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Pesquisadores da ENSP incentivam brasileiros a inscrever trabalhos em Simpósio de Sistemas Globais de Saúde

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Publicado em:03/02/2022
Por: Danielle Monteiro

A Pré-Conferência Brasileira Health Systems Global, evento preparatório para o VII Simpósio de Sistemas Globais de Saúde 2022, está com chamada pública aberta para inscrição e apresentação de trabalhos de gestores, pesquisadores e alunos brasileiros da Fiocruz e demais instituições. A iniciativa conta com apoio da Vice-Direção da Escola de Governo em Saúde da ENSP (VDEGS). Os trabalhos podem ser enviados até o dia 16 de fevereiro. Saiba, aqui, como se inscrever. 

Os pesquisadores da ENSP Celia Almeida, Frederico Peres e Margareth Portela concederam ao Informe ENSP entrevista sobre a participação da Escola nas discussões preparatórias para o simpósio mundial, a importância da inscrição de resumos de brasileiros na pré-conferência e os atuais desafios dos sistemas globais de saúde frente à pandemia de Covid-19. 

Confira, a seguir, a entrevista:


Como se dá a participação da ENSP nessas discussões preparatórias para o VII Simpósio de Sistemas Globais de Saúde 2022? 


Celia: Fomos contatados recentemente para apoiar a organização da Pré-Conferência/Brasil da Health System Global, uma organização que trabalha em parceria com a Aliança para a Pesquisa em Política e Sistemas de Saúde (Aliance for Health Policy and System Research), vinculada à Organização Mundial da Saúde, da qual participei como membro do board por vários anos. 

A Aliança existe desde os anos 1990 e, em 2010, realizou o primeiro simpósio em Pesquisa em Sistemas de Saúde, que reiterou a necessidade de criação de um espaço específico que congregasse pesquisadores, decisores e gestores de sistemas de saúde. Como resultado desse debate, a Rede Global de Sistemas de Saúde (Health System Global Network – HSG) foi criada em 2012. Promove pesquisas e troca de experiências entre aqueles atores e está organizada em coordenações regionais. 

O branch latino-americano da HSG tem vários membros institucionais no Brasil, em diferentes estados, e a ENSP/Fiocruz trabalha com a coordenação regional, e essas outras instituições na organização dessa pré-conferência. 

Frederico e Margareth: A ENSP foi convidada formalmente pelo representante regional (Américas) da Health Systems Global (HSG), uma associação internacional dedicada a promover pesquisas sobre sistemas de saúde e translação de conhecimento, para ser um parceiro estratégico na preparação para o Simpósio Global de Pesquisa em Sistemas de Saúde, organizado, desde 2010, a cada dois anos, em diferentes partes do mundo – Montreux (2010), Pequim (2012), Cidade do Cabo (2015), Vancouver (2016), Liverpool (2018) e Dubai (2020). Este ano, o Simpósio Global acontecerá, pela primeira vez, na América do Sul, em Bogotá, Colômbia, de 31 de outubro a 4 de novembro. Neste contexto, coube à ENSP, junto a outras instituições parceiras no Brasil, apoiar a HSG na organização de um evento Pré-Conferência, com contribuições vindas de pesquisadores, alunos, formuladores de políticas, gestores e outros atores atuantes na área no Brasil. Essa Pré-Conferência se soma às demais realizadas em toda a América Latina com dois objetivos: constituírem-se em espaços de intercâmbio nacional e sub-regional de experiências e visões que alimentem o debate necessário acerca dos sistemas de saúde; e identificar contribuições para o Simpósio Global. 

Por que é importante que brasileiros, incluindo alunos, pesquisadores e gestores da ENSP, inscrevam seus trabalhos para a Pré-Conferência Brasileira Health Systems Global? 


Celia: Penso que é um espaço relevante para expor não apenas nossos avanços, mas, principalmente, nossas dificuldades e problemas, que são muitos, acumulados mais recentemente. As variadas reflexões que nossos cursos de pós-graduação e grupos de pesquisa promovem, em conjunto com os alunos, abrangem um elenco amplo de temáticas que podem se beneficiar dessas trocas entre países da região, assim como contribuir para o debate regional sobre sistemas de saúde.

É uma importante oportunidade de divulgação e de aprendizado coletivo. Estamos precisando muito dessa troca de ideias no atual contexto mundial incerto e na conjuntura nacional especifica. Vários problemas que o Brasil vem enfrentando não são exclusivos do Brasil; por outro lado, nossas especificidades também podem aportar elementos interessantes ao debate. 

Frederico e Margareth: A pandemia de Covid-19 escancarou as desigualdades, problemas estruturais crônicos e mesmo novos problemas no nosso sistema de saúde, entre outros elementos, nas imensas desigualdades na sua capacidade de prover serviços de saúde, de estabelecer parcerias com outros setores para respostas às necessidades da população e dispor de sistemas de informação em saúde confiáveis e capazes de apoiar decisões de forma ágil. E tudo aconteceu em um contexto político difícil, em que a desinformação, muitas vezes, foi cultivada por pessoas detentoras de muito poder.

