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Comunicação a serviço do SUS

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Publicado em:13/09/2022
*Licia Oliveira

Debate em celebração dos 40 anos do Programa Radis destacou o papel do diálogo como base de um jornalismo ativo para o fortalecimento de direitos

Um encontro com os diferentes Brasis para a promoção de saúde e do direito à comunicação: esse foi o mote escolhido para celebrar os 40 anos do Programa Radis Comunicação e Saúde e também o tema central da mesa Comunicação Pública e Saúde: pessoas, territórios e narrativas, ocorrida em 5/9, como parte das comemorações pelos 68 anos da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz). O bate papo entre os repórteres da revista Ana Cláudia Peres, Adriano De Lavor e Luiz Felipe Stevanim, atual editor da publicação, destacou a pluralidade de territórios e histórias de vida presente nas reportagens produzidas ao longo dos 40 anos de jornalismo público de Radis, especialmente a partir do olhar das pessoas invisibilidades ou em situação de vulnerabilidade.


Desde as primeiras publicações criadas ainda na década de 1980, no contexto da redemocratização do país e da luta pelo direito à saúde, como as revistas Dados, Súmula, Proposta e Tema, até chegar à revista atual, que começou a circular em 2002, o Programa Radis tem afirmado um compromisso com a saúde pública e com uma comunicação democrática e plural. O coordenador do programa, Rogério Lannes, já havia destacado na mesa de abertura do evento como o perfil das pessoas entrevistadas por Radis foi sendo ampliado ao longo dos anos, mas especialmente a partir dos anos 2000, quando “passamos a ouvir não apenas professores, militantes e acadêmicos”, mas diferentes vozes da sociedade. “Uma grande diversidade de vozes dentro da Radis passou a disputar cada centímetro de direito no enfrentamento ao racismo e à desigualdade, na ampliação da discussão de gênero e na luta contra o patriarcado”, refletiu.

A afirmação do direito à comunicação como essencial para a promoção de saúde e de outros direitos é um dos princípios que pauta o trabalho de Radis, como destacou o atual editor da publicação, Luiz Felipe Stevanim. Segundo o jornalista, que possui doutorado em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o conceito de comunicação pública não deve ser confundido com comunicação governamental ou estatal. “Comunicação pública é aquela que radicaliza a ideia de tornar comum, que está presente na própria palavra comunicação, e se pauta pelos princípios democráticos e pela promoção de cidadania”, afirmou.

Ao acolher a diversidade de vozes e promover reflexões em defesa do SUS e dos direitos sociais, como está expresso na Política de Comunicação da Fiocruz, a comunicação pública se afirma como aquela que é voltada para a garantia do interesse público, explicou o jornalista. Segundo Luiz Felipe, esse tipo de jornalismo não deve se pautar em “falar por”, mas “falar com” os diferentes sujeitos. “É preciso sempre lembrar que a comunicação é um bem público. É uma atividade fim e não uma atividade meio, essencial para a democracia, e é também estruturante para o direito à saúde”, ressaltou.

“Saúde é algo muito mais complexo do que eliminar doenças ou condições precárias que favorecem o adoecimento”. Essa é a ideia que, na visão de Adriano De Lavor, fundamenta a relação dialógica entre comunicação e saúde. Segundo o jornalista, que possui doutorado em Comunicação pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), para pensar comunicação e saúde é preciso ir além do propósito de apenas “divulgar” ou “fazer as pessoas entenderem sobre saúde”. “A comunicação em saúde que acreditamos e tentamos praticar é baseada na perspectiva do diálogo e da construção desse comum compartilhado. Essa definição de comunicação também é fruto de uma visão de saúde mais ampliada que não a vê exclusivamente como o contrário da doença”, pontuou. 

“Nosso lado é o SUS” 

A defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) está intrinsecamente ligada à história de Radis desde a sua criação em 1982. Ao longo de quatro décadas, o Programa foi testemunha ativa das lutas pela construção do SUS, passando por diferentes momentos históricos e governos, desde a redemocratização até chegar ao contexto de desmontes dos direitos sociais, como enfatizaram os repórteres e o coordenador, Rogério Lannes, no debate.



