ENSP e China vão firmar parceria para enfrentar Doença de Minamata e exposição ao mercúrio em terras indígenas
Por Danielle Monteiro
A ENSP e o Centro de Pesquisa em Saúde Global da Universidade de Estudos Estrangeiros de Guangdong, da China, vão estabelecer um acordo de cooperação para o enfrentamento da Doença de Minamata e da exposição ao mercúrio entre populações indígenas. As ações conjuntas foram discutidas durante a visita do professor honorário da instituição chinesa, Kunihiko Yoshida, à Escola, nos dias 19 e 20 de março. Ele foi recebido pelos pesquisadores e coordenadores do grupo ‘Ambiente, Diversidade e Saúde’ da ENSP, Paulo Basta e Sandra Hacon, e pelo assessor de Cooperação Internacional da Escola de Governo em Saúde, Felippe Amarante. A previsão é de que o Memorando de Entendimento para a cooperação seja assinado em agosto.
A parceria será firmada nas áreas de ensino, pesquisa, comunicação, informação, gestão e políticas de saúde. Como ações conjuntas, entre outros pontos, estão previstos a captação de recursos financeiros e de infraestrutura local para a mitigação e a reparação de danos sofridos pelos povos indígenas; encontros híbridos internacionais; trabalho de campo com populações indígenas na Amazônia Legal; e difusão de conhecimento ambiental indígena para jovens. A cooperação prevê, ainda, o desenvolvimento de projetos de investigação em saúde; o intercâmbio acadêmico de pesquisadores e estudantes, a troca de informação e documentação técnica em saúde; a organização de seminários ou conferências; e publicações científicas.
Advogado e especialista em direito ambiental e saúde, Yoshida investiga os efeitos da contaminação por mercúrio em diversas populações mundiais, buscando similitudes entre as manifestações clínicas da Doença de Minamata ocorridas no Japão e em outras partes do mundo.
A doença de Minamata é uma condição neurológica crônica causada por envenenamento por mercúrio. O nome deriva da cidade japonesa onde ela foi descrita em 1956. A enfermidade foi provocada pela contaminação por metil mercúrio através da água residual liberada da indústria química Chisso, entre 1932 e 1968, sendo disseminada à população local por intermédio do consumo de pescados.
Conforme destacou Yoshida, apenas 10% das pessoas acometidas pela Doença de Minamata no Japão receberam tratamento adequado, além de indenização por parte do governo e reconhecimento como vítimas dessa condição. O restante da população afetada segue, ainda, em litígio judicial, em busca do reconhecimento e do devido tratamento. Somado a esse legado negativo, existem, ainda, outros desafios no enfrentamento à doença no país, segundo o professor. Entre eles, dificuldades de compreensão das condições que contribuem para o desenvolvimento da enfermidade, além de problemas impostos pelo capitalismo, em decorrência da busca incessante pelo lucro.
Yoshida conheceu a Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku do médio rio Tapajós, em março de 2023, durante um trabalho de campo coordenado por Paulo Basta. O professor contou que a parceria entre a ENSP e a instituição chinesa foi motivada pela instalação do novo Centro de Pesquisa em Saúde Global da Universidade de Guangdong, no qual ingressou recentemente, após se aposentar da Universidade de Hokaido, no Japão. Segundo Yoshida, apesar dos diferentes contextos entre a região japonesa e as terras indígenas brasileiras, a cooperação internacional poderá contribuir para o enfrentamento à contaminação por mercúrio em ambos os países. “Ainda temos muitos obstáculos e poucos problemas foram resolvidos. Por isso, nós precisamos de uma colaboração internacional voltada a esses assuntos, para que a sociedade ocidental entenda a importância de se estabelecer uma espécie de ‘crescimento consciente’. A China também tem problemas ligados à devastação ambiental e contaminação. Sendo assim, construir um novo Memorando de Entendimento entre o Brasil, o Japão e a China pode ser muito significativo”, afirmou o professor.
O pesquisador da ENSP, Paulo Basta, concorda que a parceria será de grande valia para o Brasil: “Essa cooperação vai dar mais visibilidade à temática, ampliando o debate e a repercussão internacional acerca dos efeitos deletérios da contaminação por mercúrio. O reconhecimento da existência da Doença de Minamata no Brasil indica a importância de pesquisas nessa área e fortalece nossas linhas de investigação e nosso grupo de pesquisa como um todo, além de criar vínculos acadêmicos mais robustos entre diferentes países”.
