Expectativa pela aula inaugural com a ministra Anielle Franco dá o tom do Dia Internacional da Mulher na ENSP
Por Barbara Souza
Simbólica e representativa, a presença da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, como palestrante da aula inaugural da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz) de 2023 tem sido comemorada pelos membros da comunidade escolar desde o seu anúncio. Mas a celebração entre as pesquisadoras, professoras e alunas tem um tom especial, até porque o evento será realizado no dia 16 de março, mês do Dia Internacional da Mulher. Quando comentam a visita da ministra e a sintonia desse encontro com o 8M, as mulheres da ENSP expressam orgulho e, claro, muita expectativa para a aula inaugural, que tem como tema ‘O legado das mulheres negras’. O Informe ENSP colheu depoimentos de algumas pesquisadoras da Escola sobre o assunto.
“A ministra Anielle, além de ser uma mulher, é uma mulher negra. E isso fortalece ainda mais a luta das mulheres da Fiocruz, que vem se expressando por meio de vários movimentos”, afirmou Marly Cruz, pesquisadora do Departamento de Endemias Samuel Pessoa (Densp/ENSP), que citou instâncias como o GT de Diversidade e Equidade da ENSP e o Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz. Responsável pela moderação da aula inaugural a ser ministrada por Anielle Franco, ela diz ser fundamental tematizar e problematizar mais a questão da igualdade racial para os alunos que estão chegando à pós-graduação. “Se queremos avançar, precisamos nos debruçar sobre esses temas. Não há como discutir saúde pública e seus problemas sem pensar nessa desigualdade. Acredito que teremos uma excelente aula”, completou Marly.
Pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (Daps/ENSP), Roberta Gondim considera a aula inaugural com Anielle Franco oportuna e coerente com a agenda de lutas pautada pelo movimento negro, em especial pelas mulheres negras. Ela afirmou que “dada a matriz de desigualdades sob a qual somos assimetricamente submetidas, há de se perguntar sobre que noção de mulher a que nos referimos ao falarmos em Dia Internacional da Mulher, pois devemos ter em mente que a questão de gênero e raça são construções sociais, que atuam no sentido de definição de lugar na sociedade”. A pesquisadora explica que Anielle “dialoga a partir de um lugar de enunciação que é destinado a populações historicamente subalternizadas, como os negros, cuja a presença nos espaços acadêmicos é reiteradamente negada”, e completa dizendo que “ter a ministra conosco é algo muito positivo, pois deve ser entendida como uma contribuição para a necessária ruptura desse enredo tão negativo, o que é possível desde que sejamos capazes de transformar e construir, também internamente, as bases institucionais para a mudança”.
Para a pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA/ENSP) Maria José Sales, que também é uma mulher negra, trata-se de um momento histórico: “eu sinto muito orgulho, como pesquisadora desta casa, de viver a visita da Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial. Para mim, ela representa na sua acepção máxima a mulher brasileira: negra, intelectual, oriunda de uma comunidade periférica onde imperam todas as formas de violência”. Já nas palavras da pesquisadora da ENSP Silvana Granado “Anielle representa o Brasil que deu certo, uma mulher negra e vinda de uma favela, com destacada formação acadêmica e profissional, sem abandonar a defesa da população negra”. Ela acredita que sua fala será “imperdível”.
A vice-diretora de Pesquisa e Inovação da ENSP, Luciana Dias de Lima, reforça as expectativas ao dizer que “a aula inaugural irá nos permitir compreender como as diferenças de classe e o racismo atuam de forma imbricada e afetam de modo significativo a vida de muitas mulheres em nossa sociedade”. Ela destacou ainda a oportunidade de conhecer formas de resistência e ação coletiva expressas na vida de outras mulheres “que vieram antes de nós”. A vice-diretora afirma que espera que os participantes possam se inspirar para a construção de alternativas de políticas públicas na direção de um mundo mais justo, onde mulheres e homens gozem dos mesmos direitos e oportunidades.
Pesquisadora da ENSP e representante da Escola no Grupo de Trabalho Mulheres e Meninas na Ciência na Fiocruz, Vera Marques avalia que abrir o ano letivo ouvindo Anielle Franco comunica o engajamento da Escola com a agenda da equidade de gênero e da luta antirracista. “Anielle representa várias bandeiras importantes com as quais a escola vem se identificando – a das mulheres, das pessoas negras, LGBTQIA+ e periféricas – e atuando no sentido de promover democracia e justiça social. Tenho certeza de que a fala da Anielle ressoará ao longo do ano em reflexões, debates e no desenvolvimento de pesquisas”, declarou a pesquisadora.