Luiz Felipe relembrou a escolha editorial, feita durante a cobertura da 16ª Conferência Nacional de Saúde, em 2019, de trazer o lema “Nosso lado é o SUS” como uma bandeira de Radis. Segundo o jornalista, por se pautar pela defesa dos direitos e da cidadania, a comunicação pública não pode ser neutra, principalmente diante do tema das desigualdades e das injustiças sociais. “Nós temos um lado e isso não é errado: nós estamos do lado dos direitos e da democracia”, disse. Contudo, ele ressaltou que não se trata de fazer a defesa da institucionalidade. “Como fazer uma comunicação que não seja burocrática ou que não se limite aos dados e aos números? Precisamos pensar em quem move a instituição SUS. E quem move o SUS são as pessoas”, afirmou.

Esse questionamento se reflete no fazer jornalístico e Ana Cláudia Peres destacou que os caminhos escolhidos para a condução das reportagens da revista reforçam a ideia de que é um “jornalismo comprometido”, “empático” e “que se importa” com o outro. Segundo a repórter, que possui doutorado em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), essa é uma profissão que não se restringe ao domínio da técnica ou à confecção de relatos burocráticos. “É preciso pensar em um jornalismo que se propõe a produzir narrativas junto com o outro, um jornalismo que deixa esse lugar autoritário e se propõe a construir algo em relação”.

Um dos caminhos apontados por ela é um constante exercício de inquietações e descobertas, em que o jornalista se deixa “afetar” por outros olhares e pelas narrativas trazidas pelas pessoas ouvidas em cada matéria. “Eu acredito que algo acontece na relação entre o repórter e suas fontes, no contato com os personagens, quando eles decidem contar algumas de suas histórias de vida”. Ao refletir sobre os potenciais do fazer jornalístico, a repórter comentou sobre a proximidade entre os modos de produzir conhecimento e de produzir afeto. “Jornalismo sempre foi sempre isso: contar histórias”, assinalou.

Narrativas construídas com o outro

Ana Cláudia relembrou algumas capas de Radis em que o protagonismo foi dado aos sujeitos, especialmente aqueles que são invisibilizados. Um dos exemplos foi a reportagem em que trouxe pessoas atendidas pelo Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Miriam Makeba, na Zona Norte do Rio de Janeiro — ao mesmo tempo, a pauta tratava das ameaças à política de saúde mental e das mudanças nas diretrizes sobre políticas de ações sobre drogas (Radis 202, julho de 2019). A jornalista ressaltou que o modo de narrar também é algo que a aproxima tanto das fontes como dos leitores. “Eu não narro apenas os fatos brutos. Procuro narrar uma relação entre mim e as pessoas com quem converso, disputando sentidos do mundo. Acredito que isso também faça alguma diferença para os leitores”.

O encontro com as pessoas em situação de rua e com a equipe do Consultório na Rua de Manguinhos, na Zona Norte do Rio de Janeiro, foi relembrado por Ana Cláudia, quando a repórter e o fotógrafo Eduardo Oliveira saíram pela primeira vez a campo depois do início da pandemia de covid-19 — o relato pode ser lido na Radis 229 (outubro de 2021). A jornalista conta que a ideia foi fazer o texto como se o leitor pudesse estar ali junto enquanto acompanhava um dia do serviço de saúde e as conversas com aqueles que estavam sendo atendidos. “Gosto de pensar que, ao ler essa reportagem, outras pessoas que não viveram essa experiência compartilham esse momento. Esse encontro é possível pela narrativa. É o lugar da alteridade, da empatia”, concluiu.  

