórios”, avaliou o pesquisador da ENSP/Fiocruz. 

O ‘Estudo Longitudinal de Gestantes e Recém-Nascidos Indígenas Expostos ao Mercúrio na Amazônia’ conta ainda com a participação das seguintes instituições: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); Seção de Meio Ambiente (SEAMB), Instituto Evandro Chagas (LEC), Ministério da Saúde; Laboratório de Pesquisa de Ciências Farmacêuticas (LAPESF) - UERJ; Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina - USP; Programa de Conservação de Espécies & Redução dos Impactos do Garimpo, WWF-Brasil; e Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Rio Tapajós.

Além de Paulo Basta, também participaram do encontro em Rio Branco (AC) o geógrafo Daniel d'El Rei, membro do grupo de pesquisa, e três representantes da Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde (Fiotec), que compõe o consórcio junto à Fiocruz. O consórcio do Projeto Proteção de Povos Indígenas e Tradicionais do Brasil, liderado pelo WWF-Brasil, é composto também por: Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, a Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), o Comitê Chico Mendes, o Pacto das Águas, o Projeto Saúde e Alegria, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal (Imaflora), além de outras dezenas de associações parceiras. Apenas no primeiro semestre de 2022, foram relatadas atividades em parceria com outros 76 grupos, desde organizações e cooperativas indígenas e extrativistas até a Defensoria Pública da União e universidades. 

O evento contou ainda com a participação de representantes das comunidades indígenas localizadas nas áreas de abrangência do projeto, como a TI Sawré Muybu, do povo Munduruku. Um deles, Daniel Saw Munduruku, celebrou a parceria e o encontro, reafirmando ainda o apoio às pesquisas da Fiocruz no seu território: “nossa comunidade já se impactou com o resultado de outras pesquisas, que mostram que estamos sendo afetados diretamente pelo garimpo na nossa região. Isso mudou nosso modo de viver e de se alimentar. A gente acredita muito nesse tipo de trabalho”.

O projeto abrange três paisagens, no Acre, em Rondônia e a área do Tapajós, no Pará. No total, são 32 áreas protegidas, que somam 10,7 mil hectares onde vivem mais de 48 mil pessoas. A atuação dos entes envolvidos é dividia em quatro frentes: 1) monitoramento e proteção territorial; 2) gestão de cadeias de valor locais sustentáveis; 3) mitigação da contaminação por mercúrio proveniente da mineração ilegal de ouro; 4) fortalecimento da participação pública e política.

O encontro foi realizado no Centro de Formação dos Povos da Floresta, no sítio da Comissão Pró-índio do Acre (CPI-Acre). Já o primeiro encontro dos parceiros do projeto ocorreu em Porto Velho (RO), de 25 a 29 de abril de 2022, na Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé. 

2º Encontro dos parceiros do projeto ocorreu na CPI-Acre. Foto: Barbara Souza/ENSP

Próximos passos: cursos e oficina em março

A primeira etapa de campo desta pesquisa será realizada entre os dias 6 e 10 de março no município de Itaituba (PA), na sede do Distrito Especial Indígena (DSEI) Tapajós. O curso ‘Vigilância e monitoramento de populações expostas ao mercúrio no Brasil: aspectos práticos’ vai preparar cerca de 40 profissionais de saúde para colher as amostras biológicas das mulheres e bebês participantes do estudo longitudinal ao longo do período previsto. Serão treinados profissionais de saúde de níveis superior e médio, não-indígenas e indígenas, como técnicos de enfermagem e agentes indígenas de saúde e de saneamento. Essa será a quarta turma a receber a capacitação, mas a primeira a focar nos aspectos práticos, já que a principal finalidade é a participação desses profissionais na coleta de amostras a serem analisadas durante a pesquisa. 

Na semana seguinte, a equipe se deslocará para a aldeia Sawré Muybu, onde promoverá um curso voltado para os professores indígenas a respeito do garimpo ilegal e seus prejuízos, especialmente à saúde, com foco na contaminação por mercúrio. Os professores receberão orientações para utilizarem um livro didático sobre o assunto produzido no âmbito da pesquisa. A publicação, voltada para alunos do 6º ao 9º ano, será bilíngue: munduruku/português.

Já na terceira semana em campo, para encerrar esta visita, será realizada uma oficina musical, com a participação de coletivos audiovisuais indígenas, para a composição de canções e gravação de um clipe de caráter educativo para a conscientização das comunidades locais e da sociedade a respeito dos danos à saúde e ao ambiente causados pelo mercúrio. No total, estão previstas visitas trimestrais da equipe coordenada pelo pesquisador Paulo Basta às aldeias onde as mulheres e seus filhos serão monitorados até que se complete o segundo ano de vida das crianças. Na última etapa, serão entregues às mulheres os resultados dos seus exames e os prontuários médicos nos quais estarão registradas as informações relevantes para eventuais tratamentos, por exemplo. Cópias desses registros também serão recebidas pelas autoridades de saúde locais para a devida assistência. 

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