ENSP 68 anos: defesa pela democracia, inclusão e direitos humanos marca palestra de abertura das atividades comemorativas
Por Danielle Monteiro
A construção de um país efetivamente democrático, a partir de um processo de retomada da agenda civilizatória e conquista de direitos, foi o marco da palestra que deu o pontapé inicial às comemorações do aniversário de 68 anos da ENSP, nesta segunda-feira (5/09). Ministrada pela pesquisadora independente e militante Fernanda Lopes, a mesa Que país construiremos? Retomada da agenda civilizatória e reconquista de direitos levou o título das atividades comemorativas e trouxe importantes reflexões sobre o país que precisamos construir a partir das eleições que se aproximam.
Moderadora da palestra, a pesquisadora e integrante do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça e do GT Equidade e Diversidade da ENSP Roberta Gondim abriu a atividade destacando o quanto a Escola, desde seu nascimento, é impressa pelo pensamento crítico e concede possibilidades de uma construção apoiada na diversidade e com perspectivas de um futuro ancorado nos princípios e valores presentes na Constituição brasileira e nos quais a instituição acredita. “No entanto, é importante problematizarmos que democracia é essa que defendemos, que assinamos embaixo, mas que, cotidianamente, é negada a um conjunto populacional historicamente colocado fora desse cenário. Precisamos fazer essa discussão, pois ela é fundante do campo da saúde coletiva. Precisamos entender a saúde coletiva como espaço do pensamento crítico e de possibilidade de produção de outro pensamento social brasileiro”, complementou. Segundo Roberta, abrir esse diálogo na presença de Fernanda é absolutamente significativo, por ser ela uma referência na luta pela igualdade socio racial e equidade em saúde no país.
Que país construiremos?
Diretora de Programa do Fundo Baobá para Equidade Racial e integrante do GT Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Fernanda deu início à palestra ressaltando a produção de conhecimento, o compartilhamento de saberes e a construção de melhores subsídios como marcas da ENSP em prol de uma gestão mais responsiva no SUS e outros setores das políticas públicas.
“Sim, nós queremos um país efetivamente democrático”. Partindo dessa afirmativa e de um ideal de democracia que tem como alicerce os princípios da liberdade, transparência dos atos de gestão e educação para a cidadania, Fernanda trouxe reflexões sobre o regime democrático que precisamos manter, refundar, aprimorar e reconstruir a partir de outros marcos, na busca pela construção de um país mais igualitário, inclusivo e que conceda a todo o seu povo os direitos humanos presentes na Constituição. Nessa perspectiva, a pesquisadora independente e militante defendeu que a educação cidadã deve ser objeto de interesse individual, mas, sobretudo, responsabilidade direta dos representantes eleitos, e observou que, “embora a Constituição Federal seja um marco civilizatório focado nos direitos e dignidade da pessoa humana, essa mesma constituição segue deixando muitas pessoas para trás”.
Segundo Fernanda, o país que queremos construir deve estar ancorado “na compreensão massiva de que a igualdade é um valor que tem por base o tratamento igual entre os iguais e desigual entre os desiguais, sendo que o propósito da doutrina igualitária não é somente estabelecer quando duas coisas devem ser consideradas equivalentes, mas, sim, promover a justiça entre os indivíduos e coletivos”.
A pesquisadora criticou o uso da máquina pública a serviço dos interesses particulares e defendeu a inclusão dos valores dos povos tradicionais, originários e do Oriente na Agenda Civilizatória, atualmente contaminada pela cisheteronormatividade, pelo patriarcado, sexismo, racismo, capacitismo, etnocentrismo e etarismo. Para a construção de um país mais democrático e inclusivo, é preciso também, segundo Fernanda, o reconhecimento das desigualdades sociais como efeitos da hierarquização social e o compromisso de todos na exigência e corresponsabilidade por mudanças. “No novo país que queremos construir, será necessário reconhecer que o racismo influencia a macro e micro economia, a política, a cultura e os valores sociais na sua totalidade. Ele também restringe o acesso dos grupos racializados aos bens e serviços, modula a participação no mercado de trabalho, define as condições de emprego e renda, determina características e dinâmicas de territórios, condições de moradia e habitação, acesso e disponibilidade ao alimento, à informação, ao saneamento, à educação, à água potável, à saúde e à assistência social”, alertou.
Nesse cenário de desigualdades no país, Fernanda citou como exemplo a região da Amazônia Legal, onde habitam mais de 1 milhão de pessoas, das quais 32,7% vivem em aglomerados subnormais. “Dessas pessoas que residem nesses aglomerados, 77% são negras. Enquanto que, na população total urbana, nessas oito capitais da região, a população de negros é de 68%”, observou.
Outro dado alarmante sobre a Amazônia Legal levantado pela pesquisadora se refere à taxa de mortes violentas intencionais, que chegou a 30,9%, por grupo de 100 mil habitantes em 2021, 38,6% superior à média nacional. “A taxa de violência letal nas zonas rurais está relacionada aos conflitos fundiários e, nas cidades, está associada ao tráfico de drogas, o que torna esse território um dos mais violentos do Brasil”, alertou.
De acordo com dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2021, apresentados pela pesquisadora, as pessoas negras são as principais vítimas das mortes violentas intencionais, as quais incluem homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais. “O país que queremos construir não pode, nem deve naturalizar uma situação como essa. É preciso esperançar a radicalidade e a intencionalidade da mudança desse cenário. Nesse país onde se deseja a retomada dos direitos, é preciso garantir que todas as pessoas e todos os grupos humanos sejam reconhecidos como sujeitos de direitos. Povos indígenas e quilombolas terão seu direito a seu território ancestral protegido, à promoção da saúde, aos cuidados, tratamento e reabilitação e não precisarão entrar com uma ação de descumprimento do preceito fundamental junto ao STJ para conseguir garantir seu acesso à saúde e vacinação”, disse.
Fernanda defendeu ainda o aniquilamento da insegurança alimentar, um olhar mais atento às dificuldades econômicas agravadas pela pandemia, a educação integral em sexualidade como direito, a liberdade de expressão de sexualidade e de identidade de gênero, assim como a elaboração de estratégias de reforma agrária popular, a valorização da agroecologia e a adoção dos princípios de sustentabilidade e regeneração adotados pelos povos tradicionais. A necessidade de respeito à pluralidade dos corpos, de valorização da ancestralidade e de narrativas de vozes caladas, assim como o combate às fake news, com medidas punitivas para aqueles que as disseminam, também foram apontados pela pesquisadora. “Queremos um país que se reinventa e está disponível à regeneração, sem personalização da administração do poder e luta política, onde não haja distorção das lideranças da vida pública. Sonho em fazer parte dessa sociedade desenvolvida que não coaduna com políticas de morte e não naturaliza o capacitismo, o racismo, a lesbofobia, transfobia, xenofobia e opressão econômica. Que valoriza e se importa com todas as vidas e, sobretudo, enxerga o SUS e as políticas públicas como possibilidades reais de mudança”, concluiu.
Na ocasião, Fernanda recebeu, do diretor da ENSP, Marco Menezes, uma cesta da Feira Agroecológica Josué de Castro - Sabores e Saberes, projeto que relaciona agroecologia, alimentação saudável e promove a venda de alimentos orgânicos.
Assista, abaixo, à transmissão completa da palestra:
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