Especialistas debatem importância da equidade de gênero na ciência

A importância da equidade de gênero nas atividades científicas foi pauta do Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconcellos (Ceensp) realizado nesta quarta-feira (15/02). Com o tema Compartilhando saberes e experiências institucionais para a promoção da equidade de gênero nas ciências, o evento fechou a agenda integrada da Escola vinculada ao programa Mulheres e Meninas na Ciência na Fiocruz. O Ceensp foi organizado pela Vice-Direção de Pesquisa e Inovação da ENSP e contou com a moderação da pesquisadora da ENSP e representante da Escola no Grupo de Trabalho Mulheres e Meninas na Ciência na Fiocruz, Vera Marques. Além do Ceensp, a ENSP promoveu mais duas iniciativas voltadas ao Mulheres e Meninas na Ciência na Fiocruz: a Imersão no Verão na ENSP, realizada nos dias 9 e 10 de fevereiro, e a Roda de Conversa Ciência e Educação: caminhos para a inclusão, que aconteceu em 14 de fevereiro.
A vice-diretora de Pesquisa e Inovação da ENSP, Luciana Dias de Lima, deu início ao encontro destacando que a Fiocruz está comprometida com a promoção da equidade de gênero na ciência em consonância com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável definidos na Agenda 2030. Ela explicou que o programa Mulheres e Meninas na Ciência na Fiocruz visa contribuir com esse processo, que foi instituído em 2019 e se estrutura em três eixos principais. O primeiro é a valorização das mulheres na ciência, que tem como foco o reconhecimento das pesquisadoras, suas contribuições, a identificação dos problemas, assim como a proposição de mudanças para que as mulheres possam superar obstáculos e avançar nas suas trajetórias profissionais. O segundo é o Mais Meninas na Fiocruz, que, por meio de editais, estimula o acesso e a participação de alunas do ensino fundamental no campo científico. Já o terceiro eixo são os estudos e publicações de gênero em ciência e saúde, os quais incentivam a produção cientifica que valoriza a dimensão de gênero e suas múltiplas dimensões e interfaces na análise sobre ciência e saúde. “A ENSP tem contribuído no desenvolvimento das atividades que integram o programa na Fiocruz e, particularmente nesse Ceensp, pretendemos debater as experiências institucionais da promoção da equidade de gênero nas diversas áreas da ciência, além de apresentar recomendações sistematizadas e elaboradas a partir da oficina integrante do programa em 2022”, disse. Na ocasião, a vice-diretora apresentou a Carta de Recomendações, produto da oficina Mais meninas e mulheres na ENSP/Fiocruz: construindo caminhos para uma ciência emancipatória, realizada em 2022.
Em seguida, a ativista indígena da etnia Pankararu, antropóloga e coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Elisa Pankararu falou sobre a equidade de gênero no território indígena. Na ocasião, ela abordou os três sistemas próprios do território Pankararu onde, segundo ela, existe equidade de gênero. O primeiro apontado pela ativista foi o sistema educacional, que consiste no ensinamento de conhecimentos tradicionais passados de mais velhos para mais jovens, os quais são detidos também pelas mulheres. “Nós, mulheres indígenas, também somos detentoras, guardiãs e zeladoras dos saberes tradicionais desses conhecimentos, e isso me inspira a pensar e reafirmar a equidade”, afirmou Elisa. O sistema de saúde indígena de Pankararu foi também citado pela ativista, o qual envolve o conhecimento e a realização dos processos e procedimentos próprios de cura através de ervas medicinais, música, alimentação, entre outros. “Considerando que nossas mulheres detêm esse conhecimento e realizam esses processos de cura, isso me inspira também a pensar em equidade”, disse. Já o terceiro mencionado por Elisa foi o sistema de convivência, o qual, segundo ela, congrega todos os três sistemas. “É um sistema de convivência, de harmonia, de paz e de tranquilidade. Ou seja, é um território de gestão coletiva e, nesse sistema de harmonia, estão seres sagrados femininos também que me inspiram a falar de equidade”, afirmou. No entanto, segundo a ativista, apesar de haver equidade no sistema de convivência, ele foi violado com a chegada da colonização, em função do entroncamento patriarcal (o encontro da opressão pré-colombiana com a opressão europeia) e da violação do território sagrado.