Territórios e o diálogo com o futuro

Se o cuidado e a troca com as pessoas através das narrativas são características de um jornalismo voltado para a construção das relações com o outro e da busca de garantia de direitos, um terceiro componente que está interligado é a forma como se abrange os territórios. É o que a fala de Adriano trouxe ao debate. “O território está presente nos textos de tal maneira que deixa de ser apenas cenário das reportagens e se converte em elemento essencial da narrativa jornalística, entremeado nas histórias dos personagens, contextualizando-as e compondo-as como trajetórias humanas”. Para o repórter, as metáforas territoriais são muito importantes para a comunicação, mas muitas vezes passam despercebidas. “E no jornalismo isso fica muito mais aparente quando o território é usado como mero cenário”, comenta.  

“Pessoas e narrativas criam territórios que não são apenas físicos, mas de mobilização para mudança da realidade e esse é o propósito maior do jornalismo que praticamos na Radis”, ressalta Adriano, que trouxe exemplos de reportagens feitas na Amazônia em que o próprio território foi o personagem fundamental, inclusive para a promoção de saúde. Ana Cláudia concorda com o colega de redação: “Hoje na Radis eu tenho o privilégio de exercitar um jornalismo ‘do avesso’, que é além do cartão postal e que narra o que sobra desses enquadramentos.”

Assim como há territórios que são personagens, segundo Adriano, também ocorre o contrário — existem personagens que são “territórios”, pois agregam lutas e movimentos em torno de suas trajetórias. O repórter deu o exemplo da entrevista realizada com padre Júlio Lancellotti (Radis 230, novembro de 2021). Como o sacerdote trabalha com a população em situação de rua e faz o acolhimento a outros grupos vulnerabilizados, ele é como “um território vivo”, na visão do jornalista. “Ao redor do padre existe um território que ganha concretude pela sua atuação, que se destacou nesse tempo da pandemia”. Adriano ressaltou que acompanhar os compromissos do padre durante um dia, assim como seguir suas indicações, foi algo que rendeu mais de uma reportagem — incluindo uma visita à ocupação no Viaduto Alcântara Machado, onde moram cerca de 250 pessoas. “Se eu não tivesse a percepção de que aquele território ali tinha algo a me oferecer para além da entrevista formal, eu teria voltado talvez apenas com uma página de revista”, afirma. 

Ao serem perguntados sobre os desafios para o futuro, os jornalistas de Radis avaliam as perspectivas para a continuidade do serviço realizado pelo programa tanto para a Ensp, quanto para a Fiocruz e toda sociedade. Rogério ressaltou que as trocas com os diversos grupos sociais serão cada vez mais intensas. “Envolver a participação social que a gente tanto prega para a saúde no nosso próprio fazer jornalístico já é algo perceptível, que já está vindo por dentro do trabalho. As pessoas estão ocupando os seus espaços. São essas pessoas, esses territórios, esses personagens assumindo um lugar a partir de onde estão, mas que desejam falar sobre o todo”. Ana Cláudia comentou sobre o aumento das parcerias com aqueles que antes eram apenas entrevistados. “As personagens não são apenas fontes mais. Os comunicadores populares e os coletivos, aos poucos, têm trabalhado junto com a gente, inclusive já publicamos conteúdos produzidos por eles”.



Um diálogo cada vez mais intenso e presente com os leitores é uma aposta de Adriano. E ele afirma que na Radis sempre houve um apontamento para a importância do público na construção de tudo que é feito pela equipe. “Hoje a gente consegue colocar o leitor mais em evidência, em que ele não apenas vai sugerir a pauta, como também ser a fonte”. Para Luiz Felipe, diálogo é uma palavra-chave para pensar o futuro do jornalismo público de Radis. Ao comentar sobre a sigla de Radis, que significa Reunião, Análise e Difusão de Informação sobre Saúde, o repórter acredita que a chave está em uma pequena mudança. “É interessante a gente analisar que, em 1982, se falava em difusão da informação e hoje através do que se constrói de diálogo com a sociedade, talvez a gente possa substituir esse ‘d’ metaforicamente como diálogo”, argumentou.

Texto: Licia Oliveira (Radis)
Fotos de Eduardo Oliveira (Radis)


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