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Combate à violência de gênero é prioridade na pauta das mulheres indígenas

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Publicado em:19/10/2023
Por Barbara Souza

Cada vez mais organizadas, as mulheres indígenas têm conquistado protagonismo na luta pelos direitos dos seus povos. O recente deslocamento da invisibilidade à liderança da mobilização tem trazido à tona pautas ainda pouco discutidas. Uma delas é a violência de gênero sofrida por meninas e mulheres indígenas. “Esse assunto era silenciado.Mas, recentemente se tornaram muito mais públicos casos extremos de violência contra meninas e mulheres indígenas, de mortes, abuso e violência sexual. Nesse momento, há uma mobilização das mulheres indígenas no sentido de que elas não vão mais se calar, não vão recuar”, afirma a pesquisadora da ENSP/Fiocruz Ana Lúcia Pontes.

O tema da violência de gênero contra mulheres indígenas emergiu nas atividades da pesquisa ‘Mulheres Indígenas e o direito à saúde: cenários contemporâneos e diálogos com os movimentos sociais’, coordenado pela pesquisadora do grupo “Saúde, Epidemiologia e Antropologia dos Povos Indígenas”, do Departamento de Endemias Samuel Pessoa, da ENSP. Este é um dos projetos selecionados pelo Edital de Pesquisa 2021, lançado pela Escola, por meio da Vice-Direção de Pesquisa e Inovação no âmbito do Programa de Fomento ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico Aplicado à Saúde Pública. 

Em entrevista ao Informe ENSP, Ana Lúcia Pontes explicou como surgiu a ideia da pesquisa, seus objetivos e desafios, além de atividades já realizadas e próximos passos até o fim dos trabalhos. Com o pesquisador Andrey Cardoso como vice-coordenador, a iniciativa  investiga os cenários de gênese, de organização e de atuação do movimento das mulheres indígenas, particularmente da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA). A pesquisa busca contribuir com subsídios para geração de políticas públicas, fortalecer a ANMIGA e qualificar o protagonismo das mulheres indígenas nas pesquisas no campo da saúde indígena, no âmbito acadêmico, e também na interface da gestão pública, já que algumas delas estão ocupando cargos de decisão no governo. 

A ANMIGA é uma grande articulação de Mulheres Indígenas de todos os biomas do Brasil, com saberes, tradições e lutas que se somam e convergem pela garantia dos direitos indígenas e da vida dos povos tradicionais. Saiba mais sobre a ANMIGA aqui.  

Confira a entrevista com Ana Lúcia Pontes abaixo:

A pesquisa investiga os cenários de gênese, de organização e de atuação do movimento das mulheres indígenas, particularmente da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA). Pode descrever um pouco o contexto em que se insere esta investigação?

Ana Lúcia Pontes: Essa pesquisa surge pela emergência e fortalecimento do protagonismo das mulheres indígenas no cenário atual. Se até alguns anos havia uma certa invisibilidade do lugar das mulheres indígenas na luta por direitos dos povos indígenas, nos últimos anos elas estão na linha de frente como Joênia Wapichana, como primeira deputada federal, e agora Celia Xacriabá, Sonia Guajajara na liderança da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e agora como Ministra dos Povos Indígenas, entre outras. Também cresceram as organizações e articulações das mulheres indígenas e sua presença na academia, fortalecendo sua atuação. 

Programas, como por exemplo a iniciativa da ONU Mulheres, desde 2017, na organização das mulheres indígenas no Brasil impulsionaram essa atuação que resultou ,em 2019, com a realização da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas. A pandemia de covid-19 foi um momento em que essas mulheres ganharam maior destaque. . Muitas das frentes de enfrentamento à pandemia ficaram com mulheres indígenas, particularmente a questão da vacinação. Não à toa, elas criaram essa articulação, a ANMIGA, em 2021 a fim de fortalecer uma rede nacional de mulheres indígenas e alavancar suas pautas, que são comuns ao movimento indígena como a demarcação dos territórios, mas também aquelas específicas, como a violência de gênero.

Enquanto isso, nos últimos anos, a atuação dos pesquisadores da ENSP junto ao movimento indígena levou também a construção de uma agenda de fortalecer sua presença e produção acadêmica.  A pesquisa surge dessa parceria com mulheres indígenas pesquisadoras e atuantes na ANMIGA com vistas a fortalecer sua pauta pelo direito à saúde. Afinal, também há que se destacar que os indicadores de saúde das mulheres indígenas são mais desfavoráveis do que outros grupos. De acordo com estudos como o conduzido por Luiza Garnelo e publicado em Cadernos de Saúde Pública em 2019 , os percentuais de realização das ações do pré-natal das indígenas são mais baixos que os encontrados para mulheres não indígenas no país, e até mesmo em comparação com mulheres de regiões de elevada vulnerabilidade social e baixa cobertura assistencial, como a Amazônia Legal e o Nordeste. Apesar disso, não existe uma formulação de política de saúde que dê conta das especificidades da saúde da mulher indígena. 

