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Na Brasilândia, área de SP mais afetada por Covid, isolamento é luxo

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Publicado em:05/05/2020

Um jovem de cerca de 20 anos, com a máscara pendurada no pescoço, chegou ao Posto de Saúde Vila Galvão, no distrito de Brasilândia, em São Paulo, apresentando falta de ar. Um clima de apreensão se instalou entre funcionários e demais pacientes que aguardavam atendimento. Conduzido para fora do prédio, ele passou pela triagem de um enfermeiro com jaleco, máscara e protetor facial. A ordem, na parte interna, era evitar aglomeração e aproximação de casos suspeitos. Nos últimos tempos, o posto do bairro da periferia tem realizado até 200 atendimentos por dia — praticamente todos de Covid-19. O curioso é que as filas na porta, tão comuns no período pré-pandemia, desapareceram. Motivo: pacientes de outras doenças evitam pisar ali por medo de contágio. O temor dos funcionários é de o sistema entrar em colapso com o avanço do novo coronavírus nas redondezas.

Localizada no extremo norte da cidade de São Paulo, Brasilândia é o sétimo distrito mais populoso entre os 96 da capital. Seus 264.918 habitantes, no entanto, são submetidos a rankings bem mais amargos. Segundo o Mapa de Desigualdade da Rede Nossa São Paulo, é a região paulistana com a segunda maior proporção de residências em favelas (29,6%) e o quinto pior índice de emprego formal: 4,7% dos moradores economicamente ativos.

Recentemente, Brasilândia também passou a liderar uma tabela ainda menos honrosa: é o distrito da cidade com mais mortes por coronavírus — 81 entre confirmadas e suspeitas. Ao contrário de bairros mais ricos da região central, não há sinal de isolamento social. Boa parte do comércio de rua segue aberto e com filas na parte externa. Na última quarta-feira, uma feira livre reunia mais de 50 barracas na Rua Spencer Vampré, no miolo do distrito. Entre clientes e feirantes, muitos usavam máscaras, mas penduravam o equipamento no pescoço na compra de frutas e verduras.

ROMARIA SEM DIAGNÓSTICO

Familiares de vítimas da pandemia na Brasilândia reclamam da resposta do poder público — no tratamento médico e também na falta de ajuda financeira. Sem emprego há dois meses, com o fechamento da lanchonete onde era balconista, Irla Santos, de 37 anos, lida com dramas em sucessão. A começar pelo contágio do irmão Fernando, internado na UTI do Hospital das Clínicas após uma semana de idas e vindas a postos de saúde com sintomas de Covid-19 — com falta de ar, partes de seu rosto, pés e mãos ficaram arroxeados. Após vinte e dois dias entubado, não há previsão de alta. Dias após a internação de Fernando, foi a vez de Irla enfrentar a romaria pelos postos de saúde com febre e dores no corpo. Sem falta de ar, ela não teve acesso a testes nem a internação. O tratamento foi o de uma gripe forte: injeções do antibiótico benzetacil e analgésicos como dipirona. Em meio à suspeita de contaminação na família, dois de seus filhos pequenos mudaram-se para a casa dos tios numa cidade vizinha.
 
Ao lado dela ficou o mais velho, de 19 anos, cozinheiro numa lanchonete que está aberta por trabalhar apenas com entrega. A renda familiar, pouco mais de R$ 2 mil antes da pandemia, caiu pela metade. — O povo sabe que está errado ficar na rua e o comércio funcionar, mas precisa de dinheiro para sobreviver — diz Irla, que não conseguiu os R$ 600 do governo federal por ter trabalhado por um tempo com a carteira assinada.
 
A incerteza acompanha quem perdeu familiares para a pandemia. O técnico em informática Isaac Honorato, de 19 anos, viu a prima e vizinha Michele, de 23, morrer em 29 de março com sintomas de Covid-19. O resultado do teste veio um mês depois e deu inconclusivo. A família suspeita de erro na coleta do material. 
 
— A falta de informações é revoltante. Não dá para saber se podemos trabalhar — diz Honorato, que deve voltar em breve a uma loja de TI na Santa Ifigênia, Centro de São Paulo. A promessa da Prefeitura é reduzir os problemas neste mês, com a abertura de um novo hospital na região. Serão 150 leitos de UTI e 30 de enfermaria, exclusivos para pacientes com Covid-19. No momento, a taxa de ocupação em UTIs de hospitais municipais da capital gira em torno de 72%. Enquanto isso, uma estimativa da Federação Brasileira de Hospitais aponta que a ociosidade média de leitos na rede privada do país é de cerca de 80%, sendo de 60% no caso de leitos de UTI. — As pessoas falam que está tudo lotado, mas é só na rede pública. Enviamos carta ao Ministério para propor uma parceria com os hospitais particulares — diz o médico Adelvânio Francisco Morato, presidente da entidade.
 
AGLOMERAÇÃO EM CASA
 
A Secretaria Municipal da Saúde diz que não existem UPAs específicas para pacientes de Covid-19. Todos os estabelecimentos de atenção básica são porta de entrada para pessoas com primeiros sintomas da doença. A Prefeitura afirma que desenvolve ações anticoronavírus na periferia, que vão “de visitas domiciliares à instalação de pias em comunidades vulneráveis”. Em coletiva de imprensa, o secretário de Estado da Saúde de São Paulo, José Henrique Germann, atribuiu o aumento de casos na periferia da capital paulista à aglomeração dentro das próprias moradias:
 
— São muitas pessoas que vivem no mesmo domicílio. É preciso usar máscaras para prevenir a transmissão do vírus de uma pessoa à outra. Para o infectologista Eder Gatti Fernandes, presidente do Simesp, sindicato de 100 mil médicos do Estado de São Paulo, o sistema público só não colapsou graças aos hospitais de campanha e à reconfiguração dos leitos em hospitais dedicados quase 100% aos pacientes de Covid-19.
 
O desafio é garantir aos profissionais da rede pública as mesmas condições de trabalho da rede particular. Desde 17 de março, o Simesp recebeu 172 denúncias de médicos sobre problemas na infraestrutura dos hospitais no combate à pandemia. Desse total, 80% vieram de profissionais de hospitais públicos.
 
— As queixas mais comuns são de falta de equipamento de segurança e material de higiene — afirma.
 
“O povo sabe que está errado ficar na rua e o comércio funcionar normalmente, mas precisa de dinheiro para sobreviver”,
Irla Santos, moradora da Brasilândia e ex-balconista de uma lanchonete que fechou na pandemia, suspeita estar contaminada pelo coronavírus. “A falta de informações é revoltante. Não dá nem para saber se podemos ou não trabalhar.”
 
Isaac Honorato, técnico em informática que já perdeu familiares para a pandemia: “São muitas pessoas que vivem no mesmo domicílio. É preciso usar máscaras e seguir todos os procedimentos que fazem diferença no sentido de prevenir a transmissão do vírus de uma pessoa à outra.”
 
José Henrique Germann, secretário de Estado da Saúde de São Paulo: “As queixas mais comuns de profissionais da rede pública são de falta de equipamentos de segurança e materiais de higiene.”
Fonte: O Globo
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