CD ENSP: Pandemia, geopolítica global na diplomacia em saúde e atual conjuntura do SUS são pautas de encontro
Por Danielle Monteiro
No dia 22 de fevereiro, foi realizado o CD de Integração ENSP, reunião do Conselho Deliberativo da Escola. O encontro contou com uma apresentação do coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), ex-presidente da Fiocruz e ex-diretor da ENSP, Paulo Buss, sobre a pandemia e a geopolítica global na diplomacia da saúde. Também participou da reunião o ex-ministro da Saúde e pesquisador da ENSP, José Gomes Temporão, que, na ocasião, discorreu sobre a atual conjuntura do SUS e da saúde no Brasil.

Após dar início ao encontro com uma saudação à memória de Vitor Labre, servidor da Fiocruz recentemente falecido - reconhecido como uma das lideranças dos movimentos reivindicatórios pela democratização da fundação - o diretor da ENSP, Marco Menezes, destacou o IX Congresso Interno da Fiocruz como uma marca institucional importante.
Em seguida, o diretor da ENSP convidou os participantes a refletirem sobre os impactos e desafios da atual conjuntura política e sócio sanitária do país e do mundo sobre a vida institucional e os processos internos. Com a apresentação de dados do Observatório Covid-19, ele abordou os desafios que a pandemia trouxe para a organização e os sistemas e serviços de saúde, reforçando que a chegada das eleições gerais no país é um momento de defendermos a democracia. “Defender a democracia no país é também defender as instituições públicas, autônomas, como a nossa instituição e tantas outras”, afirmou.
Ao longo de sua apresentação, o diretor da ENSP também citou a tragédia recentemente ocorrida em Petrópolis, no Rio de Janeiro, como um dos maiores desafios da saúde pública. Ele ainda chamou a atenção para o desmonte do SUS, instigando os participantes a refletirem sobre como enfrentar essa questão em um contexto de processo eleitoral do país, que pede pelo posicionamento das instituições públicas na defesa do sistema de saúde e ensino públicos. Menezes defendeu que é papel dos trabalhadores, trabalhadoras e estudantes de uma instituição como a Fiocruz se posicionar frente a questões como essas e disse que o grande desafio, para a Escola e a fundação como um todo, é reconstruir e construir agendas e trajetórias diante da atual conjuntura política vivenciada pelo Brasil.
Ao concluir sua apresentação, Menezes citou a Carta à Sociedade, fruto do IX Congresso Interno da Fiocruz, como uma referência de avanço no diálogo com a sociedade nas questões centrais do país. Ele também afirmou que o grande desafio colocado no campo da saúde coletiva e para a Fiocruz é realizar um debate com a sociedade civil organizada, os movimentos socias e as instituições, citando, como referências, o Movimento pela Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular de Saúde, liderado pela Frente Pela Vida, e a Conferência de Manguinhos.
Diplomacia da saúde: pandemia e geopolítica global
Em uma apresentação sobre a pandemia e a geopolítica global na diplomacia da saúde, o coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), ex-presidente da Fiocruz e ex-diretor da ENSP, Paulo Buss, destacou o papel internacional que a ENSP tem a cumprir, por ser a instituição mais respeitada da América Latina no campo da saúde pública, além de atuar como Secretaria Técnica da Rede de Escolas de Saúde Pública daquela região e da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). “Nós temos uma obrigação imensa de refletir sobre a questão internacional, como ela repercute no Brasil e como a ENSP pode incidir, atuar e influenciar a agenda global”, defendeu.
Ao traçar um panorama sobre o atual cenário internacional, Buss enfatizou que a pandemia gerou um enorme impacto nos campos econômicos e sociais no mundo e arruinou anos de esforços de desenvolvimento, ampliando as desigualdades e inequidades em saúde, já existentes anteriormente. Segundo ele, a disseminação do coronavírus também sobrecarregou os sistemas de saúde, piorou a vida de bilhões de pessoas, minou o fornecimento de serviços básicos por governos locais, manteve bilhões de alunos fora da escola e ampliou a insegurança alimentar e a fome. O aumento do desemprego e da dívida preexistente em países do Terceiro Mundo, assim como a interrupção de cadeias de abastecimento e valor, também foram citados por Buss como graves consequências da pandemia.
Em seguida, o diretor do Cris apresentou seu livro recém lançado, intitulado Diplomacia da saúde: respostas globais à pandemia, que reúne uma série de artigos de especialistas sobre a crise sanitária, instalada pela pandemia, que aprofundou as múltiplas crises preexistentes. “O retorno ao Velho Normal é o que está se delineando aí. E isso tudo tem implicações profundas sobre a saúde humana e o trabalho da ENSP, que deve organizar o sistema de saúde e ajudar a explicar, com os Determinantes Sociais da Saúde, toda essa situação”, destacou.
