Líder comunitário fala sobre carnificina nas favelas
O abismo que envolve o enfrentamento da pandemia se reflete de maneira clara em um aspecto fundamental: a capacidade de diagnóstico. Há diferença abissal no acesso de pobres e ricos aos testes. No Capão Redondo, bairro da periferia de São Paulo que já soma 46 mortes por coronavírus (7º no ranking da cidade), líderes comunitários relatam descaso e falta de exames.
Segundo Gilmar de Souza, presidente da Associação de Moradores do Jardim Valquíria, seus vizinhos estão sendo testados “praticamente dentro das ambulâncias, quando já saem quase entubados”: — Quando chegamos à Unidade Básica de Saúde, mandam voltar para casa, tomar dipirona para baixar a febre. Dizem que não tem teste. Quando contamos com a boa vontade de alguém, o resultado demora 20 dias. O mundo vai conhecer a maior carnificina dentro das favelas por causa do abandono do poder público. A saga também é vivida em Paraisópolis, uma das maiores favelas da capital. Lá, moradores juntaram dinheiro para comprar 2 mil exames.
— É dinheiro da própria comunidade, de governo aqui não tem nada — lamenta Gilson Rodrigues, um dos líderes da região. Sérgio Lima, líder comunitário no Jardim Helian, diz que, na periferia, se perde muito tempo sem poder confirmar o diagnóstico: — Não existe informação precisa. Estamos contando com a sorte — diz Lima.
— O prefeito diz que vai aumentar o número de covas no Itaquera. É estranho saber de tantos casos, e a solução ser o cemitério. Onde está o hospital de campanha para a Zona Leste? Até poucos dias, a ordem em São Paulo era testar apenas casos graves e profissionais de saúde. Na quinta-feira, no entanto, o governo anunciou a ampliação do programa e prometeu fazer 27 mil testes a cada um milhão de habitantes. Enquanto a periferia ainda aguarda essa nova leva, pelo menos dez laboratórios de São Paulo oferecem serviço VIP, como coleta em domicílio e até drive thru. Os exames custam de R$ 350 a R$ 470 e ficam prontos em até 48 horas.
Semana passada, o assessor financeiro Daniel Wainstein, de 50 anos, fez o teste de coronavírus sem nem precisar sair do carro. Ele e o pai de 87 anos se examinaram em um drive-thru na região do Jardins, apenas por precaução. — Fizemos um cadastro assim que chegamos. De dentro do carro, baixamos a janela, vieram quatro profissionais com tubos de ensaio que tinham nossos nomes, colheram material do nariz e da garganta e fomos embora. Um negócio realmente muito rápido. Usei meu celular para pagar; então, nem precisei encostar o dedo na máquina para digitar a senha — conta Wainstein.
Fonte: O Globo