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Abrascão 2022: mesa debate desafios e perspectivas do SUS

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Publicado em:23/11/2022
Por Danielle Monteiro

A mesa Sistema Único de Saúde: desafios persistentes e perspectivas, realizada na tarde dessa segunda-feira (21/11), durante o  13º Congresso da Abrasco, em Salvador (Bahia), teve a apresentação de estudos sobre temas como a importância dos agentes comunitários, modelos de gestão na APS, territórios vinculados a Equipes de Saúde da Família, eficiência da Atenção Primária e Programa Mais Médicos. A atividade foi coordenada pela pesquisadora da ENSP, Ligia Giovanella.

A visão sobre o agente comunitário de saúde na televisão

Durante a apresentação de sua tese de doutorado em Saúde Coletiva Os papéis do agente comunitário de saúde na série de televisão Unidade Básica, veiculada pela Universal desde 2016, Tassiana Gonçalves, da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), mostrou que  aqueles profissionais de saúde podem desempenhar inúmeras funções, conforme revelam os resultados da pesquisa. O estudo, que buscou identificar os papéis da categoria profissional divulgados nos episódios do programa, mostrou que o protagonista da série circula pelo território desempenhando funções como fiscal, agente do governo, morador do bairro, guia da equipe de saúde, mensageiro, portador de informações privilegiadas e educador. 

Os resultados apontam que tais papéis coincidem com algumas funções prescritas para o agente comunitário na Política Nacional de Atenção Básica - mediador entre o conhecimento técnico e da população, morador do bairro - e também o coloca frente a inúmeras funções não prescritas - agente do governo, fiscal e portador de informações privilegiadas. Os papéis que mais se repetiram na série foram de informante e guia no território. “Foi interessante que a série escolheu um homem, cis e heterossexual, pois a maioria dos agentes comunitários são mulheres”, observou Tassiana. A série ainda mostra as relações da categoria profissional com demais equipes e moradores. “Essa interação ainda é complicada. Em um dos episódios, uma médica entra na Unidade Básica, trazendo uma visão biomédica e, ao longo da série, ela vai desconstruindo essa visão. Isso envolve o agente comunitário, pois ela começa a enxergar esse profissional como importantíssimo na prática dela, a medida em que ela começa a entender o que ele faz”, analisou.

Mudanças no atendimento e seus impactos nos territórios vinculados a Equipes de Saúde da Família

Em seguida, a autora da pesquisa A redivisão de microterritório vinculado a Equipes de Saúde da Família de unidade de saúde de Porto Alegre após mudanças na estrutura de atendimento do território, Clara Schneider, da  Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mostrou aos participantes da mesa a importância de se levar em consideração certos critérios, como vulnerabilidade e acesso limitado por particularidades territoriais, ao se dividir territórios vinculados a Equipes de Saúde da Família. O estudo analisou um território de Unidade de Saúde (UN), que absorveu os territórios e duas Equipes de Saúde da Família (ESF) e uma Unidade Básica de Saúde (UBS) EM 2021, fazendo, assim, uma abordagem contrária à anterior, que tomava o espaço geográfico como critério. Com o redimensionamento, entre as seis ESF que compõem a US, duas ficaram com mais de 70% do espaço geográfico do território, e três equipes ficaram com um território anteriormente vinculado a apenas uma equipe. Dessa forma, segundo Clara, foi possível assistir, com maior equidade, o território, com atendimentos domiciliar, consultas de pré-natal e puericultura e busca ativa melhor divididas entre as equipes. “Não fazia sentido a antiga divisão estritamente geográfica, era preciso, realmente, ter outro olhar sobre a ESF”, afirmou Clara.

Sendo assim, segundo ela, o estudo confirma que, para a divisão de microterritório para vinculação de ESF em US com mais de uma equipe, é importante considerar não somente o espaço geográfico, mas também como o território é composto, levando em consideração vulnerabilidades locais, características culturais e epidemiológicas. “É importante que essa discussão ocorra também em outros serviços”, concluiu.

Eficiência da Atenção Primária à Saúde

Apresentado por André Paes, da ENSP, a pesquisa Eficiência da Atenção Primária à Saúde nas capitais brasileiras: um estudo comparativo que considera os modelos de gestão adotados analisou a eficiência das capitais brasileiras e do Distrito Federal na Atenção Primária à Saúde (APS) entre 2008 e 2019, a partir da experimentação da terceirização dos serviços de atenção básica mediante organizações sociais, empresa pública e fundações estatais de direito privado, ou a manutenção da gestão e da provisão mediante administração direta. A pesquisa revelou que as quatro capitais identificadas como de terceirização por modelos alternativos na APS (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Fortaleza) não obtiveram maior eficiência perante a administração direta, assim como não evoluíram ao longo do tempo analisado. Em 2019, apenas capitais de gestão por administração direta conseguiram obter índice máximo de eficiência relativa na comparação entre as capitais. As quatro capitais com modelos gerenciais alternativos à administração direta não conseguiram atingir a fronteira de eficiência em nenhum dos anos contemplados na pesquisa.