“Mas como enfrentar uma pandemia e uma crise sistêmica de múltiplas dimensões?”, indagou o diretor do Cris. A resposta, segundo ele, está nas políticas, ações e recursos multisetoriais governamentais e da sociedade civil, locais, nacionais, regionais e globais.
A primeira dimensão política da crise global, para Buss, é a crise do multilateralismo e do sistema de instituições geradas após a Segunda Guerra Mundial, assim como a presença de um mundo multipolar, com competição pela hegemonia global entre EUA e China.
Ao abordar a conjuntura política global multilateral, Buss atentou para o multilateralismo fragilizado do sistema ONU, as disputas geopolíticas, os blocos de países, o papel periférico da América Latina e da África, além do papel inexpressivo do Brasil no campo internacional.
Buss concluiu a apresentação atentando para os espaços políticos globais e hemisféricos da diplomacia da saúde em 2022, que devem ser acompanhados pela ENSP. Entre eles, o Comitê Executivo OMS, que organiza os debates da Assembleia Mundial da Saúde; o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas; A UNEA, reunião das Nações Unidas sobre meio ambiente; o Fórum de Países da América Latina para o Desenvolvimento Sustentável; a Assembleia Mundial da Saúde, entre outros. Uma especial atenção, segundo ele, deve ser dada à Cúpula das Américas, que será realizada em junho, nos Estados Unidos, por ser extremamente importante e delicada, além de exigir inteligência para ser aproveitada, já que a saúde estará na pauta. “O Complexo Médico Industrial tem que ser discutido nessa reunião, pois a posição americana em relação às patentes e transferência tecnológica das empresas sediadas em território americano é pura retórica. Não adianta liberar patente. Se não houver transferência tecnológica e nem a assistência da mesma, não terá vacina produzida fora das empresas centrais nos países centrais”, alertou.
O atual momento vivenciado pelo SUS e a saúde no Brasil
A atual conjuntura da saúde pública brasileira, com um olhar para o futuro em termos dos desafios estruturais, foi o tema da apresentação do ex-ministro da Saúde e pesquisador da ENSP, José Gomes Temporão, no CD de Integração ENSP.
“Após mais de três décadas de implantação do SUS, o Brasil ainda não consolidou um sistema de saúde efetivamente universal, apesar do esforço de lideranças, profissionais de saúde e gestores. O que temos hoje é um sistema fragmentado, com uma parcela importante da população brasileira usando o SUS para determinadas necessidades e demandas, mas que, para suas necessidades cotidianas de exames, cirurgias e internações, utiliza o sistema de planos de seguros, com um peso muito importante dos chamados planos coletivos associados ao vínculo de trabalho”, observou o ex-ministro da Saúde.
Temporão lembrou que a realidade do sistema público de saúde brasileira está muito distante do ideário da oitava Conferência Nacional de Saúde e disse que o real processo de construção de estruturação do SUS tem levado a um crescimento progressivo do setor privado, com uma consequente segmentação, fragmentação e produção de grandes desigualdades e inequidades. Além disso, afirmou que a conjuntura política e econômica, instalada desde 2016, fragilizou as políticas sociais e colocou novos obstáculos ao rumo que o SUS começou a trilhar a partir da Constituição de 1988: “Hoje temos desigualdades inadmissíveis em relação ao acesso ao cuidado entre regiões, dentro das próprias regiões e entre classes sociais”.
A difícil situação em que se encontra o SUS, segundo Temporão, se agravou com a crise sanitária causada pela pandemia, somada à pressão sobre os serviços de saúde, provocada pelo aumento de carga de doenças pela síndrome pós-Covid, e ao represamento no atendimento na rede pela falta de leitos, profissionais e insumos.
Para enfrentar os desafios na saúde pública, Temporão defendeu que é preciso, nesse processo, evitar o risco de assumirmos uma postura reativa frente à destruição sistemática em curso e abolir uma visão puramente incremental da política de saúde, a qual, segundo ele, aparece em várias propostas. “De que adiantaria apenas recuperar bons programas ou acrescentar novos bons programas? A discussão é muito mais delicada, séria e profunda. Precisamos ir mais fundo tanto no diagnóstico quanto nas propostas. Na verdade, temos que analisar como vem se dando, há décadas, o processo de luta na sociedade brasileira, pela apropriação dos fundos públicos na saúde, e de privatização da oferta. É preciso também avaliar quais são os fatores que fizeram com que, mesmo após três décadas, a efetiva implantação do sistema universal esteja muito longe de ser concluída”, alertou.
Uma série de fatores estruturais, segundo o ex-ministro, impactam a atual conjuntura da saúde pública brasileira. Entre eles, a revolução tecnológica em curso, a medicina de precisão, a Inteligência Artificial, as novas tecnologias, a transição demográfica, a prevalência das doenças crônicas, assim como as mudanças na organização do trabalho na saúde e nas políticas econômicas, com a hegemonia do neoliberalismo e o ataque a tudo que é público e estatal.