Maria Helena Barros, do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural (DIHS/ENSP), também destaca o simbolismo e demarcação histórica da presença de Anielle justamente no mês da mulher: “Temos muito a comemorar neste dia 8 de março, todas as vitórias, desde a possibilidade de votar até outros direitos que hoje nós temos, mas a luta ainda é muito grande. Temos um cotidiano de violação de direitos humanos das mulheres. Nós, negras, indígenas, com deficiência, que estamos na rua, que compomos a população LGBTQIA+, sabemos que ser mulher é resistência”. Para Maria do Carmo Leal, do Departamento de Epidemiologia (DEMQS/ENSP), a presença da ministra na aula inaugural também representa o compromisso da ENSP com a luta pelos direitos humanos. “O tema das iniquidades sociais e raciais tem sido motivo de estudos, teses e publicações da nossa Escola há muitos anos e com muito orgulho a recebemos hoje para selar e amplificar o nosso compromisso contra qualquer forma de discriminação, violência e tortura contra a população brasileira preta e indígena e pobre”, declarou.
Ao expressar alegria, a pesquisadora Isabela Soares Santos (Daps/ENSP), reforça que a ministra representa a voz dessas pessoas para falar das necessidades de transformação a serem enfrentadas para a reconstrução do país: “Para um Brasil que não seja guiado pelos interesses patriarcais, de guerra, de competição, de dominação, de injustiça, de desrespeito. Mas sim pelos valores de solidariedade, de diálogo, de construção coletiva, de valorização dos saberes da população. Para isso - e é aí que entra a ENSP- o caminho precisa passar por mudanças também no ensino e na produção de uma ciência com inclusão de saberes das mulheres, das pessoas negras, indígenas, de todas essas que são equivocadamente chamadas de minorias e que são a grande maioria da população”.
Alegria e emoção foram palavras mais presentes nas declarações das pesquisadoras ouvidas, como na de Cristiane Andrade, que dialoga com a provocação de Roberta Gondim a respeito dos feminismos possíveis. “Falar de Anielle é falar das forças, alegrias, sabedorias e poderes de todas aquelas que vieram antes dela e das que virão! Que alegria tê-la conosco para pensarmos a saúde coletiva em uma perspectiva contra hegemônica. Numa saúde que dialogue com mulheres em suas diferentes realidades e enfrentamentos. A presença dela também remete a pensar com quais feminismos dialogaremos para uma política feminista, antirracista e que (re) pense a branquitude”.
Março de 2023: 5 anos sem Marielle
No dia 14 deste mês, os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Franco completaram cinco anos. Este marco é mais um elemento que reforça o clima de luta das mulheres, especialmente das mulheres negras, em diversos espaços, como no ambiente acadêmico. A aula inaugural da ENSP, ministrada pela Anielle Franco, irmã da vereadora, emociona a comunidade de mulheres da Escola. “A ministra está se propondo a combater diversos tipos de violência neste cargo, a começar pela violência que assassinou brutalmente sua própria irmã”, diz Maria José Sales.
A pesquisadora Sonia Bittencourt (DEMQS/ENSP) se disse emocionada com a visita da ministra e relembrou que Anielle Franco perpetua o legado da irmã. “Ela fundou o Instituto Marielle Franco, que apresenta resultados concretos de mais visibilidade e destaque para o enfrentamento da violência política de gênero e no aumento da participação de mulheres negras na política. Anielle, mulher preta de favela, potencializa a necessidade de investimento em educação, esporte e cultura. A presença de Anielle, aqui na ENSP, é uma bandeira que orienta a caminhada, indica o alvo, demarca o território das mulheres, em especial, as negras”, disse.
Maria do Carmo Leal lembra que Marielle esteve na abertura do ano letivo da Fiocruz em 2018, no Dia Internacional da Mulher, poucos dias antes do seu assassinato. O tema na ocasião fora ‘Olhares femininos no cárcere’. “A vinda da ministra à Fiocruz não pode ser dissociada daquele encontro. Vamos falar dos mesmos grupos populacionais, mas também do significado da presença dela aqui, hoje, como ministra destas causas sociais, com a sensação de uma chance de justiça por Marielle e de esperança de construirmos um país digno para todos”.
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