Covid-19: pandemia agravou condições adversas de trabalho dos profissionais de saúde
O Brasil conta hoje com mais de 200 mil estabelecimentos de saúde (ambulatorial ou hospitalar), possui cerca de 430 mil leitos e emprega diretamente mais de 3 milhões e 500 mil profissionais da saúde. Se o cenário pré-pandemia já indicava condições adversas, tais como aumento da carga de trabalho, baixos salários e adoção do multiemprego desse contingente majoritariamente feminino (70%), a pandemia de Covid-19 impôs diversos outros desafios como insegurança, sobrecarga de trabalho, stress e adoecimento físico e psíquico para boa parte do 1.5 milhão de profissionais da saúde na linha de frente da pandemia. O tema pautou a segunda mesa da semana de aniversário de 66 anos da ENSP, na terça-feira (1/9), em painel coordenado pela pesquisadora Márcia Teixeira, chefe do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da ENSP (Daps/ENSP). A atividade foi transmitida pelo Canal da ENSP no YouTube.
A pesquisa Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19, conduzida na Fiocruz pela ENSP e o Centro de Estudos Estratégicos, serviu de motivação para o debate. Coordenado pela pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da ENSP (Daps/ENSP/Fiocruz) Maria Helena Machado, o estudo permitirá conhecer a realidade das condições de vida e trabalho dos profissionais que atuam diretamente na pandemia.
“Nossa pesquisa busca conhecer como a dinâmica de trabalho afeta a vida, o corpo e a saúde física e emocional dos profissionais de Saúde que atuam diretamente na assistência e no combate à Covid-19. O objetivo é compreender o ambiente e as consequências do atual processo de trabalho, envolvendo aspectos físicos, emocionais e psíquicos desse contingente de trabalhadores”, afirmou Maria Helena destacando que as parcerias da pesquisa lhe conferem um caráter inovador, pois permitem o diálogo com entidades que formam profissionais, produzem conhecimento e representam os trabalhadores.
Especialista em Gestão do Trabalho em Saúde, a pesquisadora relatou que o cenário atual se contrapõe ao que a OIT preconiza para um trabalho decente, aproximando-se das características do trabalho precário, com um profissional mal pago, inseguro, desprotegido, recorrendo a múltiplos empregos para sustentar seu domicílio. “Os trabalhadores são um bem público do país. Um patrimônio nacional. Devemos cuidar de quem cuida da gente. Queremos dar voz a esse profissional na linha de frente da pandemia.”
O presidente do Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública (Asfoc - SN), Paulo Garrido, criticou a precarização das relações trabalhistas e defendeu a igualdade de oportunidades e condições dignas para todas as classes. “Precisamos de alianças para enfrentar o neoliberalismo e o fascismo. O interesse privado não pode suplantar o interesse coletivo”, advertiu.
Para Garrido, a pandemia de Covid-19 mostra o quanto a divisão do trabalho fragilizou o setor e toda a cadeia produtiva. “Os salários reduzidos diminuíram o poder de compra, a classe média já não tem mais perspectivas, e voltamos ao mapa da fome. Estamos em uma crise econômica e sanitária que precisa ser respondida com uma agenda que inclua o protagonismo do Estado e a garantia de renda, emprego, saúde, educação, moradia, fortalecimento dos movimentos sociais e dos trabalhadores. Defendemos a imediata revogação da EC 95, investimento público em saneamento, transporte e fortalecimento da Atenção Primária em Saúde.”
Diante do quadro de retrocesso e precarização das relações trabalhistas e das políticas públicas, o presidente do Sindicato dos Médicos (SINMED-RJ), Alexandre Telles, afirmou que a capacidade de resposta do país à pandemia se deve ao SUS. Ele, que concentrou sua fala na situação do Rio de Janeiro, descreveu o esvaziamento da administração pública direta e um cenário de vínculos trabalhistas extremamente frágeis, em que o trabalhador sofre com atraso salarial, não tem direito a férias, aposentadoria, e é demitido sem qualquer tipo de negociação. “O Estado economiza por meio da retirada de direitos dos trabalhadores..
Ainda de acordo com Alexandre Telles, além da dificuldade de diálogo com a Secretaria Estadual de Saúde, há pouca participação dos órgãos de controle social e falta de articulação com os trabalhadores da ponta. “Esperamos que usuários e trabalhadores sejam ouvidos.”
Maior contingente é o que mais sofre
A Associação Nacional dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem (Anaten) representa mais de 1.4 milhão de trabalhadores. De acordo com o presidente José Antonio da Costa, o maior contingente de profissionais de saúde sofre com a falta de reconhecimento do trabalho, valorização salarial e elevada carga horária de trabalho durante a pandemia e o período pré-pandemia.
Ele denunciou a ausência de equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde na linha de frente, a falta de testagem, capacitação sobre o vírus SARS-CoV-2 e expôs casos em que auxiliares e técnicos de enfermagem foram obrigados a trabalhar com sintomas da Covid-19. “A enfermagem precisa desenvolver seu trabalho conforme orientam as normas sanitárias. Outro fator é a dupla ou tripla jornada desse trabalhador que precisa garantir o sustento do seu lar. Além do desgaste físico, mental e psicológico, estão afastados da família pra cumprir sua função de cuidar do outro.”
O presidente do Sindicato dos Médicos (SINMED-MG), Fernando Luiz de Mendonça, lamentou o número de mortes de profissionais de saúde infectados pela Covid-19. Durante a pandemia, o SINMED realizou mais de 400 atendimentos jurídicos, abriu um canal de denúncias para os profissionais (recebe, segundo ele, cerca de uma denúncia por dia), promoveu mais de 16 assembleias virtuais para os médicos manifestarem suas dificuldades no trabalho e respondeu a inúmeras demandas da imprensa. “Notamos a angústia desse profissional. Por isso, reconhecemos a importância da pesquisa que analisa as condições de trabalho.”
Com relação à saúde mental, mais de 80% dos profissionais médicos entendem que sua saúde mental e psíquica piorou ao longo desses meses, afirmou o presidente lembrando os casos de assédio e estresse pelo cansaço físico e mental. “Poderíamos ter perdido menos vidas se nos preparássemos para doenças. As condições são graves, mas já são há muito tempo. Precisamos resistir e aprender a lição.”
O secretário Regional da Internacional de Serviços Públicos (ISP – Américas), Jocelio Drummond, revelou que a pandemia expôs uma série de fragilidades para países ricos e pobres, como a falta de equipamento de proteção individual. Segundo ele, o problema não está diretamente relacionado à disposição, ou não, de recursos financeiros para compra, mas ao modelo de organização da cadeia global de produção: “Os países não produzem máscaras, elas são importadas da China e Vietnã.”
Antes de citar os principais temas de debate na agenda internacional, Drummond revelou uma pesquisa do ISP com sindicatos, cujos principais resultados apontam falta de EPI ou quantidade insuficiente, falta de treinamento adequado para a pandemia e sofrimento psíquico. No que tange à agenda internacional, citou pontos importantes de debate como “quem pagará a conta” dos efeitos do coronavírus na economia, a valoração do papel do Estado, a importância do ambiente na saúde e a desigualdade acentuada pela pandemia. “Pandemia afeta a todos, mas de forma muito desigual.” Hoje, vivemos um cenário de obscurantismo. A pandemia vai passar, e essa fase também”, disse otimista.
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