A Pré-Conferência no Brasil será um espaço estratégico para a discussão sobre estudos e experiências que apontem para caminhos de fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), considerando os desafios de sua gestão. É fundamental seguirmos apostando no fortalecimento de um sistema de saúde universal, equitativo, gratuito e inclusivo, sobretudo no contexto adverso e extremo no qual nos encontramos e ainda vivenciaremos no pós-pandemia. 

Também é importante identificar como esses estudos se posicionam no contexto das diversas iniciativas regionais e globais de pesquisa sobre os sistemas e serviços de saúde, razão pela qual a parceria com a HSG é de grande importância e se alinha às diretrizes de internacionalização da ENSP, definidas no contexto das discussões do IX Congresso Interno da Fiocruz. Por fim, a realização, pela primeira vez, do Simpósio Global na América do Sul cria uma oportunidade para que pesquisadores e gestores de sistemas de saúde de outros países possam conhecer a realidade dos sistemas de saúde na região, seus desafios e a história recente de suas reformas.


O Simpósio e as Pré-Conferências propõem quatro subtemas: A construção política e o desenho de políticas para os sistemas de saúde; Colaboração intersetorial e governança integradora; A dinâmica variante dos modelos de prestação de serviços de saúde para promover equidade e o papel central dos recursos humanos em saúde; e A atenção primária em saúde integral para a promoção da sustentabilidade e a contribuição das novas tecnologias. Por que foram escolhidos esses subtemas e de que forma a discussão dessas quatro temáticas pode contribuir para o enfrentamento dos desafios globais enfrentados pelos sistemas de saúde? 


Celia: Esses temas foram definidos pelo board da rede global em diálogo com as coordenações regionais, antes de sermos convidados e, portanto, não participamos dessa definição como instituição. É possível que tenha havido participações individuais de brasileiros, mesmo da ENSP. Não vejo problema nisso.

Na minha opinião, são temas bastante amplos, que, em certa medida, até se sobrepõem. Se, por um lado, restringem a possibilidade de um debate mais focado, por exemplo, em problemas que estão em pauta no momento, por outro, abrem um grande leque de possibilidades para distintas contribuições. Talvez, um trabalho significativo (e paralelo) da comissão científica seja extrair dessa pré-conferência algumas diretrizes para a discussão global posterior. 

Frederico e Margareth: O tema e os subtemas do Simpósio Global, que são reproduzidos nas Pré-Conferências, foram definidos pelo board global da HSG, e refletem algumas das prioridades de pesquisa e ação identificadas pelos diferentes grupos regionais que compõem a Health Systems Global. São, ao mesmo tempo, desafios e estratégias para o fortalecimento de programas e sistemas de saúde, ao redor do planeta, sobretudo nos contextos pandêmico e pós-pandêmico que marcam o campo da saúde na atualidade.

Um dos objetivos do VII Simpósio de Sistemas Globais de Saúde 2022 é aprender como a interseção da política, em sentido amplo, e da política de saúde influencia a qualidade do atendimento. De que forma a interseção entre essas duas políticas pode ajudar a melhorar a qualidade do atendimento? 


Celia: Eu não consigo separar esses dois âmbitos – “política em sentido amplo” e política de saúde –, pois estão inexoravelmente entrelaçados. O tema de cuidados de saúde abrange desde a prevenção de agravos (que inclui os vários determinantes sociais da saúde) até a alta complexidade, com produção/absorção/distribuição tecnológica. E isso implica discutir políticas sociais, financiamento e prioridades, além das questões de organização de rede de serviços em todos os níveis etc. Como fazer isso sem debater “política em sentido amplo”? 

Margareth: Visões dominantes na agenda política sobre o que se deseja para uma sociedade e sobre o que se deseja investir para o bem geral da população moldam ações que redundam em menor ou maior acesso a serviços que promovem a melhoria da qualidade de vida da população e maiores ou menores desigualdades entre grupos populacionais. O fortalecimento do SUS, com centralidade no bem-estar da população brasileira e empreendimento de esforços para a redução de desigualdades, parece-me ser o único caminho para que a sociedade brasileira seja mais saudável, com acesso adequado a serviços de saúde de qualidade. Os nossos resultados assistenciais na pandemia revelam graves problemas de qualidade no cuidado de saúde e evidenciam que não há mágica a ser feita em um cenário crítico, como o vivenciado durante a pandemia, que suplante problemas estruturais crônicos. Por exemplo, não se criam leitos de UTI somente pela vontade política de, de repente, criar leitos de UTI. É necessário ter profissionais de saúde capacitados, experiência. Enfim, se queremos mudar as condições para a resposta a problemas de saúde comuns ou que nos desafiem temporariamente, como uma pandemia, precisamos construir essas condições contínua e persistentemente.