Segundo o autor da pesquisa, o estudo confirma que os novos modelos de gestão não auferiram maior eficiência na APS em relação à administração direta. Os modelos alternativos tampouco trouxeram ganho de eficiência, contrariando a visão neoliberal de novo modelo de gestão, que acredita na maior eficiência com a adoção de fundamentos do mercado e inclusão de instituições privadas na “qualificação” da prestação de serviços públicos, especialmente nas políticas sociais.

Novas equipes de Atenção Primária à Saúde e seus efeitos sobre o modelo de atenção

Apresentado por Angelica Ferreira, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), o estudo Novas equipes de Atenção Primária à Saúde (APS) e os potenciais efeitos sobre o modelo de atenção nos municípios do Rio de Janeiro e Salvador, realizado entre 2019 e 2022, revelou que, no Rio de Janeiro, devido à implantação de novas equipes de APS, houve aumento de 51,3% para 73,2% na cobertura da Atenção Primária à Saúde. Em Salvador, o crescimento foi de 40,02% para 48,1%. 

A pesquisa também mostrou que a dinâmica de incorporação de equipe de Atenção Primária difere nos dois municípios: Salvador, tanto pela composição da equipe de Atenção Primária, quanto da Equipe de Saúde da Família, com número reduzido de agentes comunitários de saúde, sugere inclinação ao modelo da clínica reduzida, com prejuízo para a abordagem multiprofissional e territorial. Já no Rio de Janeiro, a expansão das equipes de Atenção Primária foi pequena em relação à das Equipes de Saúde da Família, havendo recomposição da presença dos agentes comunitários de saúde, porém, com elevado número de cadastrados por equipe, com riscos para a qualidade da atenção. 

“Essa é uma realidade que claramente expressa ameaça em relação à presença de agentes comunitários de saúde na Atenção Primária à Saúde. A supressão de agentes comunitários de saúde equivale ao afastamento do território, o que significa, para o SUS, renunciar à organização de processos de trabalho que valorizem a determinação social do processo saúde-doença. Isso tem, como implicação, invisibilizar ações e sujeitos que, em um país pobre e desigual, já tem sido induzidos à invisibilização”, concluiu Angelica.

Efeitos da saída de cubanos do Programa Mais Médicos na Atenção Primária à Saúde

Dando seguimento à atividade, Malte Becker, do Instituto Kiel, da Alemanha, mostrou os resultados de sua pesquisa Os efeitos da saída dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos na produção de cuidados primários de saúde no Brasil. O estudo apontou reduções significativas, substanciais e persistentes no número de consultas de cuidados de saúde primários, após a saída de 8.316 médicos cubanos do Programa Mais Médicos  em novembro de 2018 . “Houve também efeitos sobre a produção relacionada às doenças e agravos não transmissíveis, que não retornou aos níveis pré-saída, mesmo após as vagas terem sido preenchidas”, observou Malte.

Segundo o autor do estudo, a falta de médicos de cuidados primários de saúde diminui significativamente a demanda dos cuidados primários de saúde na população local, o que resulta no crescimento, a longo prazo, das taxas de hospitalização e mortalidade locais. 

Agentes comunitários de saúde ontem e hoje

Ao longo da apresentação de seu estudo Agentes comunitários de saúde ontem e hoje: resgatando o fazer saúde em comunidades através da educação popular de Paulo Freire, Guilherme Pereira, da Universidade de Pernambuco (UPE), mostrou as grandes problemáticas impostas ao processo de trabalho dos agentes comunitários de saúde com o desmonte da Estratégia de Saúde da Família em curso no Brasil desde 2016. Para a pesquisa, foram entrevistados agentes comunitários de saúde da zona urbana do município pernambucano de Garanhuns entre 2021 e 2022. 

Os resultados indicaram o quanto a proposta do trabalho da categoria profissional, construída nos anos 2000, é diferente das atribuições dadas hoje, sobretudo no que diz respeito à centralização do processo de trabalho em indicadores de doença e distanciamento da promoção da saúde. Outra grande queixa dos agentes de saúde diz respeito ao adoecimento mental provocado pela cobrança de bater metas, desvalorização e silenciamento da categoria junto às gestões municipais.

Para o autor da pesquisa, os resultados revelam a necessidade de se resgatar, junto à categoria profissional, um fazer saúde baseado no conceito constitucional, que não se limita ao modo de produção da doença.

“Nossa ideia era entender, junto aos agentes comunitários de saúde, como acontece o desmonte do SUS. É importante que esses profissionais compreendam, antes de tudo, que esse desmonte é político e que não é o trabalho deles que é ineficiente ou a população que rejeita isso”, observou Guilherme.



























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