O foco da pesquisa está nas pautas ligadas à saúde e às políticas públicas. Pode detalhar um pouco mais essa abordagem? Que aspectos da atuação dos movimentos das mulheres indígenas chamam mais a atenção sob essa perspectiva da saúde?

Ana Lúcia Pontes: O trabalho busca mapear quais são as agendas relacionas à saúde que emergem dos debates das mulheres indígenas, nesse sentido, o primeiro ano do projeto evidenciou a importância do combate à violência de gênero. As mulheres indígenas querem discutir e evidenciar o seu sofrimento dentro e fora dos territórios indígenas, buscam informações sobre seus direitos, como a Lei Maria da Penha, e desejam construção de estratégias específicas para suas realidades. Claro que outras pautas são relevantes e evidentes como a atenção ao pré-natal, parto e puerpério, mas, neste momento, a violência de gênero ganha destaque.

Esse assunto era silenciado. Antigamente, havia um receio de que evidenciar certas violências, que ocorrem dentro e fora do território, vulnerabilizasse a própria luta indígena. Mas, recentemente se tornaram muito mais públicos casos extremos de violência contra meninas e mulheres indígenas, de mortes, abuso e violência sexual. Nesse momento, há uma mobilização das mulheres indígenas no sentido de que elas não vão mais se calar, não vão recuar, vão denunciar e se articular nessa defesa. É a pauta que elas querem abarcar neste momento e que precisa ser evidenciada. Inclusive, elas lançaram uma cartilha sobre violência de gênero na 3ª Marcha das Mulheres Indígenas, realizada em setembro. Elas estruturaram a cartilha com base nas discussões que provocamos durante uma etapa de trabalho da pesquisa. 

Quando a pesquisa começou e que atividades já foram realizadas até o momento? Já há resultados, mesmo que preliminares? Algum achado, dado ou informação que possa nos adiantar?

Ana Lúcia Pontes: Nesse primeiro ano, o foco foi a realização de oficinas com mulheres indígenas nos seis biomas a partir da ‘Caravana das Originárias’, organizada pela ANMIGA. Desta forma, foram realizadas 16 oficinas em 14 estados para a escuta das mulheres indígenas e discussão das pautas do protagonismo político e violência de gênero. Nesse processo, procurou-se mapear as organizações das mulheres indígenas, as estratégias organizadas regionalmente e fortalecer a articulação local e nacional. Ficou evidente que as mulheres indígenas buscam espaço de fala junto ao movimento indígena, que têm sofrido diversas violências dentro e fora do território que querem evidenciar. Assim, se há alguns anos a pauta da violência de gênero era silenciada, atualmente as mulheres querem falar e não vão recuar na sua defesa e proteção. Também apoiamos a produção de material de comunicação relacionado à Caravana. O conteúdo está disponível no perfil da ANMIGA no Instagram. 

Também se apoiou a realização da III Marcha das Mulheres Indígenas, que aconteceu em setembro em Brasília e reuniu cerca de 6 mil mulheres indígenas. Neste apoio, contribuímos com a organização da Tenda da Saúde. Em todos os acampamentos da mobilização indígena em Brasília são criados espaços de cuidados voltados para as pessoas que estão lá e para as que chegam, na maioria das vezes, de longas viagens e precisam de algum atendimento de saúde , de especialistas indígenas ou PICS. 

Quais são as próximas etapas do trabalho? O que ainda está previsto para ser feito no âmbito desta pesquisa?

Ana Lúcia Pontes: Nesse momento, vamos organizar a sistematização das informações que foram colhidas durante as oficinas da a caravana e a marcha, que também teve atividades de discussão. A partir disso, pretendemos gerar produtos acadêmicos, como artigos e capítulos de livros, além de subsídios para a ANMIGA, como Policy briefs, que indicam sugestões de políticas públicas. Também se irá avançar nas análises de dados de mortalidade materna de mulheres indígenas. Além disso, demos um primeiro passo no incentivo para que algumas delas façam uma autoetnografia, para refletirem  sobre esse processo de organização a partir da experiência delas na ANMIGA. 

Como descreveria a importância deste estudo dentro do campo da saúde indígena? Espera que gere que tipo de desdobramentos?

Ana Lúcia Pontes: As pesquisas sobre mulheres indígenas no campo da saúde são escassas, principalmente quanto aspectos de sua organização política e de formulação de políticas públicas específicas. Então esperamos contribuir com subsídios para geração de políticas públicas e fortalecer essa pauta dentro da ANMIGA. Também acreditamos que os dados secundários podem evidenciar a problemática para sua priorização na agenda pública. Pretendemos nesse processo fortalecer e qualificar o próprio protagonismo das mulheres indígenas nas pesquisas no campo da saúde indígena, no âmbito acadêmico, e também na interface da gestão pública, já que algumas delas estão ocupando cargos de decisão dentro do Ministério dos Povos Indígenas, da Secretaria de Saúde Indígena e outros órgãos. Elas estão nas instâncias de execução de políticas públicas atualmente. O principal objetivo é gerar subsídios para ajudar elas definirem as prioridades e direcionarem as ações em prol do seu direito à saúde. 


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