A pandemia revelou diversos problemas e deficiências estruturais dos sistemas de saúde. Quais os principais desafios globais enfrentados pelos sistemas de saúde revelados pela pandemia? 


Celia: Temos, sim, muitos problemas estruturais que, na minha opinião, têm raízes internas, nacionais, por exemplo, a perenidade das desigualdades em todas as suas dimensões, que repercutem dramaticamente nas condições de vida e saúde da população, como presenciamos nesta pandemia. Mas têm também uma matriz global que está “fora” dos sistemas de saúde propriamente ditos, pois perpetuam dependências (dos países menos desenvolvidos aos “países ricos”, não raro, predadores) e preconizam subalternidades entre o Norte e o Sul. E o pior é que temos governantes dispostos a fortalecer esse terrível status quo. Sendo assim, os desafios são imensos, sobretudo se considerarmos um mundo em transição para uma “nova ordem mundial”, em que ainda não sabemos bem para onde estamos caminhando. Resta-nos mudar os “termos do debate” (nacional e internacional) e seguir na luta.

Margareth: As desigualdades que marcam desde o nível de vulnerabilidade e exposição aos problemas de saúde, ao acesso aos serviços, medicamentos, vacinas, parecem ser o maior desafio global. E esse desafio depende de solidariedade entre e intra nações. 
A pandemia também revelou o poder de grandes companhias produtoras de equipamentos e insumos para a saúde e a vulnerabilidade de países mais pobres e dependentes. 

Outro problema, sem dúvida, foi a infodemia, com a produção maciça, em várias partes do mundo, de informações inadequadas ou mesmo falsas, que muito atrapalharam a adoção de medidas fundamentais para a mitigação da transmissão, do agravamento da doença e da ocorrência de óbitos.
No mais, eu ainda destacaria dificuldades na articulação com outros setores para a resposta a problemas complexos colocados pela pandemia, que transcenderam a necessidade de ações meramente pertinentes ao setor saúde.


Como os determinantes sociais, políticos e econômicos mais amplos da saúde impactaram a prestação de serviços e a formação de recursos humanos durante a pandemia? 


Celia: A pandemia foi basicamente disruptiva de todos os âmbitos da vida pessoal e profissional, em todo o mundo. No Brasil, temos o desfinanciamento do SUS, que se agravou nos últimos anos, pari passu o aumento da pobreza e da miséria, o agravamento de enfermidades crônicas, a falta de acesso à prevenção básica, a material de proteção, testes, equipamentos de UTI e até vacinas, em determinado momento. Tudo isso, por definição, aumenta a demanda por serviços de saúde, demanda esta que não pode ser atendida como deveria. Agrega-se, ainda, a exaustão dos profissionais que atuam nos serviços públicos, em número insuficiente, submetidos a regimes insanos de trabalho e em condições deliberadamente precárias. 

E a formação/capacitação de recursos humanos obviamente também ficou muito prejudicada, o que exigiu enormes esforços de adaptação dos profissionais e estudantes em tempo recorde!

Margareth: Eu diria que esses determinantes têm produzido problemas crônicos, estruturais, que não foram passíveis de mitigação substantiva no decorrer da crise. A pandemia escancarou esses problemas, mas, a partir dela, é fundamental que sejam estabelecidas políticas e ações que visem à melhor distribuição de recursos de saúde, à ampla capacitação de recursos humanos, ao fortalecimento de carreiras para profissionais de saúde no país e a regionalização.


Quais são os principais desafios presentes e futuros do sistema público de saúde brasileiro? 


Celia: Há um árduo caminho a ser percorrido, seja para reconstruir, em condições pouco amigáveis, o que foi destruído e merece ser recuperado, seja para corrigir as falhas e “prescrições” passadas que precisam ser revistas diante de novos tempos. Não podemos abrir mão do nosso sistema nacional de saúde, que deve ser público, independente do estatuto jurídico do prestador de serviço, universal e gratuito.

Margareth: Insisto na necessidade de redução das desigualdades. A distribuição de recursos de saúde, especialmente os recursos mais complexos, é extremamente desigual no país.

O baixo investimento no SUS também tem contribuído para a precarização de estruturas no que concerne aos recursos físicos, humanos e equipamentos e insumos.

Os problemas de qualidade do cuidado de saúde precisam ser enfrentados de forma consistente, com investimentos, capacitação de pessoal, carreiras valorizadas para gestores de unidades assistenciais e para profissionais de saúde.

A Atenção Primária à Saúde tem de ser fortalecida para resolução efetiva de problemas de saúde nas comunidades e referência de pacientes para a rede de serviços mais complexos quando, de fato, necessário. 

Fatos recentes também mostram a vulnerabilidade dos nossos sistemas de informação em saúde. No decorrer de muitos anos, muito se avançou na área, e temos sistemas de informação importantes, mas é necessário investir na boa alimentação e segurança desses sistemas para que sejam confiáveis e se prestem a subsidiar decisões de forma ágil.

Também precisamos investir em autonomia em relação à produção de suprimentos estratégicos para a saúde.  


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