Para Temporão, a fragilização estrutural do SUS atinge diversas dimensões. A primeira é econômica, marcada por um subfinanciamento que se transformou em desfinanciamento, com a aprovação da emenda 95, que reduziu a participação do gasto público no gasto total. “Cerca de 45% do gasto total é público, aproximadamente 30% são privados e 25% são gastos das famílias, em medicamentos e procedimentos, o que provoca um forte impacto principalmente no orçamento das famílias de menor renda”, disse o ex-ministro.
A segunda dimensão, segundo Temporão, é tecnológica, com a perda da liderança do SUS no processo de incorporação e modernização tecnológica e a interrupção da política de fortalecimento do Complexo Econômico Industrial da Saúde, a partir de 2016.
Já a terceira dimensão, para o ex-ministro, diz respeito ao campo organizacional, marcado pela longa espera em filas por procedimentos e doações. A fragilização estrutural do SUS ainda se dá, conforme observou Temporão, no campo laboral, com a ausência de uma política de pessoal para o SUS e a precarização de vínculos de trabalhadores.
Os modelos jurídicos institucionais de gestão também sofrem impacto da fragilização do sistema público de saúde brasileiro, conforme relatou Temporão: “São extremamente ultrapassados. Paradoxalmente, as novidades implantadas por governos de todos os matizes ideológicos só pioraram a situação. Hoje temos falsas cooperativas, contratos por tempos indeterminados, terceirização e organizações sociais nas manchetes de páginas policiais”.
Outra dimensão atingida pela fragilização do SUS, segundo ele, é a política. “O próprio ator político SUS atualmente está mais fragmentado e dividido do que no passado. A bancada da saúde no Congresso hoje é hegemonicamente privada”, disse.
Como solução para esses problemas enfrentados pelo sistema público de saúde brasileiro, Temporão propôs o avanço na regulação do setor privado; o estabelecimento, de fato, do que consta na lei 8080 (o contrato de direito público na relação entre o SUS e a rede privada contratada para oferecer serviço); a revisão, com urgência, das atuais normas que permitem subsídios ao mercado de renúncia fiscal; a devolução da Agência Nacional de Saúde (ANS) para a saúde pública; o aperfeiçoamento dos mecanismos de ressarcimento ao SUS com agilidade e rigor; e a mudança da atual legislação que regula o setor de seguros de saúde, no sentido de impedir a fragmentação e garantir o cuidado integral.
Ações e desafios das vice-direções da ENSP
Na parte da tarde do encontro, os vice-diretores da Escola apresentaram seus planos de trabalho. A vice-diretora de Ensino, Enirtes Prates, destacou o planejamento de retomada das aulas presenciais (o plano Conviver) e falou sobre os eixos e ações estratégicas da vice; governança, organização e gestão; além das metas a serem alcançadas.
A vice-diretora de Pesquisa e Inovação, Luciana Lima, discorreu sobre um dos compromissos que consta no Programa Vivo da ENSP, que trata da Pesquisa e Inovação, abordando os eixos estratégicos da gestão da pesquisa na Escola, além dos desafios de governança, organização e gestão. Ela também destacou o lançamento do programa de fomento, incluindo o edital de Pesquisa da ENSP 2021.
Já a vice-diretora da Escola de Governo em Saúde, Marismary De Seta, falou sobre as perspectivas e desafios para a gestão integrada, apresentando cooperações, projetos estratégicos e relações institucionais, assim como as linhas de ação para equacionar desafios e oportunidades para 2022.
As diretrizes para cumprir com o compromisso nove do Programa Vivo, que trata do fortalecimento das ações de assistência e vigilância, foram tema da apresentação da Vice-Direção de Atenção à Saúde e Laboratórios de Saúde Pública (VDAL). A vice-diretora Fátima Rocha discorreu sobre os eixos e ações estratégicas do setor.
O vice-diretor de Desenvolvimento Institucional e Gestão (VDDIG), Alex Molinaro, falou sobre os principais projetos do setor, destacando a importância do momento para a elaboração do Planejamento Institucional Participativo (PIP 2022-2025), assim como o impacto de tais ações na sociedade, além das pautas de relevância estratégica para o CD/ENSP a curto prazo.
Durante a reunião, a fim de traçar um panorama das atividades da ENSP, os chefes de departamento apresentaram seus principais projetos, ações e seu impacto na sociedade. As apresentações servirão como base para a elaboração do Planejamento Institucional Participativo. Foi um momento importante, pois possibilitou que todos do Conselho Deliberativo tivessem acesso a uma visão global das ações e projetos prioritários de todos os departamentos.
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