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Estudo investiga impactos de transformações socioeconômicas e ambientais na saúde de povo Xavante

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Publicado em:25/10/2023
Por Barbara Souza

Dez anos após o último grande inquérito, as condições de vida e saúde do Povo Xavante voltam a ser alvo de uma investigação ampla para identificar tendências temporais e subgrupos populacionais mais vulneráveis dentro desta população indígena. Conduzida pelos pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) Rui Arantes e James Welch, a pesquisa ‘Saúde indígena em perspectiva diacrônica: os A’uwê Xavante da Terra Indígena Pimentel Barbosa ao longo de uma década’ também pretende obter estimativas do perfil futuro de saúde da população que propiciem a redução das iniquidades em saúde entre os Xavante e entre indígenas e não indígenas.

O estudo que investiga tais características da população A’wuê Xavante da Terra Indígena Pimentel Barbosa, no Mato Grosso, é um dos projetos selecionados pelo Edital de Pesquisa 2021, lançado pela ENSP, por meio da Vice-Direção de Pesquisa e Inovação, no âmbito do Programa de Fomento ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico Aplicado à Saúde Pública. 

A pesquisa é realizada em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Instituto Nacional do Câncer (INCA), Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT - Campus Barra do Garças/MT), Secretaria Especial de Saúde Indígena, Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e Universidade Federal de Goiás (UFG). Entre os produtos esperados, estão a realização de oficinas de trabalho, relatório final com os principais resultados, seminários de Saúde com participação indígena e gestores de saúde e produção científica (artigos, dissertações, teses). 

Em entrevista ao Informe ENSP, Rui Arantes explicou o contexto no qual se insere o trabalho com o povo Xavante da Terra Indígena Pimentel Barbosa, o que já foi realizado na pesquisa até o momento e quais são os próximos passos. Além disso, ele comentou sobre a relação entre indicadores socioeconômicos e medidas de ganho de peso, obesidade e outras doenças crônicas. "Pesquisas com desenhos longitudinais como o estudo realizado nesta pesquisa são raros entre povos indígenas no Brasil e no mundo", disse. Confira a íntegra abaixo! 

A pesquisa investiga as relações entre condições de vida e de saúde da população A’wuê Xavante da Terra Indígena Pimentel Barbosa, no Mato Grosso. Que transformações socioeconômicas e ambientais estão associadas a essas condições? Pode descrever um pouco a situação e o contexto em que se insere esta investigação?

Rui Arantes: O Povo Xavante, auto denominado A´uwê, uma das mais numerosas sociedades indígenas no Brasil, atraiu a atenção nacional no final da década de 1940, quando o Estado brasileiro, em sua “Marcha para o Oeste”, entrou em seu território, no Mato Grosso. Entre 1980 e 1990, a restrição territorial imposta por políticas governamentais para ocupação da região Centro-Oeste alterou padrões alimentares baseados na caça, coleta e pesca e aumentou a importância da agricultura na dieta Xavante. A partir dos anos 2000, o processo de monetarização da economia Xavante intensificou o consumo de alimentos industrializados e acelerou a transição nutricional. Foram evidentes o aumento da carga de cárie e desnutrição, especialmente o déficit de crescimento linear. 

O último estudo realizado na Terra Indígena Pimentel Barbosa envolvendo diferentes aldeias, em 2011, evidenciou associações entre indicadores socioeconômicos e medidas de ganho de peso, obesidade e outras doenças crônicas. O objetivo do projeto é acompanhar o processo de transição em saúde, identificar tendências temporais e subgrupos populacionais mais vulneráveis.

O que motivou a escolha da Terra Indígena Pimentel Barbosa e de não outra onde também vivem indígenas Xavante?

Rui Arantes: Por conta dessa longitudinalidade de acompanhamento. É nesse território que a gente vem atuando há muito tempo, o que possibilita comparar e verificar o que está acontecendo ao longo do tempo. Se a gente vai para um outro território agora, a gente perde essa possibilidade. E também há as relações que a gente estabelece com a população, de confiança e respeito, que a gente vai construindo isso ao longo do tempo. É um processo demorado e a gente acaba criando um vínculo e um compromisso em ajudar a pensar e avaliar o que está acontecendo ali dentro. É compromisso que a gente tem com eles. Então, é por isso que a gente mantém esse acompanhamento lá, esse vínculo. 

Quando a pesquisa começou de fato e que atividades já foram realizadas até o momento? Já há resultados, mesmo que preliminares? 

Rui Arantes: A pesquisa começou efetivamente em fevereiro de 2023 com a realização do censo sociodemográfico nas aldeias da Terra Indígena Pimentel Barbosa no Mato Grosso para cadastramento das aldeias, dos domicílios, famílias e indivíduos. Uma segunda viagem a campo ocorreu em junho e julho de 2023 para realizar a avaliação nutricional e verificar a prevalência de doenças crônicas na população Xavante. Uma terceira viagem a campo ocorreu em agosto e setembro de 2023 para realização de um inquérito epidemiológico de saúde bucal. Ainda não há resultados preliminares, uma vez que a coleta de dados ainda não foi finalizada.  

Está entre os objetivos da pesquisa comparar novos resultados com dados de saúde coletados anteriormente, o que permitirá identificar tendências temporais entre 2011 e 2022. Quais seriam os principais dados disponíveis que serão alvo dessa futura comparação?   

Rui Arantes: Será possível comparar mudanças no perfil nutricional da população, como mudanças nas prevalências de anemia, desnutrição, e de doenças crônicas, dentre elas sobrepeso e obesidade, hipertensão e diabetes, prevalência de cárie e doenças periodontais. Além disso, será possível avaliar a distribuição desses desfechos entre aldeias, sexos e faixas etárias para identificar grupos populacionais mais vulneráveis. 

Quais são as próximas etapas do trabalho? O que ainda está previsto para ser feito no âmbito desta pesquisa?

Rui Arantes: Em fevereiro de 2024, será realizada a segunda etapa do inquérito epidemiológico de saúde bucal para contemplar a totalidade de aldeias-alvo do projeto. No segundo semestre de 2024, será realizado um Seminário de Saúde Xavante na Terra Indígena Xavante Pimentel Barbosa, para apresentar os principais resultados da pesquisa e discutir com as lideranças indígenas e gestores de saúde estratégias, no âmbito da atenção básica, de enfrentamento dos principais problemas identificados pelo estudo no território Xavante. 

Como descreveria a importância deste estudo dentro do campo da saúdeindígena? Espera que gere que tipo de desdobramentos?  

Rui Arantes: O presente estudo pretende realizar, após 10 anos, uma nova investigação sobre as condições de vida e saúde do Povo Xavante com a finalidade de acompanhar o processo de transição em saúde. Pesquisas com desenhos longitudinais como o estudo realizado nesta pesquisa são raros entre povos indígenas no Brasil e no mundo. A partir da comparação dos resultados atuais com aqueles observados em inquéritos anteriores será possível também investigar padrões de regularidade e de progressão temporal, identificar grupos mais vulneráveis e obter estimativas futuras do perfil de saúde da população que propiciem a redução das iniquidades em saúde entre os Xavante e entre indígenas e não indígenas. Espera-se que a pesquisa possibilite aprofundar questões teóricas e metodológicas sobre os determinantes sociais de saúde entre povos indígenas com potencial de avançar na discussão de políticas de saúde e formulação de programas comunitários de atenção à saúde culturalmente apropriados.




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