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Clima, saúde e trabalho: pesquisador da ENSP/Fiocruz explica riscos e desigualdades diante do calor extremo

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Publicado em:25/02/2025
Por Barbara Souza

O calor extremo traz riscos à saúde de todos. Mas alguns podem se proteger, enquanto outros se veem obrigados a se expor a altas temperaturas, como vários grupos de trabalhadores. Como na sociedade em geral, há desigualdade de acesso a meios de amenizar os impactos da crise climática, no mundo do trabalho, os danos à saúde aumentam conforme o tipo de atividade exercida. É o que o médico do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), Antonio Sergio Fonseca, explicou ao Informe ENSP. 

O pesquisador especialista em Saúde do Trabalhador afirmou que “para qualquer tipo de atividade, mesmo as mais leves, níveis altos de temperatura são profundamente danosos”. No entanto, ele destacou que os trabalhadores da construção civil, da limpeza pública e os vendedores ambulantes, entre outros, são os mais prejudicados. “A construção civil alia um trabalho pesado, no qual há cargas maiores. Então, consome mais e corre-se maior risco maior de ter danos”, ilustrou.

No universo dos serviços de saúde, Antonio Sergio Fonseca chamou a atenção para a rotina dos Agentes Comunitários de Saúde e os de Combate às Endemias. “Eles andam em comunidades, precisam muitas vezes subir morros e escadarias enormes. Circulam em lugares muito quentes, em espaços reduzidos, onde o ar não circula bem”, explicou. Fonseca destacou também a vulnerabilidade dos autônomos: “Um exemplo é o vendedor ambulante de praia. Neste calor, ele vai trabalhar o máximo possível porque depende disso e a demanda está alta. Então, a pressão da carga de trabalho, por obter resultados de venda, é muito maior”. 

Trabalhadores no verão do Rio de Janeiro, que atingiu nível 4 de calor. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Deslocamento é esforço dobrado no calor

“Todos os exemplos de trabalhadores mais expostos ao calor têm, normalmente, dificuldades relativas ao transporte. Precisam lidar com baixa qualidade, falta de climatização, lotação e diversas irregularidades. Então, a questão do calor se torna mais presente”. O médico do Cesteh/ENSP avalia que o problema do calor - do cansaço e do estresse ligados a ele - é enfrentado pelos trabalhadores desde o deslocamento para sua atividade. Fonseca lembra ainda das longas distâncias percorridas entre casa e local de trabalho e do trânsito lento nas metrópoles. 

Outro ponto destacado pelo especialista é que os trabalhadores, especialmente os que praticam suas atividades em condições mais precárias, costumam morar distante do litoral, em áreas degradadas do ponto de vista de vegetação. “São pessoas que vivem em áreas onde há muito cimento, muita pedra, o que eleva a temperatura. Elas acabam precisando de um esforço maior para chegar ao trabalho. Então, mesmo aqueles que não exercem funções consideradas pesadas precisam fazer um esforço muito grande para trabalhar”, analisou.

Sintomas e perigos

Desidratação e intermação, também conhecida como insolação, são as consequências mais recorrentes da exposição ao calor. “Dá dor de cabeça, irritabilidade, prostração, a temperatura corporal aumenta, afinal o corpo busca se equilibrar com o ambiente. Pode haver câimbras e, às vezes, sintomas mais gerais, como enjoo e vômito”. No longo prazo, os riscos comprovados são de doenças de pele. O médico do Cesteh reafirmou ser mais do que confirmada a relação direta entre a exposição à radiação solar e o câncer e acrescentou aos danos o envelhecimento precoce. 

Para que tem comorbidades, um alerta. “Do ponto de vista geral, pode-se imaginar que um quadro de hipertensão poderia se beneficiar da vasodilatação gerada pelo calor, pois este é um fator que favorece a redução do nível da pressão. Mas, isto não ocorre. A situação permanece na mesma gravidade. Então, o hipertenso passa a ter os problemas ligados à doença e problemas ligados à exposição ao calor. Portanto, há um somatório maior de questões e seu quadro pode complicar”, exemplificou.  

Além disso, Antonio Sergio Fonseca lembra que o calor aumenta o risco de acidentes, tanto de trânsito, quanto de trabalho. “É como se o calor tirasse um pouco do nosso foco, da nossa atenção. As atividades do corpo se concentram em buscar a homeostase, o equilíbrio com o meio externo. Então, a tendência é o organismo focar nessa função, reduzindo a atenção às outras”.

O que fazer?

“Há situações em que o estado precisa se preocupar com a saúde da população e intervir”, defendeu Fonseca. Para o médico, em momentos de forte calor, seria necessário encerrar atividades que não forem indispensáveis, ao menos em horários de pico, pois isso reduziria a exposição à radiação solar. Seria o caso do trabalho em construção civil e limpeza urbana, por exemplo. “Num funcionamento dito normal, as pessoas mais vulneráveis sempre vão ser mais expostas aos riscos. Para amenizar os danos em horários mais quentes, seria interessante direcionar trabalhadores que atuam ‘em campo’ para tarefas em escritórios, por exemplo”, justificou.

Outras políticas públicas foram listadas pelo pesquisador, como a implementar e fiscalizar o uso de ar-condicionado no transporte público, nas escolas e nas repartições, criar mais áreas verdes nas cidades e reduzir a emissão de gases de efeito estufa, adotando veículos de serviço elétricos, por exemplo. 

Para saber mais:

Quando se fala em trabalho e altas temperaturas, é importante citar a métrica que avalia o conforto térmico e os riscos de exposição ao calor em ambientes de trabalho, o Índice de Bulbo Úmido e Temperatura de Globo (IBUTG). Ele se propõe a assegurar um local de trabalho saudável e confortável, além de servir para embasar relatórios que verificam a salubridade dos postos de trabalho. O cálculo do IBUTG está previsto na Norma Regulamentadora Nº 15 (NR-15 - Atividades e operações insalubres), que estabelece os limites de tolerância para trabalhos realizados em ambientes com condições térmicas desfavoráveis, e leva em consideração diversos aspectos, como temperatura, umidade do ar, radiação e ventilação. 

O Anexo 3 da NR-15 detalha os Limites de Tolerância para Exposição ao Calor e não se aplica a atividades ocupacionais realizadas a céu aberto sem fonte artificial de calor. Já as disposições estabelecidas pelo Anexo 3 da Norma Regulamentadora nº 9 (NR-9 - Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) se aplicam onde houver exposição ocupacional ao agente físico calor, ou seja, inclui ambientes externos.


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