Pesquisadores condenam produção e venda de inibidores de apetite

O Informe ENSP ouviu especialistas da área de toxicologia, epidemiologia, vigilância sanitária, assistência farmacêutica e segurança do paciente sobre a questionável decisão do Congresso Nacional. Todos os pesquisadores refutaram a sanção da lei, lembraram que esse tipo de aprovação pelo congresso brasileiro é única no mundo e questionaram os possíveis interessados na liberação dos inibidores de apetite.
Uma decisão política e única
Uma decisão política e única
Chefe do Laboratório de Tóxicologia da ENSP, o pesquisador Francisco Paumgartten questiona a dimensão política do assunto em detrimento às evidências científicas do uso dos anorexígenos. Para ele, além da gravidade de contrariar uma decisão do órgão regulador, o Congresso Nacional não está preparado e não tem a competência necessária para realizar análise técnica das evidências de segurança eficácia dos inibidores de apetite (ouça no Podcast da ENSP o depoimento na íntegra).

Trata-se um caso único – sem precedentes no cenário internacional – um Parlamento assumir a função de órgão nacional de regulação de medicamentos. Não se tem notícia de que o Congresso Americano tenha deliberado sobre o registro de determinado medicamento e tenha revogado decisão da agência de drogas e alimentos (FDA). Não há registro de que o Parlamento Europeu tenha decidido sobre medicamentos específicos e desautorizado a Agência Europeia de Medicamentos. O mesmo pode ser dito dos parlamentos da Alemanha, França, Reino Unido, Japão, Austrália, e respectivas agências nacionais de regulação.
Infelizmente, o Congresso Brasileiro não só foi único no mundo a assumir o papel da Agência reguladora e ceder ao lobby de grupos de pressão política. Mas essa atitude é reincidente. No ano passado, contra a recomendação da Anvisa, o Congresso aprovou lei (também sancionada pela então presidente da república sem vetos) autorizando o uso e dispensação de medicamento (a “pílula fosfoetanolamina”) cujas alegadas propriedades anti-câncer não haviam sido estudadas e demonstradas por ensaios clínicos.
É claro que o Congresso Nacional não está preparado e não tem a competência necessária para realizar essa análise técnica das evidências de segurança eficácia dos inibidores de apetite, e de fato não examinou os estudos e dossiês técnicos. E o que é mais grave, contrariou uma decisão do órgão (Anvisa) que tem as competências técnica e legal (Lei 9782/99 que cria a ANVISA) para decidir se este ou aquele medicamento é eficaz e seguro (Lei 6360/1976, Art 16, inciso II, “...através de comprovação científica...”) e que, em virtude deste fato, autorizar o acesso ao mercado consumidor, e determinar em que condições o medicamento pode ser dispensado e utilizado com segurança”.
Reações adversas e instabilidade política
Suely Rosenfeld, pesquisadora do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da ENSP, chama atenção para três aspectos sobre a aprovação da Lei: as reações adversas dos inibidores de apetite, o modelo de sociedade presente no país e a quem interessa essa aprovação:

Em segundo lugar, essa atitude se insere em um modelo de sociedade que não queremos, ou seja, uma sociedade de Estado mínimo, na qual o mercado ‘resolve’ todos os problemas. Há pessoas que defendem abertamente essa linha, mas ela não é a da saude pública. É preciso ter Estado, ter regulação e ter proteção por parte dos órgãos de governo para que a população possa se sentir segura em relação à tecnologia de da qual da qual é usuária.
Por último, uma pergunta fica no ar: vivenciamos semanas muito críticas na política geral do país. O questionamento é: até que ponto deputados e senadores lobistas, ou seja, que representam interessem de agentes econômicos - e são pagos para isso -, fazem pressão e chantagem para vender sua aprovação para manutenção do presidente golpista?”
Papel da Anvisa é constitucional
Papel da Anvisa é constitucional
Vera Pepe, pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento e Saúde e do Centro Colaborador em Vigilância Sanitária da ENSP, lembra que não é a primeira vez que o Congresso Nacional delibera sobre questões exclusivas da saúde. Para ela, a Anvisa cumpre um papel, previsto na Constituição, de proteger a saúde da população. E a Lei contraria essa medida.
“Há um certo perigo quando o Legislativo delibera sobre questões de saúde. Ocorreu o mesmo com a fosfoetanolamina, quando o congresso aprovou uma Lei que o próprio Supremo Tribunal Federal, por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, suspendeu. O STF alegou. na ocasião, necessidade de comprovação cientifica e afirmou que existe uma atribuição legal da Anvisa para controle dos medicamentos no país.

O Sistema Nacional de Vigilância Sanitária tem o dever constitucional de proteger a saúde da população. No SUS, essa ação cabe à Anvisa e, frente às evidencias cientificas que não corroboram a existência de uma boa relação benefício x risco desses medicamentos e à retirada desses medicamentos no mercados de países Europeus e dos EUA, ela tem a obrigação de proteger a saude da população. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária cumpre o dever constitucional de proteção da saúde."
A segurança do paciente
A segurança do paciente
Victor Grabois, do Centro Colaborador para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (Proqualis), afirma que a liberação desses produtos afeta diretamente a segurança do paciente o Brasil.
"Esse assunto diz respeito à segurança do paciente. Não somente pela ausência de efetividade desses produtos, mas também pelos danos que provocam à saúde. Se sabemos, de antemão, da ineficácia de um medicamento, é claro que isso afeta a segurança do paciente. Várias dessas medicações contidas na lei não foram aprovadas ou tiveram sua venda proibida nos EUA e Europa.
Outro aspecto é que nao diz respeito ao Congresso Nacional, e sim à Anvisa, definir sobre aquilo que deve ser introduzido no mercado. São aspectos de natureza técnica. É absurdo que algo que não possa ser usado os EUA e Europa sirva para a população brasileira. Somos cidadãos que merecem usar produtos danosos à saude?
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