A exposição ao mercúrio no Japão e em terras indígenas brasileiras
Como parte da programação de sua visita à ENSP, Yoshida participou de um workshp, com a presença de integrantes do grupo de pesquisa liderado por Paulo Basta, para debater os impactos da contaminação por mercúrio em Terras Indígenas da Amazônia e suas semelhanças com o desastre ocorrido na baía de Minamata, no Japão.
Em sua apresentação, Yoshida destacou que a Doença de Minamata decorrente da exposição ao mercúrio se tornou um problema global. O professor contextualizou a situação da enfermidade no Japão, apontando desafios, como a falta de financiamento e de conhecimento epidemiológico sobre as causas da doença. Ele também relatou sua experiência adquirida por meio de entrevistas com pessoas afetadas pela contaminação por mercúrio nas terras indígenas Munduruku, no Pará, em 2023, quando acompanhou o trabalho de campo desenvolvido pela equipe de pesquisa de Paulo Basta junto a essa população.
Como resultado das pesquisas desenvolvidas pela equipe do pesquisador da ENSP na região, foram publicados seis artigos para um número temático sobre “Saúde Ambiental e Ocupacional no Brasil”, na revista International Journal of Environmental Research and Public Health. Os artigos são de acesso livre e encontram-se disponíveis aqui.
Além dos artigos científicos, o grupo de pesquisa liderado por Basta lançou o livro acadêmico 'Garimpo de Ouro na Amazônia: Crime, Contaminação e Morte', disponível na livraria da Abrasco. Em parceria com a pesquisadora Ana Claudia Vasconcellos, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), foi produzido, ainda, o livro didático ‘Mercúrio Amazônia EIPI BE’, disponível no repositório Arca Dados da Fiocruz. O livro é bilíngue (munduruku e português) e foi preparado juntamente com professores indígenas para ser utilizado nas turmas do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental, nas escolas instaladas na Terra Indígena Munduruku.
Ao analisar a situação da exposição ao mercúrio em terras indígenas brasileiras, Yoshida chamou a atenção para alguns desafios, como a tensão entre o capitalismo global e a economia solidária sustentável e amigável à natureza. “É paradoxal que a contaminação por mercúrio em decorrência do capitalismo global tenha sido sofrida por povos indígenas, que têm a chave para superar a crise de saúde ambiental no século 21. Eles rejeitam a noção de propriedade privada e exclusiva, a qual traz disputas territoriais e guerra. Eles dão alta responsabilidade ao meio ambiente e têm conhecimento indígena de sustentabilidade, por meio do qual vivem há milhares de anos”, concluiu o professor.
Durante o workshop, também foi apresentado o protocolo de pesquisa do Estudo Longitudinal de Gestantes e Recém-Nascidos Indígenas Expostos ao Mercúrio na Amazônia, coordenado por Paulo Basta junto à população indígena Munduruku. Os resultados preliminares apontam elevados níveis de exposição ao mercúrio: “Observamos gestantes com 23-24 microgramas de mercúrio para cada grama de cabelo analisado, sendo que o limite de segurança é 2. Ou seja, as gestantes Munduruku apresentam índices de mercúrio no organismo 10 vezes superiores ao limite de segurança”, alertou o pesquisador da ENSP. Segundo ele, os resultados finais devem ser divulgados a partir de dezembro de 2026, após o encerramento da coleta de dados.
Não é a primeira vez que Yoshida esteve em visita à ENSP. Em 2023, enquanto membro do Conselho de Diretores da Academia Japonesa de Habitação e Bem-Estar, o professor se reuniu com o pesquisador Paulo Basta, para discutir possíveis linhas de cooperação com a instituição do Japão, também com enfoque em populações indígenas e pacientes que sofrem com a Doença de Minamata. Em 2022, a Escola também recebeu o professor, para a apresentação dos projetos sobre contaminação por mercúrio desenvolvidos pela equipe dos pesquisadores Paulo Basta e Sandra Hacon.
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