Dando seguimento ao evento, a professora adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e pesquisadora de comunidades tradicionais, violência e racismo, Diana Anunciação Santos, centrou sua palestra em torno das interseccionalidades entre raça, gênero e classe. Ela atentou para a importância de fazer uso da interseccionalidade na discussão pela busca da equidade de gênero na ciência. “Não há uma igualdade analítica quando se discute raça, classe e gênero. Tende-se a colocar desigualdade em uma perspectiva sempre social, enquanto a desigualdade de raça e gênero fica sempre em segundo plano”, atentou. Segundo ela, ao se analisar os dados estatísticos, observa-se que quem pertence à classe em desvantagem na desigualdade social é, em grande maioria, a população negra e indígena, sendo as mulheres negras as que estão em maior desvantagem, na base da pirâmide, ocupando as piores posições em todos os espaços sociais, inclusive na Academia. No espaço acadêmico, que é muito hierarquizado por tal relação de poder, as mulheres negras estão nas piores condições. Daí a importância, segundo Diana, da construção de um contra-discurso das mulheres negras, que reivindica reformulações nos debates e agendas acerca do privilégio racial existente no feminismo hegemônico brasileiro e luta em favor da equidade de direitos frente à universalização da categoria mulher fundada no modelo feminino branco das classes privilegiadas.
Diana também atentou para a importância da epistemologia negra feminista no debate sobre equidade de gênero, que chama a atenção para a exclusão das experiências de mulheres racializadas (negras e indígenas) do que é definido como conhecimento. Ela também destacou que o campo acadêmico científico é fundamentado na perspectiva do racismo epistêmico, que consiste em teorias clássicas que não interpretam a realidade de opressão das mulheres racializadas em territórios colonizados. Para concluir, a professora citou algumas experiências da UFRB voltadas à equidade de gênero, como a política de reserva de vagas (cotas), o mestrado profissional em Saúde da População Negra e Indígena, entre outros.
Os aprendizados sobre equidade de gênero e raça na Fiocruz foram o tema da apresentação da assistente social e integrante do Comitê Pró-equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, Luciana Lindenmeyer. Ela iniciou a palestra trazendo dados que revelam a baixa representatividade de mulheres negras na atividade científica: no Brasil, em 2015, das pesquisadoras que recebiam bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq, apenas 7% eram negras e, dessas, 6,2% eram pardas e 0,8% pretas. Uma realidade que, segundo Luciana, denuncia a confluência do racismo e sexismo, reforçando a importância da inserção das categorias gênero e raça na análise para entender como essas desigualdades influenciam na construção do conhecimento. ‘A cor da pele vai acentuando cada vez mais essas dificuldades de acesso e permanência em espaços científicos”, observou. Na Fiocruz, de acordo com dados do boletim estatístico de 2020, a proporção de mulheres ocupantes de cargos e funções comissionadas de gerência intermediária é maior (56,4%) do que a de homens (43,6%). No entanto, o mesmo não ocorre em cargos de nível estratégico, no qual permanece a ocupação masculina (59,4%), enquanto as mulheres ocupam 40,6%. O maior cargo da Fiocruz foi ocupado, até final de 2022, por uma mulher.
Luciana também falou sobre a história, objetivos e ações do Comitê Pró-equidade de Gênero e Raça da Fiocruz. Ela ainda apresentou a tese criada pelo Comitê, que foi levada ao XIII Congresso Interno da Fiocruz e transversalizada na nona edição do congresso. A tese reafirma o posicionamento da instituição na luta por uma sociedade mais justa e equânime, comprometida com a diversidade do povo brasileiro, buscando reconhecer e enfrentar todas as formas de discriminação, exclusão e violência. E como podemos ser agentes de transformação para a equidade? Ao responder a pergunta, Luciana citou as ações da Fiocruz como um importante passo na busca por maior equidade de gênero e propôs algumas medidas que podem ser avançadas de forma mais concreta por todos nós. Entre elas, a defesa da política de ações afirmativas para negras, indígenas e pessoas com deficiência; a incorporação, como elemento importante e indispensável, da questão étnico-racial e de gênero nos debates, pesquisas e políticas públicas e no ingresso em grupos de pesquisa; a denúncia de qualquer ato ou omissão de racismo, machismo e capacitismo; dar maior visibilidade positiva à imagem e cultura das populações historicamente discriminadas; entre outros.
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